2 - Alívio Imediato

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— Olha Luan, eu sei que é errado, mas se eu estou te ligando é porque estou muito desesperada, me ajuda!

— Você precisa é de um médico, não de automedicação.

— Você está falando isso porque não sabe o quanto eu já procurei e o quanto fiquei frustrada com médicos que não tem nenhuma consideração com a fragilidade emocional de pessoas como eu. Acredita que um destes profissionais desalmados me disse que tudo que sinto é normal e logo passa? Eu não tô mais dando conta!

— Sei, mas o que aconteceria comigo se descobrissem que dei um remédio faixa preta para uma menor de idade?

— Em dois meses vou fazer dezoito, além do que ninguém vai saber. Estou enlouquecendo Luan! Está entendendo? En-lou-que-cen-do! — Estou perdida, confusa... às vezes... às vezes... penso até em... Ai, não sei, tô muito cansada!

— Ísis, calma! Calma!

Dormir me protegia de fazer bobagens, loucuras... meus pensamentos me causavam medo... então, se eu tomasse apenas um comprimido que Luan me arrumou, minha mente ficava muito lenta, me sentia vegetando. Entrava num vazio existencial, tinha que fazer um esforço para não deixar transparecer a minha falta de interesse no que as pessoas estavam me contando. Eu não tinha opinião, não tinha interesse, queria ficar quieta na minha. Essa sensação de lentidão me incomodava, não era o que eu buscava, queria apenas dormir e dormir.

Resolvi aumentar a dosagem, quem sabe dois me apague?

Consegui finalmente a paz de um sono profundo, sem pensamentos, nenhum pensamento, nem lembranças, nenhum sonho, alívio!

Quando acordava comia algo, tomava mais dois comprimidos e dormia por mais oito horas. Só me mantinha acordada para ir na escola à noite, pois, me preocupava com meu futuro, aliás, "se" eu me curasse seria bom ter um futuro, uma profissão boa... não queria me prejudicar largando a escola novamente, como fiz por dois anos quando a claustrofobia estava no auge.

Nossa! Lembrar da claustrofobia parecia até reconfortante perto do que eu vivenciava agora! Todos estes monstros mentais... o pânico... o aumento de lembranças terríveis de vidas que já se acabaram... faziam parecer que os incontáveis ataques de claustrofobia que tive eram apenas problemas de criança mimada.

— Como você está se sentindo com os remédios? — Luan perguntou preocupado.

— Bem melhor, muito obrigada! — eu falava sempre tentando parecer muito bem e não confidenciava mais minhas emoções, para que isso não fosse um empecilho para ele me vender novamente.

Só meus poemas sabem como eu estava me sentindo indigna de viver neste planeta sem usufruir dele, eu era uma perda de tempo para a mãe natureza.

O que me revoltava era que as pessoas da minha idade estavam fazendo seus planos para o futuro, preocupavam com a carreira profissional, com namoro, e várias bobagens de adolescentes. E eu? Eu estava tentando manter a sanidade e buscava a todo custo descobrir uma saída, estava fissurada em achar uma solução, uma resposta, se é que existe!

— Será assim para sempre? Não faz sentido! Sim, entendi! Deus não gosta de mim! Estou abandonada, com-ple-ta-men-te desamparada!

Monólogos torturantes... era hora de fazê-los parar, dormindo!

Poucos dias após, exatamente na véspera do meu aniversário de dezoito, busquei um isolamento maior, fui numa pracinha que quase não era frequentada, pois buscava por silêncio para escrever, tudo estava me irritando, até as pessoas falando me incomodava.

Cheguei na pracinha e procurei um lugar limpo para sentar, mas acabei sentando no chão mesmo, encostada numa igrejinha que estava toda pichada e com a porta arrombada. Dava para ver algumas estatuetas de anjos e santos que sobreviveram aos vândalos e usuários de drogas. Eu sabia que de noite ali não era muito bem frequentado, mas durante o dia este local me permitia ficar num estado reflexivo e ideal para eu criar minhas poesias e histórias, desta forma as horas passavam num ritmo diferente ao do relógio.

O Livro de ÍsisOnde histórias criam vida. Descubra agora