CAPÍTULO 15

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        Osmar continuou se recordando. Lembrou-se de que três dias depois, quando entrou na empresa, apanhou o jornal que a secretária como de costume colocara sobre a mesa e começou a folheá-lo. Até aquele dia não obtiveram nenhuma notícia sobre o dinheiro pago aos traficantes, o que o enchia de esperança de que os seqüestradores de Teresa houvessem aceitado esperar pelo restante do dinheiro. Continuando a folhear o jornal estremeceu assustado. Um crime havia sido cometido em São Paulo. Um casal fora assassinado na cama em condições misteriosas. O homem morto era Otávio de Oliveira cuja foto estava estampada na matéria.
        Osmar sentiu uma tontura, levantou-se, apanhou um copo de água e tomou, tentando acalmar-se. Respirou fundo e leu a matéria.
        A mulher morta era de identidade desconhecida e tinha a idade de Teresa, o que o fez pensar que, de fato, ela havia sido assassinada.
        A custo conseguiu controlar-se. O terror tomou conta dele. Tentou reagir. A mulher morta que estava na cama com Otávio certamente seria sua amante e não podia ser Teresa.
        Otávio havia sido o intermediário do seu negócio e fora punido por não ter levado o dinheiro. Se essa hipótese se confirmasse eles poderiam ter feito o mesmo com sua mãe e, talvez, há essa hora já estivesse à procura dele.
        Como saber a verdade? Otávio tinha vários negócios e poderia ter sido assassinado por outros motivos. Aflito, Osmar não tinha como encontrar a resposta.
        O telefone tocou, ele atendeu, era Nelsinho:
        - Já leu os jornais de hoje?
        - Já. Eu disse para você não ligar para empresa.
        - Se for o que estou pensando, estamos correndo sério risco.
        - Depois passarei em sua casa e conversaremos. Pelo telefone, não.
        - Estou nervoso. Desligue o telefone e venha até aqui agora.
        - Não posso sair agora. Irei ao fim da tarde.
        - Pode ser muito tarde.
        Osmar sentiu medo, mas controlou-se.
        - Irei assim que meu pai chegar na empresa. Estamos esperando uma entrega de mercadoria e não posso sair pelo menos até ele chegar.
        Ele também tinha urgência em conversar com Nelsinho, talvez ele conhecesse alguém que pudesse colher informações. Pensou em recorrer a Norberto, mas ao mesmo tempo não queria que ele soubesse detalhes dos seus negócios.
        Geralmente o contratava para alguns serviços, mas achava perigoso que ele soubesse muito sobre sua vida.
        Assim que desligou o telefone, chamou a secretária e disse:
        - Meu pai já deveria ter chegado. Eu tenho um negócio urgente para resolver, mas não posso deixar a empresa enquanto ele não chegar. Ligue para casa e pergunte se ele vai demorar.
        - Não será preciso. O Dr. Alberto recebeu um chamado de São Paulo, pediu que eu reservasse uma passagem e há essa hora já deve ter chegado lá.
        - Para São Paulo? O que ele foi fazer lá?
        - Ele não disse.
        - Sabe quando volta?
        - Não. Penso que ele não sabia, porque ficou de ligar assim que tivesse uma posição.
        Osmar procurou controlar a contrariedade. Por que seu pai teimava em continuar dirigindo a empresa? Era hora de ele aposentar-se e deixar tudo em suas mãos. A presença dele estava atrapalhando seus negócios. Quando ele voltasse, trataria de convencê-lo a afastar-se definitivamente da empresa.
        Passava das duas horas quando ele conseguiu sair e procurar Nelsinho no novo endereço. Encontrou-se fechando uma mala e perguntou nervoso:
        - Aonde você vai?
        - Vou me mandar. A qualquer hora eles podem pintar aqui e eu pretendo estar muito longe.
        - De novo? Você está se precipitando. Pode ser que esse crime não tenha nada a ver com nossos negócios.
        - Não quero esperar para descobrir. Minha intuição está me dizendo para sumir.
        - Onde você pensa ir? Acha que não irão a seu encontro onde estiver?
        - Sei me esconder e não vou ficar esperando eles me encontrarem. Quer saber? Aconselho você a fazer o mesmo. Com esse povo não dá para brincar. Por muito menos já vi um deles acabar com o Juvenal. Lembra-se dele?
        - Aquele cara que tinha o rosto cheio de marcas?
        - Esse mesmo. O apelido dele era Juvenal Bexiguento. Um tiro certeiro na cabeça e ele já era. Não disse um aí. Eu escapei porque estava escondido, só observando. Ainda quer esperar?
        Osmar passou as mãos nos cabelos e disse aflito:
        - O pior é que não temos como nos informar. Eles não me ligaram mais, as ameaças pararam, cheguei a pensar que tivessem aceitado minha proposta.
        - A morte de Otávio é uma boa resposta. Não há o que duvidar. Otávio trabalhava com eles há algum tempo. Haviam feito vários negócios juntos.
        - Essa gente não confia em ninguém. Hoje o estão paparicando porque você está sendo útil, amanhã o estarão tirando do caminho por achar que você não serve mais.
        - Você não deveria ter dado todo aquele dinheiro a eles. Agora ficamos sem recursos para fugir. Eu tenho algumas economias, mas vou ter de batalhar para conseguir viver. Talvez você possa me arranjar mais algum.
        Osmar meneou a cabeça negativamente.
        - Eu dei tudo o que tinha na esperança de que eles aceitassem.
        Nelsinho fechou a mala e tornou:
        - Vou desaparecer. Você não pode fazer nada, não vou esperar.
        Osmar insistiu para que ele não fosse embora, mas foi inútil. Nelsinho estava decidido.
        Apanhou a mala, fechou a casa e despediu-se de Osmar.
        - Como vou saber de você? Não tenho onde ligar.
        - Pode deixar que eu ligo para você. Não sei ainda onde vou ficar.
        - Não ligue para a empresa.
        - Vou ligar para sua casa, à noite. Adeus.
        Ele se foi e Osmar entrou no carro e voltou para a empresa. Por que tudo estava dando errado para ele?
        Aurélia se comprometendo com aquele rapaz, seu pai viajando para São Paulo sem lhe dizer para quê... Nelsinho o abandonando na hora em que mais precisava de apoio.
        Uma onda de angústia o acometeu ao pensar que sua mãe poderia estar morta ou correndo risco de morte, sem que ele pudesse fazer nada.
        Sua cabeça doía e ele tentava acalmar-se em vão. Alguns vultos escuros o envolviam e Osmar sentia arrepios percorrer-lhe o corpo.
        Um deles aproximou-se dizendo em seu ouvido:
        - Não tenha medo. Nós o estamos protegendo. Eles não vão fazer mal.
        Outro se aproximou e disse:
        - Enquanto você fizer o que nós queremos, nada de mau vai lhe acontecer. Não se preocupe, nós tiraremos do seu caminho todos os que desejarem prejudicá-lo.
        Osmar não registrou as palavras, mas reagiu pensando:
        "Eu sou forte. Ninguém vai me fazer mal. Nunca tive medo de nada. Não sou um covarde".
        Os vultos o abraçaram satisfeitos:
        - Isso mesmo. Você é forte e nós estamos juntos.
        Aos poucos, Osmar foi se acalmando. Ele estava se fazendo de fraco. Era forte, sempre havia conseguido tudo o que queria.
        Pensou em conversar com Norberto e contratar dois ou três homens que cuidassem de sua segurança. Afinal, ele tinha como se defender e enfrentar fossem quem fosse.
        Não ia se esconder como Nelsinho. Não seria um covarde. Esses pensamentos o acalmaram e ele voltou à empresa. Finalmente conseguiu trabalhar. No fim da tarde, porém, recebeu um telefonema de Alberto, contando o que fora fazer em São Paulo e dando a notícia de que Teresa havia sido assassinada. Ela era a mulher encontrada na cama, morta ao lado de Otávio. A custo, Osmar conseguiu seu desespero e fingir que não sabia de nada. Além de ter de ir a São Paulo reconhecer o corpo, ainda teria de dar a notícia a Vitório. Desligou o telefone e foi para casa.
        O que aconteceu depois passou pela sua mente como um filme. Os traficantes não o procuraram mais, dando-se por satisfeitos com a morte de Otávio e de Teresa.
        Norberto investigará a vida do Dr. Augusto Mendonça e o que descobrira deixou Osmar com mais raiva. O médico era de ótima família, rico e muito estimado por onde passava.
        Além de tudo, era um homem simples, alegre e como se isso não bastasse, prestava serviço como voluntário em um hospital pobre da periferia. Osmar desejava armar uma cilada para desmoralizá-lo de alguma forma, a fim de que Aurélia o desprezasse e o abandonasse.
        Mas estava difícil. Osmar sabia que precisava programar muito bem o golpe para que não fracassasse. Teria de ser alguma coisa muito forte, algo que destruísse aquela auréola de herói que o médico possuía.
        Para conseguir o que desejava, contratou Norberto para observá-lo, conhecer seus hábitos e poder programar como afastá-lo de Aurélia.
        Enquanto Osmar mergulhava nas lembranças do passado, naquele momento em São Paulo, Paulo,em seu escritório esperava a chegada de Wagner, seu auxiliar, a quem mandará investigar a vida de Osmar.
        Na véspera, Wagner tinha lhe telefonado dizendo:
        - Estou voltando esta noite. Tenho notícias muito importantes para você.
        - Vou esperá-lo amanhã cedo. É melhor conversarmos pessoalmente.
        Paulo e Vitório tinham examinado os documentos encontrados na casa de Marília e chegado à conclusão de que eram reveladores. Por esse motivo, Paulo os entregara ao delegado, que ficou radiante com a descoberta.
        Finalmente uma boa pista. Certamente haveria nomes, ainda que incompletos que poderiam conduzi-lo ao encontro do assassino.
        A opinião dos peritos estava dividida. Havia quem achasse que fora apenas uma pessoa que cometeram o crime, enquanto outros não descartavam a possibilidade de terem sido duas ou até três.
        Para Paulo, o que estava claro pela brutalidade e violência com que fora feito, é que mesmo que o motivo fosse por questões de dinheiro e poder, uma vez que havia traficantes de drogas envolvidos, havia muito ódio no assassino. Paulo suspeitava que fosse um caso de vingança.
        Ao ouvir algumas batidas na porta, Paulo foi abrir, Wagner entrou e, depois dos cumprimentos, sentaram-se um diante do outro. Paulo perguntou:
        - O que tem para me dizer?
        Wagner tirou da pasta alguns papéis e respondeu:
        - Aqui estão os relatórios minuciosos dos dias em que o seguimos.
        Paulo apanhou os relatórios.
        - Vou ler depois. Você disse que tinha notícias importantes. Relate-me o que descobriu.
        - No primeiro dia em que o segui, ele foi até o subúrbio conversar com um 'tal' de Nelsinho. Descobrimos que ele é um traficante conhecido por operar em pequenos negócios. Mas tem lastro com pessoas importantes desse meio, o que faz crer que nos últimos tempos ele tenha se relacionado com gente mais importante.
        - Continue.
        - Nesse dia, os dois saíram juntos e foram até um hospital de doentes mentais. Mandei Mário entrar e tentar descobrir o que os dois foram fazer lá... Com jeito, ele conseguiu saber por uma auxiliar de enfermagem que Osmar tem uma paciente internada lá.
        - Descobriu quem é?
        - Não. O importante é que essa paciente está sob a orientação direta do dono do hospital e que apenas uma enfermeira pode cuidar dela. Mandei o Mário ver se descobria mais alguma coisa sobre essa mulher. Você sabe que ele é sempre muito bem-visto pelas mulheres e tem um jeito especial para lidar com elas. Conseguiu um encontro com a assistente fora do hospital, mas nem assim pôde saber mais alguma coisa.
    - Temos de investigar esse hospital. Tenho a sensação de que é para ir por aí.
        - Foi o que pensei. Tanto que deixei o Mário lá para ficar de olho. O nome do hospital, do médico, ao qual ele pertence consta no relatório.
        - Bom, porque vou pedir para o Dr. Monteiro investigar. Qual a sua impressão sobre o Dr. Osmar?
        - Você acertou na mosca quando pensou em investigar a vida dele. É um empresário, goza de uma boa posição social e financeira, seu pai, o Dr. Alberto, é muito respeitado no mercado onde atua. Mas Osmar, embora seja um homem de gosto requintado, freqüente a alta sociedade do Rio de Janeiro, tem um lado marginal, uma vez que é ligado a pessoas suspeitas.
        - Como Nelsinho?
        - Sim. Ele foi procurar um detetive particular chamado Norberto e segundo descobrimos, trata-se de pessoa que aceita negócios duvidosos e não merece confiança. Isso mostra que Osmar anda metido em assuntos pouco convencionais para sua posição social.
        - Vamos continuar investigando.
        Paulo apanhou os relatórios e leu-os, enquanto Wagner esperava calado. Quando terminou, comentou:
        - Bom trabalho.
        - Vai precisar de mim por hoje? Tem uma pessoa que eu gostaria de visitar.
        Paulo sorriu:
        - Não. Descanse hoje. Vou pensar nos próximos passos. Assim que eu tiver decidido algo, falo com você.
        Wagner saiu e Paulo ficou pensativo. Seria melhor não contar nada para Vitório.  Ele era muito sensível e talvez não conseguisse esconder essa história do pai.
        Por enquanto, preferia manter sigilo para não atrapalhar as investigações.
        O telefone tocou e ele atendeu:
        - Paulo, é Monteiro.
        - Como vai?
        - Bem. Estou ligando para dizer que você estava certo em relação àqueles documentos encontrados na casa de Otávio. Trata-se mesmo de tráfico de drogas. Otávio era mesmo traficante.
        - Havia alguns nomes nesses papéis?
        - Sim. Apesar de não mencionarem os sobrenomes, conseguimos identificar alguns. Finalmente temos o motivo do crime. Desentendimentos e vingança.
        - Sim, tudo isso e algo mais.
        - Como assim?
        - Suspeito que haja também alguma coisa emocional, vingança sim, mas não apenas pela questão das drogas.
        Monteiro ficou calado durante alguns segundos, depois respondeu:
        - Em que se baseia para chegar a essa conclusão?
        - É apenas uma suspeita. Vou analisar melhor os fatos e quando tiver algo mais sólido vou trocar idéias com você.
        - Estarei esperando. Enquanto isso, meu pessoal está o investigando.
        Paulo desligou e leu novamente os relatórios que Wagner trouxera. Quanto mais lia, mais acreditava que Osmar, de alguma forma, estava envolvido naquele crime.
        A secretaria avisou que Vitório havia chegado e queria falar com ele.
        - Mande-o entrar.
        Pouco depois, Vitório entrou e, depois dos cumprimentos, disse:
        - Marília me telefonou dizendo que recebeu outra carta anônima e está com medo. Pediu que fôssemos até lá.
        - Claro. Vamos.
        Meia hora depois, eles chegaram na casa de Marília e a encontraram muito assustada. A carta havia sido colocada debaixo da porta como a anterior.
        Paulo tirou do bolso uma pequena pinça e explicou:
        - Não vamos tocar nela. Pode ter impressões digitais.
        - Eu a peguei e abri - confessou Marília, preocupada.
        - Eu também a segurei - disse Dorita.
        - Se acontecer novamente, não toquem em nada e me avisem.
        Ainda segurando a carta com a pinça ele leu:
        "Você não devia ter entregado aqueles papéis à polícia. Isso vai custar muito caro". Não estava assinada.
        - Eu fiz mal em entregar aquelas caixas. Estou sendo ameaçada por causa disso - queixou-se Marília.
        - Não tenha medo. Nós saberemos defendê-la. Não vai acontecer nada. - Respondeu Paulo, continuando: - Eu preciso de um saco plástico para colocar o documento.
        Dorita correu até a cozinha e voltou trazendo o que ele pediu. Paulo colocou cuidadosamente a carta dentro dele, fechou e colocou-o no bolso. Depois, aproximou-se de Marília, que estava pálida, segurou sua mão e disse:
        - Você é uma mulher corajosa e vai superar isso.
        - É a mesma pessoa que escreveu a outra carta. Tenho certeza. Se soubesse como me arrependo de ter ido àquela casa... - Fez ligeira pausa e continuou: - Nos somos duas mulheres e uma criança nesta casa. Não temos como nos defender. Se eu tivesse dinheiro me mudaria para longe, onde pudéssemos esquecer tudo isso e ninguém pudessem nos fazer mal.
        Olhos marejados, Marília esforçava-se para conter as lágrimas que, teimosas, despontavam e começaram a descer pelas suas faces.
        Paulo abraçou-a delicadamente.
        - Tenha calma. Nós a protegeremos. Falarei com Monteiro, colocaremos vigilância vinte e quatro horas.
        - Eu não deixei Altair à escola. Tive medo. Ele é minha única riqueza. Temo por ele.
        Em sua mente a trágica cena do crime que presenciara estava presente, fazendo-a estremecer.
        Altair entrará na sala e Marília esforçou-se para controlar-se.
        - Mãe, o que aconteceu? Está chorando por causa daquela carta?
        Marília tentou sorrir.
        - Não, meu filho. Não há perigo. Estamos protegidos. O Dr. Paulo e o Dr. Monteiro vão nos proteger. Nada vai nos acontecer.
        - Isso mesmo Altair - interveio Paulo, que tirara os braços que colocara em volta de Marília - Não tenha medo.
        O ambiente estava tenso e Dorita tentou fazer alguma coisa:
        - Vamos todos tomar um lanche? Está na hora. Vou fazer um chá e temos um bolo delicioso que Marília fez hoje. Uma receita nova está maravilhosa.
       - Isso mesmo - tornou Marília. - Vamos tomar um chá com bolo, assim vocês me dirão se ele está bom mesmo.
       Eles foram para a copa, Dorita arrumou a mesa e dentro de alguns minutos eles estavam sentados tomando chá e experimentando o bolo.
        Marília esforçava-se para parecer calma, mas Paulo sentia o quando ela estava apavorada. Naquele instante sentiu um calor no peito e uma vontade muito forte de abraça-la e protegê-la contra todos os perigos.

         
      
      

      
       
         
       
       
      
     
       
       
       
     

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