capitulo 6

5 1 0
                                    

Lindi fazia café em sua pequena cozinha quando a campainha do apartamento tocou. Foi atender,
apertando o cinto do roupão. No corredor estava um homem de aparência séria, alto, bem barbeado e de
cabelo loiro e curto. Vestia terno, mas sem gravata.
– Bom dia. Lindiwe Childs?
– Lindi, por favor. E o senhor é...?
– Detetive Burton.
– Ah, sim! Como vai?
Lindi apertou a mão do homem, tendo de largar o cinto. Ficou com receio de o roupão se abrir. Não
estava nua sob ele, vestia short e um top branco que comprara em uma loja na Espanha; era mais uma
questão de vulnerabilidade.
– Vim na hora certa? – perguntou Burton. – Você disse depois das dez.
“Disse mesmo, não foi?”, pensou Lindi. “Que droga!”
– Sim, não há problema – garantiu ela, afastando-se para lhe dar passagem.
Ainda se sentia meio zonza por causa da noite anterior. Megan, sua única amiga em San Celeste,
levara-a para conhecer gente nova e mostrar-lhe o cenário gay. Conhecera duas garotas interessantes,
mas, de modo geral, havia achado a cidade mais preconceituosa que a maioria das outras onde estivera.
Mesmo na Cidade do Cabo a sexualidade já rompera as barreiras de raça, religião e signo; mas nas
boates aonde Megan a tinha levado em San Celeste vira apenas signos de profissões criativas – Aquário,
Sagitário e Gêmeos –, que tendiam a formar rodinhas à parte. Lindi pedira a Megan que a levasse a um
lugar um pouco diferente, e as duas haviam acabado em um bar Leonino barra-pesada. Após um jogo de
sinuca, os frequentadores começaram a zombar das tatuagens descoladas de Megan, e Lindi concordou
em ir embora. Em meio a tudo isso, esquecera-se do policial.
– Espero não tê-la acordado – desculpou-se ele.
– Não, não – disse Lindi, apontando para o roupão. – Desculpe-me por estar vestida assim. É o que
uso quando estou escrevendo. Perco a noção do tempo.
O apartamento não estava pronto para visitas. Havia pilhas de livros de pesquisa e folhas avulsas pela
sala, montes de louça na pia da cozinha e um cobertor amarfanhado no sofá – um vestígio das noitadas da
semana anterior na frente da televisão. Tinha se mudado havia pouco e só tivera tempo de acomodar nas
estantes alguns livros e coleções de brinquedos. Na escrivaninha, perto do notebook, via-se um
astrolábio de plástico e um baralho de cartas chamado Tarô Emoji. Os únicos quadros que conseguira pôr
na parede eram de personagens de desenhos fazendo coisas feias ou impróprias, como pedir esmolas na
rua ou furar fila em uma repartição pública. Lindi gostava deles porque a faziam se recordar de artistas
grafiteiros de Barcelona. Burton provavelmente pensaria que eram coisa de criança. Ela tirou uma pilha
de papéis de uma cadeira para ele se sentar.
– Café? – perguntou. – Acabei de fazer.
– Não, obrigado.
– Está bem. Não demoro.
Foi para a cozinha e encheu uma xícara, misturando leite e duas colheres de açúcar ao café. Ao voltar
à sala, deu com Burton examinando os bonecos japoneses de plástico que havia colecionado em sua
época de vinte e poucos anos. Conforme esperava, sua expressão era irônica.
– E então, detetive? – perguntou a astróloga, sentando-se no sofá. – Do que se trata?
Burton se acomodou na cadeira de madeira e pousou a mão nos joelhos. Parecia um tímido Taurino.
Concentrado... e reprimido. Lindi não se surpreenderia se seu ascendente fosse Virgem.
– Estou chefiando uma investigação de assassinato – começou Burton – com um viés astrológico.
Disseram-me que você era a pessoa indicada para colaborar no caso, mas que não o faria se não nos
encontrássemos pessoalmente. Posso perguntar o motivo?
– Sim, claro – respondeu Lindi. – Desculpe, mas eu queria saber se éramos compatíveis. Qual a data e
a hora do seu nascimento?
Burton lhe disse. Ela virou para si o notebook que estava sobre a escrivaninha e abriu seu principal
aplicativo de Astrologia.
– E o que devo fazer? – perguntou.
– Ajudar na investigação – explicou Burton. – Vai ganhar um bom dinheiro pela consultoria. Já
sabemos praticamente quem é o culpado, mas precisamos que você nos forneça evidências astrológicas e
testemunhe no tribunal, quando chegar a hora.
Lindi digitou esses dados e carregou as próprias informações para comparar os mapas astrológicos.
Examinou o quadro resultante, percorrendo uma por uma as áreas importantes. Não parecia nada bom.
Havia inúmeros aspectos negativos e planetas em conflito. Fechou o notebook e balançou a cabeça.
– Sinto muito – murmurou. – No momento, não posso. Tenho de terminar este manual. A Agência do
Aeroporto precisa de um método para detectar terroristas entre os viajantes.
Pegou a página do sumário no alto de uma pilha de material impresso e mostrou-lhe.
1. Introdução
2. Indicadores de violência
1. Sol ou ascendente em Áries
2. Posição de Marte no mapa de nascimento
3. Aspectos negativos com Júpiter
3. Saturno como indício positivo ou negativo
4. Casas
1. Morte: a Oitava Casa
2. Segredos ocultos: a Décima Segunda Casa
5. Previsão horária de eventos violentos
– Muito complicado – disse ela. – Querem que eu transforme interpretações astrológicas complexas
em uma lista de verificação que um computador possa seguir, e isso é ridículo. São muitas as variáveis.
A certa altura, um humano terá de intervir e analisar a situação.
– Então está ocupada demais? – perguntou Burton, tentando claramente disfarçar a irritação.
– Até o próximo mês mais ou menos. Sinto muito. Vou estar livre de novo no começo de junho.
– Ok – respondeu Burton. – Desculpe ter tomado seu tempo.
– Espere, preciso saber mesmo assim: qual é o caso? – perguntou ela, levantando-se.
Burton franziu o cenho.
– Não posso lhe contar nada além do comunicado oficial.
– E o que diz o comunicado?
– O chefe de polícia foi morto no próprio quintal.
– Então o caso é esse? O chefe Williams?
Lindi soubera do assassinato, porém não pensara muito nele. Era apenas um dos diversos
acontecimentos que mantinham as pessoas ligadas à mídia.
Examinou Burton de novo da cabeça aos pés. Seu mapa não era nada auspicioso, mas...
– Está bem – disse Lindi por fim. – Mas quero fazer isso da maneira adequada. Preciso ver os arquivos do caso.
– Sob as restrições de praxe a informações privilegiadas e confidencialidade – advertiu Burton.
– Certo.
– Então estamos combinados?
Lindi mordeu o lábio inferior. Droga. Tinha prometido um rascunho do manual em vinte dias. Mas, em
se tratando do assassinato do chefe de polícia... Não, a Agência do Aeroporto não colocaria obstáculos.
E ainda havia a garota desaparecida, que estavam procurando. Lindi era boa para achar gente
desaparecida. E, embora tentasse evitar escolher trabalhos com base em prestígio, devia admitir que
aquele era dos grandes.
– Sim.
Abriu de novo o notebook e criou um novo mapa com uma representação abstrata do céu. Era um
círculo raiado com glifos em volta, simbolizando planetas e constelações, conectados por linhas de um
modo que pareceria casual e confuso aos leigos. Para Lindi, entretanto, tinha um significado profundo e
belo.
– Conte-me o que sabe – pediu ela.

o Assassino dos Zodíaco Onde histórias criam vida. Descubra agora