Apesar do temperamento arrogante e grosso — apenas comigo, aparentemente —, Dean parecia estar se entrosando bem com o resto da turma. O que era melhor pra mim, pois assim eu não precisava me dar ao trabalho de dirigir-lhe a palavra de novo. O que não o impediu de me procurar ao fim de uma aula de informática. Sua intenção mascarada por um pedido de desculpas pelo seu comportamento comigo, mas eu não comi essa. Também não me interessei muito pelo assunto, quanto mais distância eu pudesse ter do sujeito, melhor. Ele já pensava que eu era uma drogada, era melhor do que a verdade.
Mas eu devia ter me interessado.
Acontece que, alguns dias depois, no jantar que minha mãe orquestrou para que eu e meus irmãos pudéssemos conhecer seu noivo, eu acabei me esbarrando com ele de novo. E não foi acidente.
Não pude esconder meu choque, quando notei os dois vindo na nossa direção. Pai e filho, supus. No caso, o pai era O Noivo e o filho o meu querido colega de classe. Me virei para a minha mãe com o olhar exasperado, esperando que ela entendesse. Mas ela não entendeu. Mães dificilmente entendem. Apenas se virou para os dois e se ergueu para cumprimentá-los. Era o meu fim.
Ao menos, eu não era a única que parecia chocada. Talvez não pelos mesmos motivos. "Arrumada ela não fica tão ruim," foi o que ouvi de Dean, com sua própria voz. Não exatamente de sua boca. Quis botar para fora o jantar que eu nem tinha comido ainda.
— Você deve ser a Samantha. Eu sou o Harry. — O noivo disse, estendendo a mão para um aperto. Uau, tínhamos um Sherlock. Me ergui da cadeira e apertei a mão dele sem muita força. Ele apontou para o rapaz — Meu filho, Dean, tem a sua idade. — Um sinal claro do que era esperado de nós: que nos déssemos minimamente bem.
Dean, que parecia estar preso em algum tipo de transe, piscou algumas vezes e abriu a boca. — Nós estamos na mesma turma. — Ele podia ficar calado mais vezes. Ele era tão bonito quando estava de boca fechada.
Suspirei, voltando a me sentar.
— É mesmo? — disse uma mãe sorridente.
Acredito que o tamanho susto que tomei foi a causa da minha distração durante o jantar, o que resultou em uma tremenda dor de cabeça e vários pensamentos que eu preferia não ter escutado, como "Tomara que eles se deem bem" da minha mãe de um lado e "Uma casa cheia de crianças, vai ser trabalhoso" do outro, por cortesia do Harry. Os abismados "Nossa, três filhos!", por parte de Dean e um "Não acredito que ele vai ser meu irmão" de uma sorridente Catherine. Sem falar nos pensamentos de todos os outros clientes do restaurante onde estávamos.
Mas não posso negar que Harry parecia, de fato, um cara legal — e não constatei isso apenas pelo sorriso bobo da minha mãe. Ao menos Jake parecia ter gostado dele, os dois haviam encontrado um assunto em comum, o basquete.
— Você sabia? — Ouvi e me virei para o lado. Dean me encarava com curiosidade.
— Sobre o casamento ou você?
— Os dois.
— Eu sabia sobre o casamento e que ele tinha um filho. Nem em meus piores pes... Digo, sonhos, imaginaria que o filho seria você. — Minha careta não deve ter deixado margem para outros assuntos. Enfiei um pedaço de carne na boca, e nenhum de nós dois falou mais nada.
Foi a única coisa que conversamos a noite toda. A não ser quando a minha mãe ou o Harry nos faziam perguntas que éramos obrigados a responder.
Para completar o meu desgosto, no entanto, Harry ergueu—se no meio da sobremesa. Eu já sabia o que estava por vir. Afundei ainda mais na minha cadeira, querendo que que um buraco se abrisse sob meus pés naquele momento. Ele tirou uma pequena caixa aveludada do bolso. Meu estômago começou a se revirar. Ele podia nos poupar dessa vergonha e eu lhe seria eternamente grata.
— Eu gostaria de pedir a mão de sua mãe a vocês — falou Harry indo em direção a cadeira de minha mãe. Posso arrancá-la e lhe entregar, já que quer tanto. Desgostosa era a minha expressão. Mas me me adiantei a ele, antes que algum dos gêmeos fizesse alguma besteira.
— Nós ficaríamos muito felizes em ter dois novos membros na nossa família. Mas não precisa pedir a nossa permissão. Ela é adulta e vacinada. Confiamos nas decisões da mamãe. — Olhei para o lado e vi de relance a expressão de indignação de Dean. Seus pensamentos estavam da mesma forma, tão embaraçado quanto eu. Harry pegou a aliança e pôs no dedo da minha mãe — que estava quase chorando a essa altura.
— Você não tem vergonha? — Perguntou Dean, em voz baixa. Os outros estavam ocupados observando a pedra do anel de mamãe.
— Se os gêmeos se levantassem antes de mim para falar alguma coisa, com certeza eu ia ter.
Ao final da noite, Harry nos ofereceu carona para casa. Não fiquei muito feliz, tive que ficar espremida entre Dean e a porta traseira. Claramente um carro não seria suficiente para abarcar a nova família.
O meu incômodo e vergonha deviam estar bem aparentes. Eu consegui sentir as minhas bochechas quentes a cada expirada que Dean dava — que acabava por fazer meu cabelo voar e me embriagar com seu cheiro. A situação só piorou. Ele se aproximou e sussurrou, para que apenas eu pudesse ouvir — Você cheira bem...
É claro que eu cheiro bem. O que ele pensava? Que eu saia por aí fedendo a gambá? Isso lá é coisa que se diga? Não saio de casa sem perfume não, meu bem.
Mas com a benção divina, chegamos em casa em poucos minutos. Rapidamente abri a porta e saltei para fora do carro. Respirei fundo, como se estivesse sufocando até então. Me virei para trás de novo e o encarei. Dean estava rindo e eu preferi nem dar atenção ao que ele estava pensando naquele momento.
Entrei em casa afobada, antes de todos, mal me despedindo de Harry. Fui até banheiro e só lá vi o motivo de tanto riso.
— Sam, por que você está tão vermelha? — Catherine perguntou. Monstrinha. Com certeza sabia e perguntou de propósito. Seu sorriso malicioso denunciava isso. Bati a porta na cara dela, sem ter coragem de me encarar no espelho.
Alguns dos cômodos em casa tinham isolamento acústico. Aparentemente, quando eu era criança meus pais foram convencidos de que eu tinha uma audição muito aquém do comum, e foram obrigados a isolar os lugares onde eu mais andava, incluindo meu quarto. Por incrível que parecesse, isso realmente me ajudava a dormir sem ouvir o pensamento dos outros.
Quando minha pele assumia aquele tom de vermelho, as minhas sardas ficavam ainda mais aparentes e era difícil não notar. Precisei ficar alguns minutos sentada sobre o vaso e com uma toalha úmida sobre o rosto, para ver se ele esfriava.
Saí apenas quando achei que já estava com a respiração normal e o rosto frio. Minha mãe estava do lado de fora, me esperando. Meu coração quase parou. Levei uma mão ao peito num sobressalto.
— O que você achou dele? — ela perguntou. Achei que fosse falar outra coisa. Mexia sem parar nos dedos e seus olhos estavam um pouco esbugalhados. É lógico que os pensamentos dela naquele dia estavam só em Harry.
Eu a encarei por um longo momento. — Ele parece legal, sim. — falei, finalmente juntando coragem para responder. Ela suspirou e sorriu.
— Gostou do fato de que vai ter um novo irmão depois que nos casarmos? — Não, nem um pouco. Como ela podia pensar que eu, na idade em que eu estava, ficaria feliz de ganhar um irmão novo que parecia mais com um opressor? Mas não falei isso. Apenas sorri amarelo. Ainda não tinha caído a ficha de que, depois que eles se casassem, moraríamos todos juntos. Na. Mesma. Casa.
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E aí, povo? Estão curtindo a história? Eu a escrevi há muitos anos, então ela pode parecer meio infantil às vezes, mas tenho que admitir que ainda me faz rir.
Se curtirem, por favor votem <3 me ajuda muito
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Ouvindo Você
Teen FictionLonglist do Wattys2018! Samantah pode ler pensamentos. E seu dom se torna uma maldição, quando um novo rapaz na cidade resolve usar esse segredo contra ela.