Fath dissonava do bando por ser humana. Durante a fuga o grupo se desdobrara para que seu transporte fosse feito, "nenhum malaki fica para trás" repetiam quando sua mãe insistia em ser deixada. Era considerada como uma deles.
Quando chegaram na ilha aquele lugar lhe parecia familiar. As flores, plantas e o clima conhecidos nos tempos que vivera como uma escrava no sul. Nunca viu sua mãe tão feliz com punhados de vegetais, e em pouco tempo ela já estava lhe ensinando a fazer um monte de coisas interessantes com eles. Mostrou como extrair de uma raiz amarelada um pigmento da mesma cor. O processo era simples, batia-se a estirpe seca em um pirão. A tinta vermelha foi mais difícil de produzir, usava a estigma rubras de algumas flores roxas. Era necessário procurá-las com mais cautela para que não a pisassem e estragassem sua extração.
Quando terminavam de produzir os pigmentos, os dois passavam horas pintando algumas pedras com a imagem da ave que representava a deusa que seu bando adorava, uma fênix. Seus desenhos pareciam mais felinos com garras, enquanto Fath fazia belas representações alaranjadas, muitas vezes dando ênfase de avermelhado nas penas das asas.
Apesar de não ser um bom desenhista, sua mãe sempre o elogiava, incentivando a melhorar. "Assim como sol renasce todos os dias, Dorah renasce em nós a cada coisa boa que fazemos..." dizia Fath quando terminava de limpar os potes de madeira que usavam para fazer sua arte. O gênio impaciente de sua mãe encontrava paz naqueles desenhos alaranjados. Mãe e filho se conectavam em poucos instantes de silêncio com os dedos cobertos de tinta e graça.
Hain lembrou-se disso pois o alaranjado das cores que produziam juntos, inundou a areia da praia, pintando-a com as cores do crepúsculo que ocorria às suas costas. Esteve chorando. Pequeno covarde. Com Zeki segurando sua asa esquerda, e uma faca noutra mão. A cada corte que o mutilado fazia, um pedaço de si ia embora, sendo depositado na areia em forma de retalhos de pena. Logo uma nova cor fazia parte daquele chão maldito. Era o marrom de suas penas, do membro que erguia orgulhoso e que a pouco estava cheio de umidade do banho que tomara com Soren. Aquele momento com seu pai poderia ser eterno. Onde estariam seus pais? Sua mãe jamais sairia do templo, por que na verdade, estava morta ou pior: lhe abandonara. O universo e a deusa não estavam nem aí para ele.
-Essa merda nascerá rápido, como praga. Nem sei por que está chorando. Se eu tivesse cortado esse seu cabelo não teria visto tanta lágrima. – dizia Zeki, levemente condoído de pena. Quando terminou, permaneceu ao lado do mutilado ainda repuxando pelo nariz o ranho de seu choro. Observava de vez em quando, as costas do mutilado, enquanto este permanecia atento ao movimento dos seus. Estavam de costas para o mar, e do lado esquerdo o barco atracado esperava, com a maior parte dos malaki já acomodados.
-O que tá olhando? - disse o mutilado quando o pegou observando suas costas – Nunca viu um malaki-humano? - Desviou o olhar. Sua boca não se abria para nada, assim causaria menos problemas. Viu Jahan se aproximando, o rosto desenhado das tatuagens não deixava transparecer sua preocupação, embora fosse perceptível na maneira que falava. Parou do lado esquerdo de Zeki, em oposição ao menino.
-Onde está Dubir?
-Eu não sei chefe. – disse Zeki sendo verdadeiro. Três malaki que não foram colocados no barco, incluindo Sólon, estavam estatelados no chão. Hain observou as expressões de seu amigo malaki, o sofrimento desenhado em cada parte do rosto claro e dos olhos castanhos que insistiram em segurar o choro. Se envergonhava dos dentes tortos de Sólon, e toda vez que lhe sorria Hain desviava o olhar. Que estivesse mostrando os dentes de alegria do que jogado à própria sorte sobre a areia da praia. – E esses aí? – Apontou para os alados do lado de fora.
-Ah! Presente para você e Dubir, se o filha da puta aparecer. Acho que algum malaki pegou ele e acabou não dando conta.
-Dubir é mais experiente do que se pensa, chefe. Acho que teve algum contratempo. Qualquer coisa eu posso procurá-lo.
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Os Mutilados
FantasyHain e sua tribo fugiram voando da perseguição que sofriam no Continente de Cima. Com suas asas admiradas como artigo de luxo, suas mãos desejadas para o trabalho escravo e seu sangue precioso para realização de rituais, os olhos dos adestradores, c...