Cinco meses atrás.
'Vai ser fácil demais...'
Foi o que ele pensou enquanto estava agachado, mantendo-se oculto atrás de uma lixeira na entrada daquele beco. O Nômade estava poucos metros à sua frente, de costas para ele. Parado.
Ficava cada vez mais evidente que aquelas cópias bizarras de seres humanos não tinham nenhum objetivo claro para estarem na cidade. Sempre eram avistados caminhando a esmo pelas ruas, ou então, parados num lugar qualquer, mas nunca pareciam ter intenções definidas. Apenas... estavam ali.
Se não fosse pelos incontroláveis Surtos de Violência pelo qual passavam, aqueles assassinos noturnos passariam totalmente despercebidos a todos, sendo ignorados e ignorando tudo ao seu redor.
Porém, mesmo sem apresentarem uma iniciativa agressiva, precisavam ser eliminados; apesar de aleatórios, os Surtos sempre ocorriam, transformando aquelas coisas em máquinas assassinas.
A arma, empunhada firme em suas mãos, apontava para a cabeça do seu alvo. Bastava o menor aperto no gatilho e o maldito cairia morto naquele chão sujo, no mesmo segundo. Mas...
'Fácil demais...! Não posso perder essa chance...!', pensava ele, enquanto era obrigado a remexer constantemente os dedos para conseguir firmeza na empunhadura da arma, já que seus limitados dedos infantis se mostravam um tanto pequenos para envolver de maneira apropriada o cabo daquela pistola. Mas ele teimosamente insistia em segurá-la com apenas uma das mãos, na tola intenção de demonstrar para si mesmo que era capaz.
Além do futuro cadáver diante dos olhos, seu Radar captava claramente mais três Nômades nas proximidades, espalhados num raio de trezentos metros, com aqueles estranhos e nítidos pontos se destacando numa espécie de mapa natural que era gerado em alguma parte do seu cérebro. Aquelas criaturas ficavam sempre em evidência; formas humanas perfeitas em contraste com os contornos urbanos da cidade, visíveis a ele graças àquela singular visão que se expandia de sua mente.
Mas apesar da pequena selva de prédios que lhe ocultava daqueles olhos assassinos distantes, ele não se sentia seguro. Em se tratando de inimigos tão fortes e ágeis, era razoável considerar que ainda se encontravam perigosamente perto. Qualquer passo em falso poderia ser fatal. Em segundos, já poderiam estar respirando sobre seu pescoço.
Ou, mais provavelmente, o arrancando.
Seu dedo coçava no gatilho da arma, mas ele hesitava em apertar. Consciente de que o barulho do tiro poderia alertar os outros, já considerava usar uma abordagem mais silenciosa, onde ainda teria o elemento surpresa a seu favor para lidar com os três restantes.
— Eu consigo... – murmurou para si mesmo, enquanto fazia a pistola voltar a descansar no coldre por dentro da jaqueta. Agora livre, a mão direita baixou, com os dedos envolvendo o cabo emborrachado de sua faca militar, guardada na bainha presa em sua perna. A arma fora acrescentada ao seu limitado arsenal naquela mesma noite; a lâmina cromada de aço inoxidável era resistente e afiadíssima.
Puxou devagar, fazendo aquele corpo de metal prateado surgir lentamente ao ser erguido, refletindo um brilho discreto na penumbra onde estava agachado.
Mas não havia certeza de que a lâmina conseguiria penetrar naquele crânio, já que nunca tentara algo assim. No entanto, esse receio não o impediria; estava ansioso demais para testá-la e cravá-la naquela coisa.
Ergueu-se e caminhou de maneira furtiva, com o corpo encurvado como um predador espreitando a sua presa; os pés se moviam lentamente, cuidadosos em não fazer nenhum ruído a cada passo que o deixava mais perto. O nervosismo fazia sua mão direita apertar com uma força excessiva o cabo daquela faca, deixando os nós dos dedos brancos. Mas estava confiante.
'Tão fácil...'
Ainda num silêncio total, pulou sobre o Nômade como um felino, a mão que empunhava a faca erguida bem alto, no limite. Garantiria um longo trajeto para a afiada lâmina quando fizesse o derradeiro arco descendente para o golpe mortal.
E ela desceu rápida, potencializada ainda mais pelo movimento do salto, visando o topo do crânio.
Porém, antes que fosse atingida, a criatura acabou fazendo um discreto e involuntário movimento com a cabeça, projetando-a um pouco mais para frente. Poucos centímetros, mas o suficiente para fazer o atacante perder o ponto desejado, sem tempo de corrigir a trajetória do ataque, alcançando apenas a beirada; a ponta da lâmina acabou resvalando no resistente osso do crânio e foi desviada para baixo, afundando atrás do pescoço do Nômade.
Apesar do forte urro de dor, o assassino noturno revidou no mesmo instante e suas mãos voaram velozes na direção de seu oponente, num golpe circular agressivo. Ainda houve uma tentativa de esquiva por parte do Caçador, que arqueou o corpo para trás, mas o movimento não foi amplo o suficiente para deixá-lo fora de alcance. Aquelas unhas, que só pareciam inofensivas, o atingiram de raspão na lateral do abdômen (um raspão que quase fez suas tripas saírem pelo corte).
Além de causar o ferimento, a força do golpe ainda o arremessou de volta à entrada do beco, fazendo-o cair e rolar por vários metros. Mas não antes de se chocar violentamente contra a parede, com seu corpo pequeno e leve sofrendo as consequências do impacto de maneira mais intensa e dolorosa.
Por puro instinto, o Caçador atacado conseguiu puxar novamente sua pistola ainda durante o rolamento e apertou o gatilho antes que o Nômade chegasse para um segundo golpe. E foi salvo por um tiro quase à queima-roupa, acertando direto na cabeça do assassino noturno.
'Rápido, se levanta...!'
Atendendo ao próprio pedido, transformou toda aquela tensão em velocidade e se reergueu rápido, ficando de pé num pulo, dando uma última olhada na criatura que jazia agora estatelada no chão, com o sangue jorrando daquele rombo na cabeça.
A mão esquerda instintivamente procurou um dos bolsos da jaqueta, mas o gesto logo foi contido.
'Não há tempo para isso, seu idiota!'
E, enquanto deixava o beco para trás, correndo pela calçada deserta, lembrou-se, aflito:
'Ainda tem mais três! Droga!'
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Se alguém se aventurar em ler, espero que se divirta. E muuuito obrigado pela visita.
PS: um detalhe sobre a história que pode ser útil: o idioma falado pelos personagens será o português. No entanto, haverão momentos em que alguns personagens falarão em outro idioma. Esses diálogos também serão escritos em português, mas ficarão destacados em negrito para deixar claro que é outro idioma .
Portanto, quando aparecerem falas assim, em negrito, significa que é em outro idioma. :)
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Legado da Destruição - Caçadores de Nômades
Action(Vencedor do Prêmio Wattys 2020) - Nômade: definição - aquele que não tem casa ou não se fixa muito tempo num lugar. Mas havia uma cidade onde os Nômades ganharam uma definição bem incomum: pessoas (ou criaturas semelhante a pessoas) que vag...