CAPÍTULO 25

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      Paulo ligou para a casa de Marília e quando ela entendeu disse-lhe que aquela deveria ser a grande noite. Ele não sabia a que horas poderia voltar para lá.
       - Monteiro pediu que eu fosse com eles e eu aceitei. Se tudo como esperamos, dentro de algumas horas teremos chegado à solução do caso.
       Marília ficou apreensiva:
       - Tome cuidado.
       - Fique tranqüila. Não vai  nos acontecer nada.
       - Ficarei esperando ansiosa. Só sossegarei quando você estiver de volta.
       - Não tenha medo de ficar só. Vou pedir para o Wagner ficar no meu lugar.
       - Não quero que nada lhe aconteça.
       - É bom saber que se preocupar com o meu bem-estar. Mas não há perigo. Sabemos nos defender.
       - Não né deixe sem notícias.
       - Ligarei assim que puder. O Vitório ainda está aí?
       - Sim. Ele disse que só iria embora depois que você chegasse. Está ansioso para saber como vocês vão fazer.
       - Ele não vai gostar de saber que Osmar vai ser preso. É melhor eu falar com ele e lhe explicar tudo.
       Marília chamou Vitório, que atendeu prontamente. Paulo foi direto ao assunto:
       - Monteiro conseguiu um mandado de prisão para todos os envolvidos e Osmar está entre eles.
       Vitório estremeceu:
       - Ele vai ser preso?
       - Vai. Não podemos evitar. Ficou provado que ele está metido com os assassinos e até que pode ter sido a causa indireta do crime.
       Vitório ficou calado por alguns instantes, depois disse:
       - Era isso o que eu temia. Meu pai vai ficar arrasado.
       - Vou pedir ao Wagner para ficar aí, em meu lugar, e assim que ele chegar você pode ir para casa ficar com seu pai e tentar preparar o espírito dele para o que vai acontecer.
       - Não sei como fazer isso. Ele vai sofrer muito.
       - Vá para sua casa, ligue-se com os espíritos amigos, peça-lhes inspiração e força para superar o que virá e estou certo de que vai encontrar a maneira melhor de dar essa notícia a seu pai.
       Vitório suspirou triste:
       - É o que vou fazer. Mas estou muito triste, nunca pensei que Osmar fosse acabar assim.
       - Ele procurou esse caminho. Pense que talvez essa seja a maneira que a vida encontrou para fazê-lo refletir sobre seus atos e, quem sabe, mudar o rumo da sua vida. Ele é moço, depois de resolver seu caso com a justiça, mas amadurecido, terá chance de recomeçar e seguir um caminho melhor.
       - Tem razão. Assim que Wagner chegar irei para a casa. Sei que você vai estar ocupado, mas, por favor, assim que puder me telefone.
       - Pode deixar.
       Paulo desligou o telefone e juntou-se à equipe que estava se preparando para entrar em ação.
       Vitório. Chegou, em casa e encontrou o pai na sala, lendo. Vendo-o entrar. Alberto fechou o livro:
       - Eu já jantei. Não o esperei porque não posso comer muito tarde. Não me faz bem. Você já jantou?
       - Não, mas estou sem fome. Na casa de Marília estamos sempre comendo uma coisa ou outra. Tudo o que fazem é uma delícia.
       - Você não pode ficar beliscando dessa forma. Te  de alimentar-se melhor.
       - Na verdade eu me alimentei muito bem. Não se preocupem. Vou para o quarto, mas voltarei em seguida. Quero conversar com você.
       Alberto fixou-o sério. Desde que soubera das atividades de Osmar ele temia ouvir as notícias. Sentia que chegaria uma hora em que seu filho teria de ser responsabilizado pelo que estava fazendo e temia esse momento. Mas como Vitório não disse mais nada ele, guardou silêncio, olhando-o com ar de preocupação.
       Vitório foi para o quarto, sentou-se na cama, fechou os olhos, colocou a mão direita na testa, procurando concentrar-se. Pensou em Analú, pedindo-lhe que o ajudasse nessa hora.
       A idéia de que Osmar seria preso o deixava triste. Naquele momento, sentiu que, apesar dos desentendimentos que sempre houve entre eles, nunca lhe desejara mal. A idéia de vê-lo preso, humilhado, sendo tratado como um bandido o fazia sofrer. Não era só o sofrimento dos pais que o incomodava, mas também o de Osmar. Como ele enfrentaria a prisão?
       Ele sempre fora arrogante, vaidoso, julgava-se superior em inteligência e em tudo o mais. Como ele reagiria?
       Temia que se descontroladas, não quisesse aceitar a prisão, tentar fugir ou cometesse alguma besteira.
       Vitório tentou reagir. Ele precisava controlar esses pensamentos e tentar o contato com os espíritos iluminados. Sabia que só conseguiria isso se conseguisse entrar em uma energia melhor.
       Procurou entrar em seu coração, ficar no bem e manter um sentimento amoroso. Mentalizou Osmar e então brotou uma ternura em seu interior, um sentimento de amizade por ele como nunca sentira antes e uma vontade muito grande de ajudá-lo, de fazê-lo compreender que precisava assumir seus erros, enfrentar os resultados de seus atos para poder se recuperar.
       Teve vontade de empenhar-se para conseguir que Osmar entendesse isso. Conseguiria que ele o ouvisse?! Nesse instante, Vitório viu o espírito de Analú na frente, olhando-o com carinho. Não se conteve:
       - Analú. Você veio!
       - Eu estava aqui mesmo antes de você chegar, mas só agora você melhorou suas energias e pôde me ver.
       - Quero pedir-lhe que me ajude a conversar com meu pai sobre Osmar.
       - Você colocou seu amor sobre Osmar. Faça isso com seu pai. Essa é sua maior força. Com ela você vencerá todos os problemas.
       - Eu não sabia que gostava de meu irmão. Nós nunca nos entendemos bem.
       - Os laços que os unem são antigos. Antes dos acontecimentos que provocaram seus desentendimentos vocês se estimavam.
       - O afeto que estou sentindo por ele me surpreendeu muito.
       - Quantos segredos ainda estão guardados em seu coração? Quantas passagens de outras vidas continuam influenciando vocês até hoje?
       - É verdade. Por que não me conta tudo o que aconteceu naquele tempo?
       - Prometo que voltarei para contar-lhe. Mas ainda não é o momento. A tempestade continua em andamento. Quando ela passar, prometo esclarecer todas as dúvidas.
       - Ajude-me a dar a notícia a meu pai. Receio por sua saúde.
       - Pense nele com carinho e deixe seu coração falar. Estou certa de que saberá fazer isso muito bem. Vá! E, não tema saiba que mais estarei ao seu lado.
       Ela desapareceu, Vitório respirou fundo e pensou no pai. Uma onda de carinho o acometeu e ele levantou-se indo à sua procura.
       Uma vez na sala, sentou-se no sofá, ao lado dele, dizendo:
       - Precisamos conversar.
       Alberto olhou-o preocupado:
       - É sobre o Osmar?
       - É. Como você sabe, ele sempre foi ambicioso, desejou ter muito dinheiro, poder por causa disso se iludiu. Não teve a sua paciência. Acreditou que poderia conseguir rapidamente o que desejava e entrou em um caminho perigoso.
       Alberto suspirou triste:
       - Foi por causa da insensata paixão que ele tem por Aurélia. Ela nunca o amou, mas ele pensou que se fosse um homem importante, tivesse muito dinheiro e poder, a conquistaria. Ele mesmo me disse isso.
       - Essa ilusão o arrastou para a desgraça.
       - Traficar drogas é o que se pode chamar de pior. Ele não pensou na desgraça que estava espalhando, na dor das famílias que têm um viciado em casa. Passou por cima de tudo, alimentando sua ambição, esquecendo-se de todos os ensinamentos com os quais foi educado. Pensando nisso, sinto-me derrotado, fracassado como pai. Eu não fui capaz de perceber nada nem de inspirar-lhe um comportamento melhor.
       - Você não tem culpa de nada. Ele fez isso sozinho.
       - Mas dói muito saber que ele vai ter de pagar elevado preço pelo seu erro.
       Vitório colocou a mão no braço do pai dizendo com voz suave:
       - A vida vai responder a ele de acordo com suas atitudes. Nós que amamos não desejamos que ele sofra. Mas, pai, de que outra forma ele poderia aprender, senão respondendo pelo que fez? O remédio pode ser amargo, mas lhe dará chance de curar-se.
       - Pressenti que algo ruim vai acontecer com ele. Você sabe como vão as coisas?
       - Há essa hora, Paulo está com o delegado participando de uma diligência para prender os traficantes envolvidos naquele crime.
       - E Osmar está envolvido?
       - Está. O nome dele figura com os traficantes e o delegado acredita até que Osmar involuntariamente tenha sido o causador dessa desgraça!
       Alberto levou a mão à cabeça:
       - Meu Deus! Será possível?
       - Ele colocou Elvira naquele sanatório com medo que ela contasse o que sabia sobre o envolvimento dele com os assassinos.
       - O que vai acontecer agora?
       - Bem, o delegado expediu uma ordem de prisão para Osmar e nesta noite mesmo ele vai ser preso.
       Alberto levantou-se nervoso:
       - Era isso que eu temia!
       Vitório puxou-o pelo braço, forçando-o a sentar-se novamente.
       - Não podemos perder o controle. Agora temos mais do que nunca enfrentar essa situação com coragem.
       - Meu filho preso! Que vergonha. Ele que sempre foi o meu orgulho, vai ser humilhado, escarnecido, olhado como um bandido!
       As lágrimas rolavam de seus olhos e ele deixou-as cair, sentindo-se importante.
        Vitório colocou o braço sobre os ombros dele, dizendo:
       - Reaja, pai. Não se deixe levar pelo desespero. Nós temos de ser firmes, corajosos, olhar o que aconteceu de maneira realista.
       - Nada pode ser mais real do que isso! A desgraça chegou e não podemos fazer nada contra ela.
       - Você está sendo pessimista. Vamos olhar os fatos de outra forma.
       - Como não ser pessimista diante de uma situação como essa?
       - Eu não vejo assim. Eu não estou contente com o que está acontecendo, mas prefiro olhar de forma diferente. Quem nos garante que a humilhação da prisão, o sofrimento a que Osmar deverá passar, enfrentando essa vergonha, não o levará a refletir melhor sobre seus atos? Vendo revelado um lado seu que ele quis ocultar, descobrirá que não é tão "esperto" como se julgava a chegará à conclusão de que é muito perigoso enveredar por esse caminho. Esse poderá ser o começo da sua recuperação.
       - Será muito doloroso.
       - O que mais ele poderia esperar depois do que fez? Temos que apoiá-lo com carinho, mas com firmeza , porque é fundamental que ele assuma o que fez. Sinta o alcance de se a atos e isso não seremos nós que vamos fazer, mas a vida que já está fazendo. Faremos tudo para ajudá-lo, porém não vamos intervir nos fatos que estão acontecendo, tentando camufla-los, torcendo-os de forma a que Osmar continue se iludindo. À hora da verdade chegou e vamos aceita-la com dignidade e vontade de daqui para frente fazer nosso melhor.
       - Eu penso como você. Nunca imaginei que me daria tanto apoio nesta hora difícil. É que eu não sabia que você era tão lúcido e bondoso. Não sei o que faria neste momento sem seu apoio.
       - Eu estarei sempre ao seu lado. Os traficantes serão presos. Tenho certeza de que mamãe logo estará de volta.
       - Como estará ela? Como reagirá ao saber que Osmar vai ser preso?
       - Ela foi a primeira a saber sobre ele. Elvira contou. Mas estou certo de que ela também se juntará a nós para ajudar Osmar e faze-lo entender como retomar o caminho do bem.
       - É verdade. Isso! É bem dela. Dedicada, mas digna.
       - Nós estamos sentindo muita falta dela e eu imagino que ela também sente saudades de nós.
       - De vocês talvez, mas de mim...
       - Por que dúvida do amor dela?
       - Porque eu muitas vezes, revoltado com a indiferença dela, envolvi-me com outras mulheres, mais para provocá-la do que por desejo, e ela sempre soube. Há muito tempo ela deixou de me amar, se é que algum dia sentiu amor por mim.
       Vitório olhou-o sério e respondeu:
       - Você pode estar muito enganado. Mas mesmo que seja verdade o que diz, você poderá tentar reconquistá-la, reacender a chama que lhe parece extinta.
       Alberto meneou a cabeça negativamente:
       - Não creio...
      - Acredite, quando ela voltar, não perca tempo. Jogue seu charme sobre ela, com o amor que tem no coração. Estou certo de que ela não vai resistir.
       Alberto sorriu:
       - Em uma hora dessas! Você consegue me fazer sorrir.
       - O que estou dizendo é verdade. Sinto que depois de tudo quanto estamos passando, merecemos um pouco de felicidade.
       Alberto suspirou e disse:
       - Felicidade! Há quanto tempo não sei o que é isso.
       - Sinto que depois do que estamos passando, nenhum de nós será o mesmo. Todos nós estamos aprendendo e refletindo, percebendo emoções e necessidades que antes não víamos e jogando fora crenças inúteis que colecionamos durante toda a vida e que agora sabemos que não são verdadeiras.
       - Por que diz isso?
       - Porque estamos amadurecendo e abrindo a mente, revendo nossos conceitos de felicidade. Você teme que mamãe não o ame mais, porém eu penso o contrário. Vocês viveram mais de trinta anos juntos, trocando experiências, vivendo momentos que hoje, diante da situação atual, revestem-se de outra conotação e são mais valorizados. Eu testemunhei desde que nasci o respeito que demonstram um pelo outro, a atenção, a amizade com que se tratam. Para mim, isso é uma forma de amor verdadeiro e sincero.
       Alberto cerrou os olhos, pensativo. De fato, se Teresa não tivera para com ele arroubos apaixonados, cuidando do seu bem-estar, tratando-se com deferência. Não seria essa forma de amor? Mas não era apenas isso que ele desejava. Queria mais.
       Durante aqueles anos sonhara em tê-la em seus braços ardente, apaixonada, oferecendo-lhe todo o amor de que ele a imaginara capaz. Ele sentia Teresa era uma mulher ardente. Por que ele não tinha conseguido despertar nela essa emoção?
       - Eu casei com Teresa por amor. Amizade é um belo sentimento, mas não é o que eu desejava que ela me oferecesse. Nunca notei nela o fogo da paixão.
       Vitório colocou a mão no braço do pai e respondeu:
       - Uma intimidade de tantos anos deve ter-lhe dado inúmeras oportunidades de acender nela o fogo da paixão. Alguma vez tentou ir por esse caminho.
       Alberto olhou-o surpreendido, pensou em pouco e depois tentou justificar-se:
       - Teresa sempre foi uma mulher discreta, nunca conversamos sobre nossos sentimentos íntimos.
       - Será que ela não pensou o mesmo de você? Será que ela não imaginou que você não a amasse o bastante e guardou seus sentimentos, respeitando suas maneiras de ser?
       - Você acha mesmo isso?
       - No amor é preciso ousar, falar o que vai do coração. Não dá para ficar imaginando coisas no comportamento do parceiro, sem saber se são verdadeiras, criando barreiras que distanciam um do outro.
       Alberto olhou Vitório surpreendido:
       - Como pode saber dessas coisas? Você nunca se apaixonou!
       - Para valer mesmo, não. Mas tive algumas paixões que logo passaram, mostrando que não eram para ser levadas a sério. Mas quando eu de fato amar alguém, ousarei demonstrar todo o meu amor. O amor é contagiante. Estou certo de que vai atar esse fogo que você diz.
       - Gostaria de ver isso. Osmar não conseguiu nada com Aurélia. Por que pensar que com você será diferente?
       - O que Osmar sente por Aurélia é paixão, não amor. São sentimentos diferentes.
       - Como assim?
        - Osmar gosta de Aurélia por seu porte altivo, o carisma e a posição social que ela ocupa. É o que ele deseja ter para si, e como não consegue, projeta seus sentimentos sobre ela, acreditando que se conquistá-la terá tudo isso. Deseja apossar-se dela, isso é apego. O amor é um sentimento diferente, não faz sofrer. Se for correspondido é maravilhoso, mas se não for, satisfaz-se com a felicidade de ser amado, contentando-se em cultivar esse amor no coração.
       - Acho que eu nunca senti esse tipo de amor.
       - Será que não? Depois que mamãe desapareceu, você tem sofrido muito e eu notei que há em seu coração um amor sincero muito verdadeiro e talvez você ainda não tenha se dado conta disso.
       - De fato. Sinto muitas saudades de Teresa. A vida para mim tornou-se sem sentido com sua ausência.
       - O que fará quando ela voltar? Vai continuar escondendo seus sentimentos ou vai mostrar-lhe o quanto à ama?
       - Tenho medo de que ela me despreze. É uma mulher altiva e eu sempre procurei mostrar- me a sua altura.
       - Você está enganado. Mostrar um sentimento sincero jamais vai provocar desprezo. Ao contrário, vai tocar as fibras mais íntimas do coração dela. E quem sabe o que poderá vir à tona depois?
       Os dois continuaram conversando como nunca tinham feito. Naquele momento não eram apenas pai e filho, era dois homens, discutindo sentimentos de igual para igual, estabelecendo laços de intimidade indestrutíveis de espírito para espírito.

   
  
     
     
     
      
  
      
      
      
 
    

  

      
       
      
    
  
       

   
     

     

Onde está Teresa?Onde histórias criam vida. Descubra agora