Capítulo 10

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O desespero daquela descoberta nunca saiu de dentro de mim. Por dias fiquei vasculhando álbuns e minhas memórias, tentando encontrar algum sinal. Mas nada do que eu fazia adiantava. Talvez eu não devesse saber e fosse melhor desistir. Se minha mente estava realmente fazendo aquilo, sabotando a mim mesma, era porque algo muito ruim tinha acontecido, eu supus.

Não deixei de pensar no problema, mas me enchi de outras coisas no dia seguinte. Quanto mais ocupada eu estivesse, menos eu pensava — ou ouvia pensamentos — e menos me sentia mal a respeito daquela história toda. Estava fugindo dos meus problemas, e eu sabia que eventualmente eles iam me encontrar. Mas se tinham esperado esses anos todos para dar as caras, podiam esperar mais um pouco.

Inventei uma festa de despedida para Carl — embora o próprio não parecesse exatamente animado com a ideia —, comecei a treinar e correr na praça depois das aulas, chegava tarde em casa e passava a noite estudando até a hora de dormir. Logo eu. Estudando por livre e espontânea vontade. Época de provas, foi o pretexto que usei, e que não era de todo mentira.

Ninguém percebeu a minha mudança súbita, meus sorrisos e animação constante e diária foi o que garantiu isso. Mas, por mais que eu estivesse sempre feliz ao redor dos outros, eu não sentia vontade de conversar com ninguém.

Em uma daquelas noites, fui abordada pela minha mãe. Tinha, assim como eu, trabalhado demais nas semanas anteriores e caído doente. Me pediu para comprar um remédio. Desde que eu não estivesse em casa e não tivesse que conversar com ninguém estava ótimo, pensei.

— Fique atenta ao movimento da rua, já é tarde — ela disse, ao que eu assenti.

A noite já havia caído, mas apesar de não haver muita gente na rua, o comércio local ainda estava aberto.

Eu já estava na esquina que daria na rua da farmácia.

"O carro já está em posição. Só precisamos ficar alertas. Não é a primeira vez que fazemos isso. Vai dar tudo certo," ouvi.

Franzi o cenho e me aproximei mais alguns passos. Eu estava sozinha, então quem...?

Na passarela do outro lado vi um furgão e alguns homens. Eles olhavam ao redor diversas vezes. Um deles não parava de movimentar os braços, e um outro lhe deu um tapa no ombro. O primeiro imediatamente parou, quando um deles entrou em um banco.

Aquilo não parecia nem um pouco bom. Voltei para a esquina onde eu estava e peguei o celular. Minhas mãos tremiam. Qual era mesmo o número da polícia? Não era possível que eu tivesse esquecido num momento como aquele. Mas meus dedos digitaram o número no teclado como se conhecessem o caminho.

O telefone chamou algumas vezes, e depois do que pareceu uma eternidade, uma mulher atendeu.

— Oi. Olha, eu estava indo no banco e encontrei alguns homens estranhos. Eles tem um carro grande, parece que estão tentando...

Meu telefone se espatifou contra o chão. Vi as peças voando para todos os lados quase que em câmera lenta. Eu estava totalmente ferrada e só conseguia pensar que não teria dinheiro para comprar outro.

Um quarto ou quinto homem daqueles me arrastou pelo braço até o banco. Um dos outros homens me encarou de cima abaixo. — O que é isso?

— Ela estava ligando para a polícia. — O que havia me arrastado até ali bufou.

Tentei me soltar do seu braço, o que o fez me segurar com mais força ainda. Os meus treinos não estavam ajudando tanto quanto eu esperava. Mas, se eu tivesse a chance de me soltar, posso apostar que correria muito mais rápido do que eles.

Ouvindo VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora