Seguindo o livro de receitas de Amélia, despejei o molho de tomate na panela, prestando atenção para não pular nenhum passo. Cinco meses haviam se passado mas me senti especial como se não a conhecesse quando me convidou para ir até sua casa horas antes de seu jantar de aniversário para ajudar a preparar tudo. Estávamos sozinhas, me virei para olhá-la colocar a mesa enquanto esperava o molho ferver. Pratos meticulosamente posicionados entre os talheres, um copo e uma taça para cada assento. Sua atenção aos detalhes me deixou um pouco nervosa e com a ansiedade batendo nas portas de meu coração pensei o quão louco era o fato de que conheceria sua família em algumas dezenas de minuto.
Não estávamos tão arrumadas quanto a mesa. Amélia disse que não precisaria de muito, mas ao ver como estava dispondo talheres perfeitamente, me agradeci por ter colocado um estojo de maquiagem na bolsa, conseguindo me fazer parecer um pouco mais apresentável poucos minutos antes de sua mãe entrar pela porta.
Eram muito parecidas, mas Rosana parecia mais... Rígida. Bastante formal, visivelmente vaidosa. Vestia um blazer florido com uma saia combinando, uma camisa branca e brincos de pérola. Me cumprimentou com um beijo na bochecha e foi direto até a filha, a abraçando demoradamente. Fazia um tempo que não se viam já que ela ainda residia em Ribeirão.
Rosana se sentou no sofá com as pernas levemente inclinadas para a esquerda, como uma princesa. Fiquei olhando as duas por um tempo antes de ser lembrada pelo barulho das panelas que precisava voltar ao fogão. Terminei de preparar as carnes de soja e as posicionei em um prato, Marina e Daniel chegaram assim que o coloquei sobre a mesa. Depois, alguns amigos da faculdade de Amélia e seu irmão, Rodrigo, de quem não falava muito.
Digo com convicção que ele poderia ser um modelo de sucesso. Era alto, tinha os ombros largos e o cabelo curto do mesmo tom dourado de Amélia e sua mãe. A barba rala era muito bem feita, complementava bem o visual. Ele se vestia mais como sua mãe, de uma maneira ligeiramente conservadora. Uma calça jeans, uma camisa de botões e um suéter azul por cima. Uma vestimenta casual para a família real inglesa.
Apesar da aparência, me cumprimentou com um sorriso simpático e então partiu para a sala com os outros. Amélia veio até a cozinha, me ajudando a terminar de preparar tudo. Vi que estava um pouco nervosa pelo modo que cortou a salada, mais devagar do que normalmente o fazia. Foi quando percebi que ela, em toda sua coragem e extroversão, se sentia tão ansiosa quanto eu em situações assim. Não via sua família há um tempo, estava apresentando seus amigos, seus conhecidos, sua namorada pela primeira vez, todos os grupos em um mesmo espaço por uma noite inteira. Ela queria que tudo saísse perfeitamente.
Por uma vez na vida, Amélia estava tão nervosa quanto eu.
Todos sentaram à mesa. Sorrisos simpáticos, algumas conversas paralelas, a comida com um cheiro bastante convidativo posta no centro. Me deixei sentir orgulhosa por ela. Os convidados se serviram, depois eu e Amélia. O nervosismo dela havia me deixado mais tensa, mas as coisas terminaram correndo muito bem. Sua família era simpática, Marina e Daniel eram o casal perfeito, sempre se davam bem com todo mundo, e seu par de amigos tinham um senso de humor único que conseguiu deixar o ar bem leve mesmo quando sua mãe fazia um comentário negativo ou outro sobre a disposição dos móveis. Ela elogiou a comida, o que eu tomei como uma grande vitória.
Era tarde, todos estavam espalhados pela sala de estar, alguns repetindo a sobremesa e outros com mais uma cerveja em mãos.
-Vou sentir sua falta quando você for embora -era a voz de Rodrigo.
Meus olhos instantaneamente se viraram para onde ele estava. Vi a feição de Amélia ficar preocupada e se voltar para mim, tendo enfim a certeza de que eu havia escutado. E descoberto que era com ela que Rodrigo estava falando.
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Tons de Violeta
RomanceEu tinha quinze anos quando vi Amélia pela primeira vez. Vinte e dois quando a conheci realmente. Nem um mês a mais quando me apaixonei. Ela era única, brilhante, inabalável, muito diferente de mim... "Tons de Violeta" é um curto romance sáfico que...