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A casa está escura, sendo iluminada somente pelos finos feiches de luz que passam pelas frestas da janela. Pelo chão, as inúmeras bitucas de cigarros se destacam, juntamente com o forte cheiro de fumaça. Meus olhos ardem, o que não é novidade, visto que o monstro fuma a noite inteira e de manhã, quando sai, deixa a casa toda fechada, não deixando o cheiro forte sair da casa. Ando vagarosamente agarrado ao que sobrou do meu velho urso de pelúcia. Mesmo estando aos trapos, eu não o jogo fora, pois foi a única coisa que me sobrou do meu pai. Chego na porta do quarto onde minha mãe está, e a abro, ouvindo fungados. O barulho da porta sendo aberta a assusta, e ela se vira para mim.
- Ethan - sua voz sai mais fraca do que realmente é, como todas as vezes. Ela abre os braços e eu corro até ela, a abraçando forte. Seu gemido de dor me assusta, e eu a solto.
- Desculpa, mamãe. Eu machuquei você?
- Não, meu amor. Não foi você. - seus dedos dançam em meu rosto fazendo um leve carinho, o que já é muito, dada a sua fragilidade. Ela não deve comer ou beber por bastante tempo. A abraço de novo.
- Espera quietinha aí mamãe. Vou buscar uma coisa para você! - corro até até o meu quarto e pego a folha de jornal rasgada que estava no meio da sala, onde fiz um desenho para ela com um lápis de cor que peguei na minha escola. Espero que a tia Ceci não fiquei brava. Vou até a cozinha e me estico na pia, tentando lavar uma copo que está imundo com as mãos. Encho-o de água e pego os biscoitos que trouxe do lanche da escola para ela. Subo para o quarto e seus olhos brilham quando ela vê o que está em minhas mãos.
- Obrigado, meu amor. - ela toma a água e come os biscoitos rápido, e eu corro até a cozinha para guardar para que o monstro não veja. Ele ficou muito bravo da última vez que achou o copo. Volto para o quarto e encontro a mamãe segurando o desenho que eu fiz, enquanto chora.
- Você não gostou mamãe? Eu posso fazer outro! - falo, triste com a possibilidade de ela não ter gostado.
- Eu adorei, querido. Ficou muito bonito.
- Eu desenhei eu, você e o papai, em uma casa nova e muito bonita!
- O papai está no céu, querido. Já conversamos sobre isso. Ele não vai voltar. - seus olhos ficam tristes imediatamente e meu coração se parte mais ainda, tanto por ver a mamãe triste, quando por ouvir novamente que meu pai não vai voltar. Ele tem que voltar.
- Mas e a casa nova mamãe? - Pergunto, com resto das minha esperanças em sair daquela casa e viver um vida feliz novamente.
- Você sabe que a mamãe ama você, não é, querido? - ela me olha com seus olhos que já foram tão bonitos, agora tristes e sem vida, esperando uma resposta. Eu aceno com minha cabeça, ficando o mais próximo que consigo do seu corpo e aproveitando o carinho que ela faz em meu rosto com a ponta dos dedos. - Pois saiba que se dependesse de mim, nós estaríamos em outra casa e...
Nesse momento, a porta do quarto se abre e o monstro aparece por ela.
- A sua casa é aqui, seu moleque imundo! Eu já falei que não quero vê-lo falando sobre isso! - diz puxando seu cinto de sua cintura e eu me encolho no colo de minha mãe, com medo do que vai acontecer.
O resto da cena passa como um flash.
Minha mãe entra na minha frente e grita com ele, o impedindo de me bater. Foi a primeira vez que eu a vi o enfrentando. Ele a empurra para o chão e vai para cima dela. Ouço seu grito me dizendo para que eu fuja, e eu corro para as escadas, já sentindo meu rosto encharcado pelas lágrimas. Entro debaixo do sofá, sendo escondido pela pano que cobre o móvel. Adormeço chorando e ouvindo os gritos de minha mãe, sendo perturbado por diversos pesadelos.
Acordo com um vento gelado em minhas pernas. Saio de debaixo do sofá e vejo a porta aberta. Subo as escadas devagar e a porta do quarto da mamãe está semi-aberta. A empurro devagar, ouvindo seu ranger, o que me dá medo. Adentro o pequeno cômodo e me deparo com um corpo caído no chão, em meio a uma poça de sangue. É a minha mãe. Seus olhos estão levemente abertos e ela não se move. Me aproximo de seu corpo e me abaixo, tomando cuidado com o sangue.
- Mamãe? - a sacudo enquanto chamo baixinho, logo aumento o tom de voz - Mamãe, levanta! Mamãe! - meus olhos lacrimejam e minha visão fica nublada. Porque será que a mamãe não acorda? Ela tem que acordar! Eu não posso ficar aqui sozinho com o monstro. Não posso! Não consigo! - MAMÃE! Por favor, acorda! Levanta, mamãe. Eu preciso de você, eu te amo!-mas nem isso funcionou. E eu finalmente percebi: ela não ia acordar. Nunca mais.
E eu estava sozinho. Para sempre condenado à uma vida amargurada e solitária.
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Imperfeito Mundo Encantado [COMPLETO] (Livro 1 - Duologia Encanto)
RomansaMarina Lancaster se aproxima cada vez mais dos seus 20 anos. Para qualquer outra garota esse seria apenas mais um aniversário, mas não para ela. Como primeira na fila de sucessão ao trono de seu país, ao completar seu vigésimo aniversário Marina ser...