10 - Alucinação coletiva

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Pensei que finalmente eu leria o que eu havia escrito naquele transe, mas a noite estava muito turbulenta com a chegada de novos pacientes problemáticos, aliás, todos lá eram problemáticos, mas uns causavam uma turbulência geral. Foi difícil me adaptar ao movimento constante e os sustos que tínhamos quando alguns dos pacientes estavam descontrolados.

Sentei na minha cama, tentando fingir que não ouvia os gritos lá de baixo, eu só queria silêncio, mas Jasmim estava no quarto com um ar de muito irritada.

— O que houve?

— Nada! E dá para apagar a luz? — ela falou ríspida e deitou com a cara no travesseiro abafando o choro.

— Vai ficar tudo bem! — falei sem me estressar com Jasmim, pois quando via a sua imensa fragilidade e sofrimento, só sentia vontade de ajudar.

Apaguei a luz e saí então, mas todos ambientes estavam tensos, eu já estava meio atordoada com a dificuldade de adaptação ao medicamento, queria poder pensar só em mim, mas tinha que conviver o tempo todo com as dores alheias.

Fui em direção ao refeitório e ouvi uns comentários sobre que no dia seguinte seria o "dia de visitas", no mesmo instante uma raiva sem tamanho se apossou de mim, pois eu não queria ver meus traidores.

Fui perguntar à coordenadora se eu podia proibir qualquer pessoa de me visitar, ela me disse que ligaria para meus familiares pedindo para me darem um tempo maior, pois que eu não estava adaptada ainda.

Isso não era verdade, a questão é que eu me sentia muito revoltada com o que havia acontecido, até mesmo quando pensava em fugir, eu desistia, sendo eles um dos motivos. Eu não queria voltar para a casa, realmente não queria ver quem assistiu meu sofrimento de braços cruzados! Como puderam fazer uma cilada dessas?! Isso era incompreensível naquele momento.

Eu não queria permanecer internada, também não queria voltar para a casa e o problema maior é que não me sentia em condições de dar conta de mim mesma na vida real, onde os mecanismos nos tornam como simples engrenagem numa máquina que nem sabemos se queremos que funcione, não se importando com o que realmente somos e sentimos.

Não havia lugar no mundo para mim! Minha contrariedade foi crescendo de tal forma que se transformou em fúria e um nervosismo me invadiu causando um grande mal-estar , rapidamente me sentei em um degrau da escada para não cair. Ali estava meio escuro, somente a luz do refeitório que clareava um pouco.

Fui respirando... mas a sensação de pânico me deixava ofegante e me dominava, pensei em chamar ajuda, mas me senti sem forças. Fui entrando numa sintonia cada vez mais densa e obscura, como se minha mente acessasse uma dimensão de trevas.

Sombras me cercaram, risos prazerosos surgiram do além mostrando o quanto muitos seres se agradavam de me ver nessas condições.

O ar se tornou frio, e lentamente aquele ser-réptil foi se formando na minha frente, senti por um instante que eu realmente havia enlouquecido, estava alucinando! Por outro lado, parecia real demais, sua energia era muito familiar para mim, seus olhos eram humanos e isso me causava até um certo dó.

Não entendi ao certo se ele me causava essa confusão mental, ou se eu o atraía devido a confusão mental que eu já possuía, era algo simbiótico, ficava evidente a ligação entre os dois fatos. Aquela vibração vampiresca me tirava o resto da vontade que eu tinha de viver, nada tinha cor, tudo parecia apenas um cenário teatral que quem olhasse atrás dele veria que não há nada lá, nada era real.

Fechei meus olhos tentando voltar a minha atenção para mim mesma e me firmar na realidade.

Quando abri os olhos o ser animalesco estava mais próximo, me encarando com um ódio que eu não compreendia e fazendo com que meus esforços de me acalmar não tivessem efeito algum.

Ao sentir suas mãos geladas me tocando, meu coração acelerou ainda mais e minha respiração ficou totalmente entrecortada.

Tentei me afastar, nem piscava, ele colocou suas mãos em meu pescoço me sufocando, eu nunca havia sentido-o dessa forma, geralmente eram apenas visões.

— Corre Ísis, ele vai te atacar! — Você não está vendo? — Chegou Elohim gritando e tentando me salvar batendo no ser animalesco com uma vassoura.

— Calma, está tudo bem, está tudo bem! — falei tentando controlar a minha crise para ajudar na dele.

— Corre! Corre! — ele gritava insistentemente.

Eu não sabia o que fazer, sendo que ainda estava num processo muito forte, já estava meio catatônica.

Ao ver Elohim, o ser se voltou para ele, dizendo em seu dialeto incompreensível algo como: "Finalmente te encontrei! Que dia glorioso! Meus dois escravos!"

Aquela voz robótica metalizada era devastadora.

Elohim continuava tentando o atacar, mas a vassoura o ultrapassava, é claro. Só então pensei em evocar Una, que num instante surgiu e o atacou com um pulo certeiro, fazendo o cair e seu ódio aumentar. Nisso, como que num confuso flash, vi o ser sendo enjaulado pelo Xamã, as realidades se misturavam e não consegui acompanhar os fatos.

Enquanto eu olhava aquela asquerosa criatura em sua jaula, nem havia notado os enfermeiros correndo em nossa direção para controlar Elohim, eu só pensava:

"Ele viu! Não é algo da minha cabeça mesmo!"

— Não façam isso comigo! Eu só ajudei! Eu estava ajudando! — gritava desesperadamente Elohim, se debatendo com seus longos cabelos escuros, deixando-os todo bagunçado e lhe dando um ar de insanidade.

Eu queria ajudar, mas infelizmente a equipe médica não podia ver outras dimensões como nós, então, como eu poderia explicar algo em favor de Elohim? Qualquer coisa que eu falasse poderia ser usada contra mim.

Me senti tão culpada, em vê-lo, sofrendo por tentar me proteger!

Eu estava perdida em pensamentos quando uma estagiária nova se aproximou e perguntou se estava tudo bem comigo, eu disse que sim e que Elohim não havia me prejudicado, pedi para que o soltassem. Mas ela só tinha visto que ele estava gritando loucamente com uma vassoura nas mãos e indo para cima de mim!

— Não se preocupe com ele, Elohim vai ser tratado.

— Veja você... está tremendo... gelada... ofegante! — ela disse já me levando para a enfermaria.

Eu a acompanhei, mas não expliquei que eu já estava assim mesmo antes de Elohim aparecer, e não tive coragem de perguntar algo que não saía da minha cabeça:

Existe alucinação coletiva?

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