CAPÍTULO 12

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        Marília acordou cedo e animada. Apesar da tragédia que presenciara, esforçava-se para não pensar mais em Otávio.
        Sentia-se livre, bem-disposta, alegre. Pela primeira vez, depois de muitos anos, sentia-se dona de si, confiante no futuro. O fato de perceber que poderia ganhar o suficiente para manter a casa com os quitutes que ela e Dorita faziam,  deram-lhe a certeza de que dali para frente tudo em sua vida correria bem.
        De fato, a freguesia tinha aumentado e elas estavam até pensando em contratar uma auxiliar para cuidar dos afazeres domésticos, porquanto ambas ficava o dia inteiro trabalhando na cozinha, sem tempo para mais nada.
        Pensando nisso ela foi ao quarto de Altair acordá-lo para o colégio.
        Aproximou-se dele:
        - Acorde, meu filho. Está quase na hora de ir para a escola.
        O menino remexeu-se na cama resmungando:
        - Não quero ir. Estou cansado.
        Marília colocou a mão na testa dele e notou que estava com febre. Preocupada tornou:
        - Você está doente. O que está sentindo?
        - A garganta está doendo e estou com frio.    
        - Não precisa se levantar. Vou buscar um remédio para baixar sua febre e ligar para o Dr. Davi.
        - Não quero tomar injeção!
        - Ninguém ainda falou em injeção. Só vai tomar se for preciso.
        Ela deixou o quarto e voltou pouco depois com um cálice e o remédio.
        - Sente-se, Altair, tome o remédio.
        - Não gosto de remédio. Vai doer minha garganta.
        - Você precisa agüentar. Ele pode evitar uma injeção. Beba que eu trouxe um 'tira-gosto'.
        Resmungando, o menino sentou-se, segurou o cálice em uma mão e o gomo de laranja na outra. Engoliu o remédio, fez uma careta e chupou o 'tira-gosto'.
        - Agora se deite e descanse. Daqui a pouco volto para saber como se sente. Quer tomar seu café com leite?
        - Daqui a pouco eu tomo o café com leite.
        - Assim está melhor. Estou certa de que logo vai mandar embora essa dor de garganta. Você é um menino Valente e muito forte.
        Os olhos de Altair brilharam quando respondeu:
         - Sou mesmo, mãe. Vou ficar bom. Eu quero sarar logo porque está doendo e estou com frio. Mas gostaria de continuar doente só um pouquinho para não ir à escola amanhã também.
        Marília sentou-se na beira da cama segurou a mão do menino e disse:
        - Por que isso? Você sempre gostou de ir à escola. Aconteceu alguma coisa que você prefere não ir?
        - Não, mãe. Eu gosto de escola. Mas eu queria ficar mais tempo em casa com você.
         Marília alisou a cabeça do filho com carinho, deu-lhe um beijo na testa e respondeu:
        - Eu também gostaria de ficar o dia inteiro com você. Mas agora estamos sós nós três e se eu não trabalhar não vamos ter dinheiro para manter a casa.
        - Antes, quando eu chegava da escola você ficava comigo, contava histórias, brincava. Agora está sempre ocupada.
        Marília pensou um pouco, depois disse:
       - Eu tenho uma forma de resolver isso. Seu pai não está mais aqui e você é o homem da casa, portanto, pode ficar sócio da nossa empresa e trabalhar quando chegar da escola. Vai ser muito divertido e, além disso, vai começar a ganhar dinheiro porque é claro, quem trabalha merece ser recompensado.
        O menino que havia se deitado, sentou-se de novo:
        - Puxa, mãe, vai ser demais! Nenhum amigo meu trabalha e ganha dinheiro. Posso começar agora?
        - Sua garganta está doendo e você está cansado.
        - Só dói um pouquinho quando eu engulo.
        - Vamos fazer assim: depois que sua febre passar você começa. Está bem?
        - Está. Não vejo a hora que essa febre passe.
        Marília sorriu e respondeu:
        - Vejo que você vai ser um menino trabalhador. Mas para isso terá de estar bem e não deixar de fazer as lições de casa. Nós estamos abrindo uma empresa e você será nosso sócio. Um empresário tem de ser instruído, saber fazer contas, ler e escrever muito bem.
        - Eu ainda não sei fazer muitas contas, mas ler e escrever eu já sei.
        - Você tem de ir à escola para aprender tudo o que precisa para ser um bom trabalhador.
        - Eu vou estudar muito e logo saberei até conta de dividir. Meu amigo que está no terceiro ano já sabe fazer essas contas.
        - Não tenha pressa. Você é mais novo do que ele, mas estou certa de que quando chegar ao terceiro ano, vai fazer tudo o que ele faz. Agora se deite e descanse. Se precisar de alguma coisa, chame. Daqui a pouco trarei seu café.
        Marília desceu e foi à cozinha. Dorita já havia preparado o café e disposto tudo quanto deveria fazer naquele dia.
        Elas estavam contentes porque, além do pão de queijo, as empadinhas eram muito procuradas. O que as animara foi que duas lanchonetes muito boas, onde Dorita levara algumas amostras, haviam feito encomendas grandes e a cada dia a procura estava sendo maior.
        Por tudo isso planejavam abrir uma empresa e juntar algum dinheiro para um dia poderem expandir o próprio negócio.
        Marília conversou com Dorita sobre Altair e finalizou:
        - Ele está sentindo falta da nossa companhia. Nós não temos tido tempo de brincar com ele.
        - Gostei da idéia de trazê-lo para 'trabalhar' conosco. É bom que ele se interesse logo cedo e entenda sua responsabilidade diante da vida. Vamos fazer isso de uma forma tão prazerosa que ele vai amar 'trabalhar' aqui.
        Elas riram e ficaram trocando idéias de como torná-lo um auxiliar na cozinha.
        Quando Marília foi levar o café, Altair sentou-se na cama dizendo:
        - Mãe, estou sem febre. Já posso descer e trabalhar?
        - Vou medir sua temperatura. Depois veremos. Tome o café com leite e vamos ver como está sua garganta.
        Altair segurou a cabeça e tomou um gole.
        - Já melhorou - disse contente.
        Marília mediu a temperatura e, enquanto ela conferia, ele indagou inquieto:
        - E então?
        - A febre baixou, mas você ainda  está febril. E sua garganta ainda deve estar doendo um pouco, não é?
        - É, só um pouquinho. Mas vai passar logo.
        - Meu filho, hoje é melhor você ficar na cama descansando e se preparando para começar amanhã.
        - E a escola?
        - Amanhã você também ficará em casa. Depois voltará à escola.
        - Obá! Então eu posso trabalhar amanhã.
        - Pode. Estamos precisando muito de ajuda. Temos muitos pedidos. Vai ser ótimo contar com você.
        - Eu sou muito forte e disposto a ajudar mesmo.
        - Isso mesmo. Coma o pão com manteiga e deite-se novamente. Hoje você precisa descansar.
        Marília desceu as escadas sorrindo. Faria tudo para ensinar Altair a trabalhar com dignidade e honradez. Eles teriam de viver do próprio trabalho e isso o ajudaria a enfrentar os desafios da vida.
        Havia o dinheiro no exterior que Otávio deixara, mas não contava com ele. A origem desse dinheiro era duvidosa e ela estava certa de que ele  seria confiscado. Imaginava que seu marido havia se envolvido com criminosos e, por esse motivo, acabara morto. Com satisfação ela entregou-se ao trabalho. No fim da tarde as encomendas estava prontas. Felizmente, o empregado da lanchonete viria buscá-las, facilitando as coisas. Eles tinham uma perua e enquanto elas acomodavam as caixas com o material no veículo, Marília imaginava como seria bom que pudessem ter um veículo para fazer entregas.
        Assim que eles se foram, Dorita disse contente:
        - Foi bom terem vindo buscar. Em uma viagem eu não conseguiria levar tudo.
        Marília enfiou o braço no de Dorita dizendo:
        - No futuro nós também teremos um carro para fazer nossas entregas.
        Dorita olhou-a admirada:
        - Um carro, mesmo usado, custa muito caro.
        - Teremos um carro novo e muito bom. Estou certa de que vamos conseguir.
        - Como?
        - Pense bem, nós trabalhamos bem, fazemos coisas de qualidade com higiene e alegria. O dinheiro que ganhamos é honesto e merecido. Por tudo isso ele vai se multiplicar, nosso negócio vai continuar crescendo e logo teremos tudo o que precisamos.
        - Antes eu era mais otimista, mas agora você está passando na minha frente. Eu nunca pensei em chegar a tanto.
        - Por que não? Nós fazemos um produto bom. As pessoas saboreiam com prazer, elogiam, a cada dia compram mais... Se os pedidos aumentarem não vamos dar conta. Vou começar a procurar uma pessoa para nos ajudar.
        - Acha que teremos como pagar o salário dela? O que estamos ganhando dá apenas  para nossas despesas, isso porque estamos economizando.
        - Com uma pessoa que nos ajude, estou certa de que poderemos produzir muito mais e não só pagaremos o salário dela como aumentaremos nossos lucros.
        De volta à cozinha, Dorita disse contente:
        - Você tem razão. Podemos tentar. Hoje à noite vou falar com D. Ana. Ela tem uma filha que gostaria de trabalhar. Falou comigo ontem, perguntou se eu sabia de algum lugar que estivesse precisando. Respondi que não, mas pensando bem, talvez ela fosse boa para nós.
        - Quantos anos tem?
        - Não sei, mas é bem-disposta, alegre. Podemos experimentar.
        - Está bem. Vá conversar com D. Ana.
        Elas começaram a dar uma ordem na cozinha.
        - Vou fazer uma boa sopa de feijão com macarrão para ver se Altair come. Ele não almoçou muito bem. Ele adora essa sopa.
        Disposta, Marília colocou a panela no fogo e ia começar a preparar a sopa quando Altair desceu as escadas dizendo:
        - Mãe, mãe, eu achei um esconderijo!
        - Esconderijo? Do que está falando?
        Altair entrou na cozinha e parou diante dela:
        - Eu levantei um pouco, estava cansado de ficar na cama, fui ao quartinho onde você guarda coisas para procurar meu carrinho amarelo. Eu tropecei, escorreguei e bati as costas na parede. Caí sentado no chão. Então ela virou e abriu uma porta. É um lugar apertadinho, mas está cheio de coisas.
        Marília olhou para Dorita admirada:
        - Você sabia que existia esse lugar aqui em casa?
        Ela meneou a cabeça negativamente:
        - Não. Altair, você não está inventando essa história?
        - Não. Acho que descobri o tesouro.
        - Vamos lá ver isso - disse Marília.
        As duas acompanharam Altair escada acima até o local e entraram no quartinho que por ser um tanto apertado, Otávio determinou que ele serviria apenas de despejo. Lá havia coisas que eles não utilizavam, mas não queriam se desfazer. Marília raramente entrava lá, e Dorita de vez em quando abria para deixar entrar um ar e fazer ligeira limpeza.
         Surpreendidas, elas viram que Altair dissera a verdade. Havia uma abertura na parede suficiente para passar uma pessoa. Aproximaram-se e viram que dentro havia uma pequena prateleira com algumas caixas.
        O lugar cheirava a mofo, mas Marília susteve a respiração, entrou e apanhou uma das caixas. Estava pesada, porém ela esforçou-se para tirá-la de lá.
        - Será que foi Otávio quem colocou isso aí? - questionou Marília.
        - Se não foi ele pode ter sido alguém antes de vocês virem para cá.
        - É. Está pesada. Vamos ver o que contém.
        Colocaram a caixa sobre uma mesa e abriram a tampa. Dentro havia algumas pastas e documentos.
        - Vamos ver as outras - sugeriu Dorita.
        Elas tiraram as seis caixas de papelão que havia e uma menor de madeira que elas abriram primeiro. Dentro, encontraram um caderno e algumas chaves.
        Marília apanhou o caderno e abriu:
        - São coisas de Otávio. Veja, a letra é dele.
        Folheando esse caderno, Marília continuou:
        - São anotações de nomes de pessoas, endereços e até telefones.
        - Por que será que ele os escondia aqui?
        - Certamente eram negócios fora da lei que não podiam aparecer.
        Elas abriram as caixas e nelas havia anotações, algumas em inglês, outras em espanhol.
        - Aqui pode estar registrado que tipo de negócio Otávio tinha. Para a polícia pode ser a chave do crime - considerou Marília, pensativa.
        - Você vai avisar o delegado?
        - Ainda não sei. Acho melhor falar antes com o Dr. Paulo ou com Vitório. Eles podem examinar tudo e nos ajudar a decidir o que fazer. Pode ser também que não seja nada importante.
        - É pode, mas os dois saberão nos aconselhar.
        - Mãe, pensei que fosse um tesouro. Não tem dinheiro dentro das caixas?
        - Não, filho. Mas papéis podem ser mais importantes do que dinheiro. Vamos investigar.
        Eles desceram, Marília procurou o número do telefone de Paulo e ligou:
        - Doutor Paulo? Estou ligando porque aconteceu uma coisa que pode ser importante.
        - O que foi?
        - Altair por acaso encontrou um compartimento secreto em que Otávio guardava caixas com documentos. Eu e Dorita não sabíamos que havia esse lugar aqui. Gostaria de mostrá-los a você e Vitório. Alguns deles são em inglês e espanhol.
        - Irei imediatamente.
        Ela agradeceu e desligou.
        - Ainda bem que temos em quem confiar para nos ajudar - comentou com Dorita.
        - Tanto ele quanto Vitório parecem gente boa.
        - É verdade. Volte para o quarto, Altair.
        - Eu já melhorei.
        - Mas se não descansar poderá piorar. Talvez seja melhor voltar para a cama.
        - Ah! Mãe!... Eu não quero ficar na cama. Já estou bom. Eu quero ver o que eles vão falar do meu achado. Ainda penso que pode haver um tesouro lá.
        - Não se preocupe Altair - ajuntou Dorita -, se tiver alguma coisa de valor, daremos a você. Afinal, foi você quem descobriu o lugar.
        Ele obedeceu. Meia hora depois, Paulo chegou com Vitório. Depois dos cumprimentos, acompanharam as duas até o local. Altair, vendo-os subir, os acompanhou, olhos  brilhantes de curiosidade e prazer.
        Assim que apanhou o caderno, Paulo sorriu satisfeito:
        - Isto parece uma anotação que os traficantes costumam fazer.fos clientes aos quais fornecem drogas. Deve haver um outro com anotações dos fornecedores. Temos que verificar.
        - Quer dizer que Otávio era traficante de drogas?
        - Tudo indica que sim.
        - Apesar de desconfiar que havia alguma coisa errada, não pensei que se tratasse de drogas.
        Num gesto instintivo de proteção, ela abraçou o filho. Estava chocada. Tinha verdadeiro horror desse tipo de profissão.
        - Vamos levar essas caixas para um lugar onde possamos verificar tudo - disse Paulo.
        - Eu ajudo - concordou Vitório. - Pode ser que aqui esteja o fio da meada que procurávamos.
       Marília sugeriu que eles levassem tudo para a mesa da sala de jantar para procederem a verificação.
        Depois de transportarem todas as caixas e de verificar se não havia mais nada no local em que elas estavam escondidas, abriram a primeira e depois de examinar alguns documentos, Paulo considerou:
        - Isso vai levar tempo e requer peritagem.
        - Acha que deveremos conversar com o delegado? - indagou Marília.
        - Com certeza. A polícia terá condições de participar todos os documentos melhor do que nós. Mas antes eu gostaria de analisá-los em primeira mão para recolher algumas pistas e continuar nossa investigação.
        - Você acredita que poderemos encontrar alguma pista sobre o desaparecimento de minha mãe? É difícil para eu creditar que ela pudesse estar ligada a essa gente.
        - Não sei o que vamos encontrar, mas de qualquer forma de sua mãe está ligado a esse crime e a Otávio, seja ele traficante como parece ser ou não.
        - Esse mistério continua me atormentando. Não consigo entender.
        - Seria melhor que você procurasse  não se atormentar criando hipótese me sua cabeça e sofrendo com elas. Assim, poderia ligar-se aos amigos espirituais que o auxiliam e talvez obtiver um resultado melhor - aconselhou Paulo.
        Vitório suspirou e respondeu:
        - Você tem razão. Preciso encontrar a serenidade. Eu sei que só quando estamos serenos e confiantes é que conseguimos ouvir o que nossos mentores espirituais dizem. O desespero só atrapalha.
        - Sei que não é fácil conseguir isso neste momento, porém você é uma pessoa de fé, já teve provas de que a ajuda espiritual está presente em nossa vida. Pense um pouco. A descoberta desses documentos foi à maneira que eles encontraram de nos ajudar. Altair escorregou e a parede se abriu. Não acha que os amigos espirituais nos deram esse empurrãozinho?
        - Paulo, sinto-me envergonhado. Eu que pensava ser um espiritualista convicto, estou falhando diante dos desafios a que estou sendo submetido pela vida. Vou reagir. Pode estar certo. De agora em diante vou pensar no melhor e manter serenidade. Depois do que aconteceu hoje, só me resta confiar e acreditar que tudo será resolvido.
       - Isso mesmo. Agora se sente e vamos analisar o que temos aqui - disse Paulo. Depois, voltando-se para Marília, continuou:
        - Vai demandar tempo.
        - Eu sei. Gostaria de poder ajudá-los - respondeu ela.
       - Já ajudou muito nos chamando aqui. Vamos ao trabalho. Vocês duas continuem seus afazeres. Não quero atrapalhá-las.
       - Já terminamos por hoje - respondeu Marília. - Se tiver alguma coisa que eu possa fazer, é só falar. Vamos Altair, para a cozinha.
        - Eu queria ver se eles vão encontrar o tesouro.
        - Se encontrarmos alguma coisa diferente, avisaremos você - disse Paulo.
        As duas e o menino foram para a cozinha e os dois mergulharam nos papéis, procurando a ponta do mistério que envolvia aquelas famílias
   

       

   
     
       

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