CAP 0.8 - ANTES: ETHAN

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A casa está escura, sendo iluminada somente pelos finos feiches de luz que passam pelas frestas da janela. Pelo chão, as inúmeras bitucas de cigarros se destacam, juntamente com o forte cheiro de fumaça. Meus olhos ardem, o que não é novidade, visto que o monstro fuma a noite inteira e de manhã, quando sai, deixa a casa toda fechada, não deixando o cheiro forte sair da casa. Ando vagarosamente agarrado ao que sobrou do meu velho urso de pelúcia. Mesmo estando aos trapos, eu não o jogo fora, pois foi a única coisa que me sobrou do meu pai. Chego na porta do quarto onde minha mãe está, e a abro, ouvindo fungados. O barulho da porta sendo aberta a assusta, e ela se vira para mim.

- Ethan - sua voz sai mais fraca do que realmente é, como todas as vezes. Ela abre os braços e eu corro até ela, a abraçando forte. Seu gemido de dor me assusta, e eu a solto.

- Desculpa, mamãe. Eu machuquei você?

- Não, meu amor. Não foi você. - seus dedos dançam em meu rosto fazendo um leve carinho, o que já é muito, dada a sua fragilidade. Ela não deve comer ou beber por bastante tempo. A abraço de novo.

- Espera quietinha aí mamãe. Vou buscar uma coisa para você! - corro até até o meu quarto e pego a folha de jornal rasgada que estava no meio da sala, onde fiz um desenho para ela com um lápis de cor que peguei na minha escola. Espero que a tia Ceci não fiquei brava. Vou até a cozinha e me estico na pia, tentando lavar uma copo que está imundo com as mãos. Encho-o de água e pego os biscoitos que trouxe do lanche da escola para ela. Subo para o quarto e seus olhos brilham quando ela vê o que está em minhas mãos.

- Obrigado, meu amor. - ela toma a água e come os biscoitos rápido, e eu corro até a cozinha para guardar para que o monstro não veja. Ele ficou muito bravo da última vez que achou o copo. Volto para o quarto e encontro a mamãe segurando o desenho que eu fiz, enquanto chora.

- Você não gostou mamãe? Eu posso fazer outro! - falo, triste com a possibilidade de ela não ter gostado.

- Eu adorei, querido. Ficou muito bonito.

- Eu desenhei eu, você e o papai, em uma casa nova e muito bonita!

- O papai está no céu, querido. Já conversamos sobre isso. Ele não vai voltar. - seus olhos ficam tristes imediatamente e meu coração se parte mais ainda, tanto por ver a mamãe triste, quando por ouvir novamente que meu pai não vai voltar. Ele tem que voltar.

- Mas e a casa nova mamãe? - Pergunto, com resto das minha esperanças em sair daquela casa e viver um vida feliz novamente.

- Você sabe que a mamãe ama você, não é, querido? - ela me olha com seus olhos que já foram tão bonitos, agora tristes e sem vida, esperando uma resposta. Eu aceno com minha cabeça, ficando o mais próximo que consigo do seu corpo e aproveitando o carinho que ela faz em meu rosto com a ponta dos dedos. - Pois saiba que se dependesse de mim, nós estaríamos em outra casa e...

Nesse momento, a porta do quarto se abre e o monstro aparece por ela.

- A sua casa é aqui, seu moleque imundo! Eu já falei que não quero vê-lo falando sobre isso! - diz puxando seu cinto de sua cintura e eu me encolho no colo de minha mãe, com medo do que vai acontecer.

O resto da cena passa como um flash.

Minha mãe entra na minha frente e grita com ele, o impedindo de me bater. Foi a primeira vez que eu a vi o enfrentando. Ele a empurra para o chão e vai para cima dela. Ouço seu grito me dizendo para que eu fuja, e eu corro para as escadas, já sentindo meu rosto encharcado pelas lágrimas. Entro debaixo do sofá, sendo escondido pela pano que cobre o móvel. Adormeço chorando e ouvindo os gritos de minha mãe, sendo perturbado por diversos pesadelos.

Acordo com um vento gelado em minhas pernas. Saio de debaixo do sofá e vejo a porta aberta. Subo as escadas devagar e a porta do quarto da mamãe está semi-aberta. A empurro devagar, ouvindo seu ranger, o que me dá medo. Adentro o pequeno cômodo e me deparo com um corpo caído no chão, em meio a uma poça de sangue. É a minha mãe. Seus olhos estão levemente abertos e ela não se move. Me aproximo de seu corpo e me abaixo, tomando cuidado com o sangue.

- Mamãe? - a sacudo enquanto chamo baixinho, logo aumento o tom de voz - Mamãe, levanta! Mamãe! - meus olhos lacrimejam e minha visão fica nublada. Porque será que a mamãe não acorda? Ela tem que acordar! Eu não posso ficar aqui sozinho com o monstro. Não posso! Não consigo! - MAMÃE! Por favor, acorda! Levanta, mamãe. Eu preciso de você, eu te amo!-mas nem isso funcionou. E eu finalmente percebi: ela não ia acordar. Nunca mais.

E eu estava sozinho. Para sempre condenado à uma vida amargurada e solitária.

***

Imperfeito Mundo Encantado [COMPLETO] (Livro 1 - Duologia Encanto)Onde histórias criam vida. Descubra agora