CAPÍTULO 03

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        Dias depois, Marília estava atarefada, ajudando Dorita a fazer pão de queijo. Haviam recebido uma encomenda grande de uma freguesia do salão de beleza, para a festa de aniversário de seu filho que completaria dez anos e adorava pão de queijo.
        O telefone tocou e Marília atendeu:
        - É o delegado Monteiro. Preciso que você venha hoje à delegacia.
        - O senhor descobriu o assassino do meu marido?
        - Estamos investigando. A senhora deve estar aqui às duas horas.
        Marília pensou um pouco, depois respondeu:
        - Está bem.
        Depois que desligou o telefone ficou pensativa. O que o delegado queria com ela? Se não encontrou o assassino, talvez tivesse descoberto alguma pista. Olhou o relógio, eram onze horas. Teria tempo para ajudar Dorita mais um pouco. Voltou à cozinha.
        - Dorita, o delegado quer que eu vá à delegacia hoje, às duas horas.
        - Logo hoje que temos esta encomenda... Não dá para transferir para amanhã?
        - Não. Ele estava com uma voz firme, notei que tem pressa. Ainda temos tempo. Só vou sair às uma e meia. Vou explicar-lhe nossa situação e pedir-lhe que me libere logo.
        Às duas horas da tarde, Marília entrou na delegacia e foi imediatamente conduzida à sala do Dr. Monteiro. Depois dos cumprimentos, ele fê-la sentar em frente a sua mesa.
        - O que deseja de mim? - indagou ela.
        Monteiro fixou-a sério, estudando as reações do rosto dela, disse:
        - Descobrimos que é a mulher que estava com o seu marido. Trata-se de Teresa Borges de Azevedo, esposa de um empresário muito rico. Ela morava com a família no Rio de Janeiro. A senhora a conhecia?
        Marília meneou a cabeça negativamente.
        - Nunca ouvi falar nela.
        - Tem certeza?
        - Tenho. Como já lhe disse meu marido nunca falava de suas amizades.
        - Procure lembrar-se. Ela tinha sessenta anos, mais de trinta de casamento, dois filhos moços.
        - É estranho que essa senhora tenha deixado a família para morrer aqui, ao lado do meu marido. Não entendo. Apesar de tê-los visto juntos na cama, custo a crer que ele estivesse procurando uma mulher tão mais velha para relacionar-se.
        - Esse fato é estranho mesmo, além do que o marido acreditava que ela estivesse descansando na Europa. Ficou chocado. Veio imediatamente para São Paulo, reconheceu o corpo hoje pela manhã. Eu tinha esperança de que a senhora pudesse me dizer alguma coisa a mais.
        - Doutor, eu já lhe disse tudo o que sabia. Meu marido era um homem cheio de mistérios.
        - Vou interrogar novamente os pais dele. Talvez conheçam a mulher.
        - Não creio. Otávio não se abria com os pais. Eles não se relacionava muito bem.
        - Mesmo assim, vou tentar.
        - O que  mais o senhor deseja de mim? Como sabe. Fiquei sem dinheiro, então, eu e Dorita estamos fazendo quitutes para vender. É como pensamos sobreviver, uma vez que nunca trabalhei e não tenho experiência para conseguir emprego. Hoje estamos com uma encomenda grande e eu gostaria de voltar logo para casa.
        - Não posso liberá-la ainda. O marido de Teresa vai chegar dentro de meia hora, desejo conversar com vocês dois juntos.
        - Não sei como isso poderá ajudar-lo nas investigações. Eu se quer o conheço!
        - Precisa colaborar com as investigações. Lembre-se de que enquanto não encontrarmos o assassino, a senhora continua sendo suspeita de haver cometido esse crime.
        Marília suspirou triste e respondeu:
        - Está bem, doutor. Tenho todo o interesse de colaborar.
        Alguns minutos depois um policial entrou e disse que o marido de Teresa havia chegado.
        - Mande-o entrar - ordenou o delegado.
        Um homem alto, forte, cabelos castanhos, um pouco grisalhos, bem vestido entrou.
        Tinha o rosto moreno e olhos penetrantes que se fixaram curiosos em Marília.
        Depois de cumprimentá-lo, Monteiro disse:
        - Está é D. Marília, viúva de Otávio de Oliveira, morto com sua esposa.
        Ele estendeu a mão que Marília apertou e disse:
        - Alberto de Azevedo.
        - Marília Marques de Oliveira.
        - Sente-se, Sr. Azevedo e diga-me: conhecia Otávio de Oliveira?
        - Não senhor.
        - Nem sua esposa?
        Ele mentiu a cabeça negativamente, parecia emocionado e nervoso.
        - Não. Não consigo entender o que está acontecendo. Custo a crer Teresa tenha tido uma relação íntima com aquele senhor. Estávamos casados há mais de trinta anos e minha mulher sempre foi muito correta.
        - Mas é verdade. Ela foi encontrada na cama com Otávio, seminua. Não dá para negar este fato.
        - Mesmo assim, custo a crer. Nós  temos dois filhos moços. Osmar de trinta e dois anos e Vitório de vinte e nove. Ela sempre foi muito dedicada à família. Eu vim para cá sem acreditar que o corpo da mulher assassinada fosse dela. Liguei para a Itália onde ela deveria estar, mas me disseram que Teresa nunca estivera lá. Isso me assustou. Mas mesmo assim, duvidei. Tanto que até agora não contei nada aos meus filhos. Nem sei como dar-lhes essa notícia.
        - Ela viajou para a Europa sozinha?
        - Com uma amiga. Nós últimos tempos, Teresa andava deprimida, os médicos aconselharam que ela saísse da rotina, fizesse uma viagem, fosse fazer compras, as mulheres gostam dessas coisas... Eu não pude acompanhá-la. Tenho negócios importantes em andamento e naquele momento não dava para viajar. Então ela encontrou uma amiga dos tempos de faculdade que estava viúva e concordou em ir com ela.
        - O senhor conhecia bem essa amiga?
        - Não. Teresa me apresentou pouco antes de viajarem. Chama-se Elvira.
        - É só isso que sabe sobre ela?
        - Sim. Como eu lhe disse elas foram colegas de faculdade. Teresa fazia  filosofia e Elvira, letras.
        - Precisamos encontrar essa mulher. Ela deve saber o que pode ter acontecido. É provável que essa viagem nunca tenha se realizado.
        - O que me diz é um absurdo. Teresa não ia me enganar desse jeito.
        - Nós temos fatos, não suposições. Se quisermos descobrir o assassino, precisamos investigar todas as hipóteses.
        Alberto tirou um lenço do bolso e enxugou o suor do rosto. Estava visivelmente nervoso e abatido.
        Marília, que esperava ser esclarecida por ele, não se conteve:
        - Não consigo entender. Essa senhora era muito mais velha do que Otávio. Se não tivesse visto os dois juntos naquela cama, seria difícil acreditar.
        Alberto fitou-a sério e indagou:
        - A senhora conhecia minha esposa?
        - Não. Nunca a vi antes. Não sabia sequer seu nome.
        Alberto virou-se para o delegado:
        - Está vendo doutor? Este caso está muito estranho. Eu poderia jurar que minha esposa nunca foi amante desse homem.
        O delegado passou a mão pela testa. De fato, apesar das aparências, era mais mistérios do que parecera à primeira vista.
       Marília remexeu-se na cadeira inquieta:
        - O senhor conseguiu alguma pista sobre a carta anônima?
        - Por enquanto apenas suas impressões digitais, o que deixa apenas duas hipóteses: ou a senhora forjou aquela carta ou a pessoa teria usado luvas.
        - Como eu lhe disse, há duas hipóteses e a senhora continua como suspeita.
        Marília levantou-se indignada:
        - O senhor acha que eu, uma mulher franzina, poderia ter lutado à faça com os dois e tê-los vencido? Sempre agüentei a violência de Otávio porque ele era mais forte e eu não tinha nenhuma chance.
        - Por favor, sente-se D. Marília. Ainda não tenho provas definitivas.
        - Para mim, quem matou os dois foi à pessoa que escreveu aquela carta e desejou incriminar-me.
        Ela sentou-se novamente e Monteiro perguntou para Alberto:
        - O senhor sabe pelo menos o endereço da amiga de sua mulher?
        - Não. Teresa me disse que ela morava no Flamengo. Não me deu endereço.
        - Não desconfiou de nada? Sua esposa vai viajar com uma desconhecida e o senhor não anotou sequer o endereço? E se fosse uma pessoa suspeita?
        - Minha esposa nunca se relacionou com pessoas suspeitas. Eu não tinha porque desconfiar de Elvira. Teresa era muito cuidadosa ao escolher suas amizades.
        Monteiro suspirou desanimado. Apesar de eles continuarem investigando meticulosamente, ainda não tinha encontrado nenhuma pista. Na tentativa de encontrar alguma coisa a mais ele determinou:
        - Quero os dados de seus filhos.
        - Para quê? Eles não sabem de nada.
        - Vou intimá-los. Preciso do depoimento deles.
        - Faça isso o quanto antes. Os jornais de amanhã certamente vão noticiar o nome e a foto de sua mulher e eles saberão de qualquer jeito. Não dá para ignorar um crime!
        Alberto passou a mão pelos cabelos , aflito. Depois disse nervoso:
        - É... não vou poder evitar.
        O senhor deseja mais alguma coisa de mim? - perguntou Marília.
        - Por que pergunta?
        - Tenho muito trabalho ainda para fazer hoje.
        - Pode ir, mas não saia da cidade. Posso precisar da sua presença.
        Marília levantou-se apressada. O ambiente da delegacia a deprimia, a presença do viúvo de Teresa também.
       Durante o trajeto de volta para casa, Marília tudo conseguia esquecer as palavras de Alberto. Que Teresa havia sido amante de Otávio era evidente, mas desde quando isso acontecia? Alberto dissera a verdade? Se ele fosse o assassino e autor da carta anônima iria negar que suspeitava de sua mulher. Deveria sentir-se muito confortável ouvindo o delegado dizer claramente que ela, Marília, era suspeita. A carta tivera essa finalidade.
        Esse pensamento deixava-a nervosa. Teria sido melhor que ela tivesse ignorado a carta, porém a curiosidade foi mais forte.
        Ao chegar a casa, Marília encontrou Dorita atarefada com a encomenda, lavou as mãos e tratou de ajudá-la. Quando ela perguntou o que o delegado queria, Marília disse apenas:
        - Depois que terminarmos contarei tudo detalhadamente. Agora quero esquecer esse assunto.
        As duas entregaram-se ao trabalho com vontade.
        Depois de dar ao delegado o nome completo e o endereço de seus filhos , Alberto deixou a delegacia. Sua cabeça doía, estava nervoso e aflito. Parou em uma farmácia comprou alguns comprimidos, tomou logo dois. Se ao menos a dor de cabeça melhorasse, talvez ele encontrasse as palavras que pudesse atenuar um pouco a realidade para dar a notícia aos filhos.
        Mas era inútil. A verdade era trágica e ele não conseguia raciocinar claramente. Parecia  estar vivendo um pesadelo e dali a pouco iria acordar e verificar que nada havia acontecido.
        Chegou ao hotel e o atordoamento continuava. Sentou-se no quarto, tentando tomar coragem. Para qual dos dois ligaria? Pensou em falar primeiro com Osmar. Ele era mais equilibrado do que o Vitório.
       Respirou fundo, tomou coragem, ligou para sua empresa e pediu para chamar o filho. Seu coração batia descompassado e sua voz estava um tanto apagada quando ele atendeu:
        - Pai? O que aconteceu? Você está doente? Sua voz está diferente.
        - As notícias não são boas e estou me esforçando para contar a você.
        - O que você foi fazer em São Paulo? Porque saiu sem nos avisar?
        - Fui intimado pela polícia para vir reconhecer o corpo de uma mulher que foi assassinada em circunstâncias misteriosas. Eles suspeitavam que fosse de sua mãe.
        - Que loucura é essa? Mamãe não está de férias na Europa?
        - É o que todos nós pensávamos. Mas quando cheguei aqui, tive a maior surpresa...
        A voz dele morreu na garganta e Osmar falou assustado:
        - Pai, fale logo, estou assustado. Você a reconheceu?
        - Infelizmente. O corpo era de sua mãe.
        Osmar ficou silencioso por alguns segundos. Depois disse:
        - Você deve ter se confundido. Talvez seja apenas parecida.
        - Não, meu filho. É ela. Eu reconheci o corpo.
        - Custo a crer!
        - Mas é verdade. A polícia pretende intimar você e seu irmão. Prepare-se para vir a São Paulo.
        - Mas pai, a empresa não pode ficar abandonada. Você sabe que ninguém tem competência para ficar em meu lugar.
        - Não tem como evitar. E você terá de dar a notícia a Vitório, eu não tenho coragem. Sabe como ele era agarrado a ela.
        - Ele vai dar trabalho. Não tenho paciência. É melhor você mesmo falar com ele.
        - Nada disso. Faça-me esse favor. Fale com ele e trate de recomendar ao Inácio que cuide de tudo na empresa durante sua ausência. Vocês fazem o depoimento e vão embora.
        - Em vez de procurar o assassino, esse delegado está perdendo tempo querendo nos interrogar. Nós não sabemos de nada.
        - Foi o que eu disse a ele. Mas não consegui nada. Vocês terão de vir. Mas  penso que poderão ir logo embora. Quando a mim, terei de ficar pelo menos até que liberem o corpo. Então, o levarei ao Rio para sepultá-lo.
        - Isso não parece verdade.
        - Mas é. Infelizmente. Estou com muita dor de cabeça, tomei comprimido e desejo me deitar para ver se passa. Não se esqueça de falar com Vitório.
        Osmar suspirou resignado. Ele não suportava o modo de ser do irmão. Muitas vezes recriminara a mãe, responsabilizando-a pelo excesso de sensibilidade de Vitório. Desde pequeno ela fazia diferença os dois. Com ele era mais dura, direta, exigente; com Vitório tolerava suas crises nervosas, dizendo que ele era muito sensível e precisava apoiá-lo.
        Osmar muitas vezes reclamara para o pai, dizendo que o irmão precisava de mais disciplina. Acreditava que ele estava fingindo e que se lhe dessem uma boa surra sua sensibilidade acabaria.
        Mas como a mãe era irredutível e seu pai fazia-lhe todas as vontades, ele não conseguia o que desejava. Há muito tempo os dois não mantinham um bom relacionamento. Eles conversavam apenas o indispensável.
        Teresa sentia-se triste. Gostaria que tudo fosse diferente, mas se conformara, percebendo que ambos eram muito diferentes e que o fato de não estreitarem a amizade evitava que os desentendimentos se repetissem como quando eram adolescentes.
        Osmar desligou o telefone e resolveu ir embora. Estava escurecendo quando chegou a casa. Deixou o carro na entrada para que o caseiro o guardasse.
        Era uma casa imensa, rodeada de árvores e um jardim  muito bem cuidado que a cercava por todos os lados.
        Indiferente à beleza do lugar, Osmar entrou e rapidamente subiu até o quarto do irmão. Ao chegar diante da porta, leu o aviso pendurado na maçaneta: "Estou ocupado. Não bata, não entre". Irritado, ele arrancou o aviso e girou a maçaneta. A porta estava trancada por dentro. Bateu várias vezes, com força, o que fez com que a governanta aparecesse e dissesse:
        - Você não leu o aviso?
        Osmar fulminou-a com o olhar e não respondeu.
        - O que deu em você? - continuou ela, aproximando-se. - Seu irmão está fazendo meditação e não pode ser interrompido.
        Apesar de irritado, Osmar não se atrevia a reagir. Ela fora criada de sua mãe desde o tempo de solteira, ajudara a criá-los com bondade e firmeza, mas com Vitório, ela também era tolerante, protegendo-o sempre quando ele queria brigar com o irmão.
        - Aconteceu uma tragédia horrível. Não posso esperar o Vitório querer me atender.
        - O que foi? - a indagou, olhando-o  preocupada.
        - Papai ligou contando uma história que custo a acreditar. Você sabia o que ele foi fazer em São Paulo?
        - Sabia.
        - Ele disse que o corpo da mulher assassinada era o de minha mãe.
        Dinda segurou-se na maçaneta da porta para não cair. Seu rosto estava pálido quando ela disse:
        - Era ela mesma?
        - Era. Papai não quis nem falar com Vitório. Estava chocado e passando mal. O delegado vai nos intimar e preciso falar com ele já.
        A maçaneta rolou e Dinda apoiou-se na parede. Suas pernas tremiam. Vitório apareceu na fresta da porta.
        - Por que você se fecha desse jeito? Aconteceu uma desgraça e nós vamos ter de ir a São Paulo.
        Vitório estava pálido. Olhou o rosto de Dinda e abraçou-a com força.
        - Dinda, diga que é mentira o que estou pensando!
        Ela chorava em seus braços e não conseguiu falar. Osmar olhou-os com raiva e atirou as palavras sobre eles:
        - Mamãe está morta. Foi assassinada em São Paulo. O delegado vai nos intimar. É bom parar com isso. Chorar não vai trazer mamãe de volta. Seja homem ao menos uma vez na vida.
        Ele afastou-se irritado, enquanto Dinda e Vitório, abraçados, continuava soluçando. Depois, entraram no quarto e fecharam à porta. Quando conseguiu falar, Vitório disse:
        - Então era isso! Eu implorei para que ela não fizesse aquela viagem. Eu sabia que se ela fosse alguma coisa terrível aconteceria. Mas ela estava determinada. Desta vez não quis me ouvir!
        - Estava marcado para acontecer. Você sentiu.
        - Não me conformo. Por que ela não me ouviu?
        Dinda abraçou-o, tentando controlar-se. Precisava dar força a ele. Ficaram assim, abraçados, sentindo uma imensa dor no coração.
       

    
       
       

Onde está Teresa?Onde histórias criam vida. Descubra agora