capítulo 13

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O jingle do canal de notícias local ecoou quando Burton abriu a porta. A música estrepitosa soava
de forma dramática, transformando o caos do mundo em uma fantasia povoada de heróis e vilões em um
enredo coerente. Burton conhecia, pessoalmente, vários jornalistas – já tinha discutido tanto com eles que
quase haviam se tornado seus amigos. Não eram perfeitos, como quaisquer outras pessoas: juntavam as
peças que continham uma dose de verdade, com base no que liam em comunicados de imprensa e nas
redes sociais, quando não recorriam à própria política. E, como quaisquer outras pessoas, jogavam fora
com alegria as peças que não se encaixavam.
A porta da sala estava aberta, e Kate, deitada de costas no sofá, assistia a um documentário sobre um
casal de astros Geminianos de reality shows e o bebê de Libra que haviam adotado.
– Ela é um encanto – dizia uma mulher de longos cabelos lisos e negros, enquanto o namorado,
vestindo uma camisa branca desabotoada no peito, embalava a criança nos braços musculosos. – Vamos
criá-la em uma família Geminiana, é claro, mas faremos de tudo para que conviva com Librianos. Não
queremos impedi-la de manifestar suas verdadeiras tendências. Queremos que ela seja o que tiver de
ser.
– Essa menina vai passar maus bocados no parquinho – observou Burton, na soleira da porta.
– Oi! – disse Kate. – Venha cá.
Ele se aproximou do sofá e Kate o abraçou pelas pernas.
Burton a encarou.
– Está se sentindo bem?
– Não. Ninguém se sente bem com uma bola de boliche na barriga. Comprou o que eu pedi?
– Temos alguma coisa no congelador. Amanhã compro o resto.
Foi para a cozinha. A louça da noite anterior continuava empilhada na pia. Tirou do congelador um
velho pote de sorvete cheio de ensopado e colocou-o no micro-ondas. Fazia isso no fim de semana como
parte de um projeto para comerem alimento de verdade de vez em quando.
– Não se esqueça de que vamos visitar Hugo e Shelley na próxima semana – gritou Kate da sala. –
Temos de levar um presente para Ben. Ele vai fazer 2 aninhos.
– Não me esqueci – respondeu Burton, acompanhando o giro do pote no micro-ondas. Ensopado não
era nem de longe seu prato favorito. Não gostava de ficar separando a carne dos ossos. Uma das
primeiras coisas que tinha visto como policial fora um velho que havia morrido em seu apartamento
durante uma onda de calor. Os vizinhos só tinham descoberto o corpo três meses depois. Devido à
temperatura, o velho apodrecera de tal maneira, que praticamente derretera, fundindo-se com o carpete.
Quando haviam tentado levantá-lo, pedaços ficaram grudados no chão, como carne quando se separava
dos ossos. Era horrível que uma lembrança dessas pudesse contaminar algo sem nenhuma relação com
ela.
Quando colocava os pratos na lavadora, ouviu um soluço.
– Kate?
Voltou à sala e parou à porta. Ela estava de costas para ele, no sofá, mas os ombros se sacudiam
visivelmente.
– Ei – disse Burton. – O que foi?
Aproximou-se, mas ela virou a cabeça para o outro lado. Burton se ajoelhou junto ao sofá.
– O que aconteceu?
– Por que estamos trazendo uma vida para este mundo? O que deu na nossa cabeça?
– Ora, pare com isso – disse ele, passando a mão por seus cabelos a fim de tranquilizá-la.
Na tela, viam-se pessoas atirando coquetéis molotov. Cenas filmadas do alto mostravam uma multidão
Ariana enfrentando a polícia em algum lugar do Meio-Oeste. Burton pegou o controle remoto e baixou o
volume.
– Calma – falou ele. – Está tudo bem. Vai dar tudo certo para a nossa filha. Afinal, terá uma mãe
maravilhosa, não é?
Kate olhou-o e sorriu entre as lágrimas que escorriam pelas faces.
– Você tem lábia, Jerry Burton.
Kate enlaçou-o pelo pescoço, aconchegando-o a si. Burton tentou abraçá-la, mas não havia como fazer
isso, então contentou-se em acariciar seu braço.
– Vai dar tudo certo – insistiu.
Kate deu um profundo suspiro e desvencilhou-se dele.
– Hormônios – disse ela. – Urgh!
– Quer tomar um banho? Vou pôr sua toalha e seu pijama na secadora. Ficarão quentinhos.
– Está bem – concordou Kate.
Beijou a testa dele e levantou-se.
– Ufa! Pareço uma vaca leiteira. E isso não é nada maravilhoso.
Já de pé, foi para o banheiro e fechou a porta atrás de si. Burton ouviu o ruído da água passando pelos
canos e enchendo a banheira.
Entrou no quarto e vasculhou tudo até achar a toalha e o pijama de algodão azul de Kate. Levou-os
para a cozinha e jogou-os na secadora, em cima da lavadora.
Enquanto esquentavam, voltou para a sala e sentou-se no sofá. O título da reportagem era: “San
Celeste: uma cidade em perigo”. Solomon Mahout sacudia o punho diante de uma multidão de homens
furiosos trajando camisas vermelhas. Burton aumentou de novo o volume.
– ... nos chamam de violentos. Como poderíamos não ser, se essa é a única maneira de nos ouvirem?
Como poderíamos não ser, se violência é o que encontramos todos os dias? Paz é silêncio, e não
podemos mais permanecer em silêncio. Temos de ser ouvidos!
Burton desligou a TV.

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