Um milhão de razões

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O estúdio é um dos meus lugares favoritos de casa, porque é aqui onde eu transformo todos os meus pensamentos e aflições em música. Eu gosto do silêncio que o isolamento acústico me proporciona, às vezes tenho a sensação de estar completamente afastada de todo o resto do mundo, quase que em outra atmosfera. Eu geralmente detesto essa falta de barulho, mas quando estou aqui é diferente porque isso me ajuda a conversar comigo mesma através de cada nota, cada melodia, é como um desabafo pessoal.

Quando eu era criança a minha mãe me obrigava a ficar por quatro horas seguidas na frente do piano, no começo eu confesso que detestava, mas com o tempo se tornou parte da minha rotina e desde então eu sempre dedico um tempo do meu dia para o instrumento. Às vezes eu toco por alguns minutos, às vezes durante horas... Hoje mesmo eu perdi a noção de quanto tempo já estou sentada aqui, tanto que minhas costas doem. Levanto-me e pego uma garrafa de vinho branco no móvel ao lado, encho o copo e coloco sobre a parte de cima do instrumento, eu tenho esse mau hábito de beber enquanto estou compondo ou tocando. Por que parece mais fácil colocar as ideias no lugar sob o efeito do álcool? Talvez seja coisa da minha cabeça, mas eu me sinto mais criativa nessas condições. É aquela velha história de que quando estamos bêbados a mente passa a explorar lugares que não temos coragem quando estamos sóbrios porque é doloroso, mas o álcool ajuda a amenizar, como um anestésico.

Sento-me novamente sobre o piano, estou trabalhando nessa canção desde ontem à noite e entre uma nota e outra eu também me permito acender um cigarro somente para continuar inspirada, é difícil manter a criatividade aguçada por tanto tempo... Deslizo as mãos sobre as teclas enquanto faço algumas anotações nos papeis sobre o instrumento. Ouço o barulho da porta e levanto-me assustada, Mark entra no estúdio empolgado, tentando imitar o barulho do piano enquanto se aproxima de mim:

− Então, o que anda fazendo por aqui? − ele me questiona.

− Estou terminando esses arranjos− lhe entrego um papel.

− Interessante... – ele observa – Você tem feito um bom trabalho.

− Você também! – sorrio para ele.

− O Bobby não sai do meu pé − Mark se senta − Ele quer que eu te pressione... Aconteceu alguma coisa?

− Acontece que ele não aceita quando eu tomo decisões. Acredita que ele não gostou nem um pouco da minha vinda pra cá?

− Mas afinal por que você veio? – ele me pergunta− Sabe que eu não me importo de deixar Nova York, mas essa mudança foi meio repentina, não acha?

− Eu decidi de última hora. Estava me sentindo sufocada lá e aqui é melhor pra compor – respondo.

− Ele deve ter ficado muito irritado− Mark ri.

− E como ficou... Discutimos outro dia e até sobre a Florence ele questionou – sento-me ao lado dele.

− Nossa! E falando nisso, onde ela está agora?

− Florence? Não sei... Passei de manhã no quarto dela, mas ela ainda estava dormindo e desde então eu estou por aqui.

− Vocês estão se dando muito bem, não estão? – Mark pergunta em tom de malícia.

− Estamos sim – sorrio para ele – Ela é maravilhosa!

− Eu sei disso, por isso que te trouxe ela – ele solta uma gargalhada.

− Então eu devo te agradecer?

− Talvez devesse. Você já almoçou? – Mark muda de assunto – Estou com uma fome...

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