50. Vende-se Esta Casa

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Vende-se a casa em que vivi a minha vida inteira. A morada dos meus sorrisos. Vende-se o lugar onde nasci, onde dei os meus primeiros passos, onde comecei a descobrir o que era este mundo. Vende-se, já que a vida passa e nos obriga a partir. Na garagem os seus filhos poderão brincar de escorregar com água e sabão, assim como eu costumava fazer com o meu irmão. Não se espante se você encontrar os meus primeiros dentes em cima do telhado. Talvez o São Longuinho ainda não tenha tido tempo para vir buscá-los. A casa tem um quintal para um dos seus filhos sonhar em ser jogador, um escritório para o irmão dele sonhar em ser doutor, uma varanda para ensaiarem a banda de Rock e um jardim com um pé de acerola mágico. Tem espaço pra Chokita correr, tem dispensa pra nos dias de chuva se esconder. Dá pra ver a Lua se você subir no telhado. Dá pra chorar lá também, sem ninguém saber. Têm pebolim, ducha e futebol de botão. Têm tapioca no café, kafta de aniversário e arroz com pequi no domingo. Não recomendo assistir jogos contra a França, mas contra a Holanda com o Romário em campo ela costuma trazer sorte. Só peço que cuide bem daquele quartinho lá no fundo. Foi onde zerei o Sonic e venci a Master League pela primeira vez. Foi onde dei o meu primeiro beijo. Foi onde me tornei um escritor. Meu cantinho das segundas-feiras de textos novos. Meu esconderijo onde aprendi a transformar lembranças em poesia. Querido novo morador, cuide bem das minhas maiores saudades. Eu juro que queria poder morar aqui pra sempre. Queria ver meus filhos correrem naquele corredor. Queria que aqui fosse a casa dos seus avós. Pena que essa vida é um filme em que nem sempre somos nós quem escrevemos o roteiro. Por aqui tudo passa, menos nossa vontade de permanecer. Vende-se esta casa. O lugar está à venda, mas tudo aquilo que vivemos ali dentro, isso não tem preço. Ficam as paredes, os azulejos e as portas, mas as lembranças e as pessoas que as viveram comigo eu estou levando na mudança. Ainda bem. Vende-se esta casa.

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