Capítulo vinte e nove - Adivinhe quem vem para o jantar?

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Com um notebook em mãos, um olhar obstinado e acomodada em uma das inúmeras cadeiras sofisticadas do Diamond tea salon, Scarlett se empenhava na busca pelo paradeiro de Astrid.

O cenário tranquilo e suntuoso que dias antes fora palco das atitudes cruéis e manipuladoras da nephilim, agora era usado por Scarlett e Joe, enquanto ela utilizava suas habilidades com computadores para um bem maior; todo o recinto era calmo e rico em detalhes, mas a cada olhada que lançava ao redor a menina se lembrava de que o local escondia o sangue alheio entre seus carpetes e estofados caríssimos. Ela tentava evitar a todo custo que os flashes dolorosos daquele fatídico episódio voltassem a sua mente; o sangue alheio, o ardor em suas veias, Astrid sorrindo sombriamente, Nicholas furioso, a verdade sobre si mesma e logo em seguida, a escuridão, mas o fato era que essas memórias não poderiam simplesmente sumir de sua mente, por isso ela entretinha-se teclando rapidamente e não tirando os olhos da tela do notebook, enquanto trabalhava em seus algoritmos complexos.

A garota conseguia ouvir, ao fundo, os dedos nervosos do nephilim tamborilando na mesa a medida em que seus olhos analisavam a concentração da irmã com extrema curiosidade.

Joe não estava gostando daquele silêncio, e principalmente, não estava gostando de não ser útil na busca que a irmã fazia; nesse momento o nephilim ansiava que pudesse ter os mesmos dons que ela para a computação, mas a vida havia lhe dado apenas a sua facilidade com esportes, no que ele poderia dizer humildemente, que era muito bom.

— Você poderia me ensinar. — ele divagou, quebrando o silêncio.

Os dois jovens recebiam alguns olhares tortos, mesmo que se mantivessem afastado dos demais. A julgar pelo olhar enojado da clientela esnobe, eles não costumavam receber adolescentes em vestes tão informais, e um tanto góticas e puídas.

Scarlett deixou-se exibir um mínimo sorriso ao irmão, alheia aos olhares desaprovadores lançados na direção deles; ela não se importava com mais nada que não fosse salvar seus amigos.

— Você quer dizer programação e algoritmos? — seu tom era brincalhão quando ela deixou de teclar incessantemente para levantar seus olhos irisdecentes na direção do nephilim.

Joe apenas deu de ombros e tomou mais um gole do seu chá de ervas. Scarlett fez uma careta; ela odiava chá e não entendia como as pessoas gostavam de tal bebida quando o café, tão mais forte e aromático era bem mais eficaz, principalmente para ela e sua ansiedade arrebatadora.

— É só que você parece ser boa em tudo...— ele suspirou — Eu não estou ficando louco quando digo isso, mas às vezes eu queria ser você.

Imediatamente, a garota endureceu seu olhar e seu corpo.

Não.

As palavras simples do irmão trouxeram a sua mente aquele pesadelo tão lúcido que o demônio do medo lhe proporcionara. No fundo Scarlett sabia que todo o acontecimento era muito mais do que uma manipulação demoníaca criada para atormenta-lá e ouvir seu irmão dizer que queria ser como ela, implicaria que ele passasse por tudo aquilo um dia. E não, pelo menos enquanto residisse naquela terra maldita sob seus pés, Scarlett jamais permitiria que qualquer um que não fosse ela tivesse tamanha responsabilidade catastrófica sobre seus ombros.

Nunca mais diga algo como isso, Joe. Eu não desejo minha vida nem para os meus inimigos, quem dirá ao meu irmão. — o sorriso se fora rapidamente e ela não demorou a voltar seus olhos para a tela brilhante.

Joe apenas suspirou e terminou de beber seu chá em silêncio. Por alguns instantes o garoto deixou sua mente viajar de volta a sua infância, ao olhar um casal sorridente com duas crianças espoletas em uma mesa não muito longe; eles exalavam felicidade e cumplicidade, algo que uma vez fora possível em sua família mas agora parecia um sonho tão distante.  O menino se perguntou como estariam hoje, se o incidente com Phillip nunca tivesse acontecido. Um sorriso triste cresceu em seu rosto tão jovem, mas Scarlett não pareceu notar. Joe esperava, fielmente, que quando tudo tivesse terminado, eles pudessem conviver em família novamente.

Criaturas Celestiais - A Ascensão [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora