CAPÍTULO 4

1.4K 64 1
                                    

        Eram dez da manhã seguinte quando Osmar e Vitório chegaram ao hotel onde o pai estava hospedado. Bateram à porta do quarto e Alberto abriu. Estava abatido e nervoso. Os dois rapazes o abraçaram e Osmar disse:
        - E então, como estão as coisas?
        Alberto suspirou triste e respondeu:
        - Do mesmo jeito. A polícia ainda não liberou o corpo. Vocês já receberam a intimação?
        - Não. Achei melhor não esperar que ela chegasse. Depois, desejei ver tudo de perto. Ainda não acredito que esse corpo seja de mamãe.
        Vitório, que se conservava calado, interveio:
        - É ela. Eu tive um pressentimento de que ela não deveria fazer essa viagem, implorei para que não fosse. Ela, porém, estava determinada e não quis ouvir-me.
        - Lá vem você com suas loucuras. O assunto é sério. Não é hora para você fazer seu show.
        - Vitório está certo. Aquele corpo é o dela. Não há como duvidar.
        Alberto hesitou um pouco, depois continuou:
        - Vou ligar para o delegado e perguntar quando vocês devem se apresentar na delegacia.
       - É bom pai, porque preciso voltar à empresa o mais breve possível. Tenciono falar com ele o quanto antes e voltar ainda hoje para o Rio de Janeiro.
        Alberto ligou para o delegacia, conversou com Monteiro que marcou para eles estarem lá dali uma hora.
        - Antes de ir, preciso contar-lhes o que se sabe do crime. Apesar das aparências, não creio em nada do que a polícia diz, mas certos fatos inexplicáveis ferem a honra de sua mãe e de todos nós.
        Vitório não se conteve:
        - Mamãe sempre foi uma mulher maravilhosa, de sentimentos nobres.
        - É o que eu penso, meu filho. Mas o fato existe e precisamos enfrentá-lo. Ao lado do corpo de sua mãe, foi encontrado morto um homem, e a polícia acredita que ele era seu amante.
        - Isso não pode ser! Ela não se atreveria a fazer uma coisa dessas! - disse Osmar pálido.
        - É mentira! - gritou Vitório indignado.
        Alberto suspirou triste.
        - Ninguém mais do que eu lamenta o que aconteceu. Mas como explicar o fato de estarem ambos, lado a lado, na cama, mortos?
        - Ela estava deitada na cama com outro homem? - perguntou Osmar indignado.
        - Sim - balbuciou Alberto com um fio de voz.
        - Ninguém pode saber disso! - tornou Osmar, bastante assustado.
        - Infelizmente não pude evitar. Deve estar tudo relatado nos jornais de hoje. Não tive coragem de comprar nenhum.
        - Como não? Você precisava ter impedido isso de qualquer jeito.
        - Como?
        - Oferecendo dinheiro.
        - Impossível. Os jornalistas estavam no necrotério e na delegacia como ratos,  farejando as notícias. Fotografaram tudo. Não havia como impedi-los. Nossa imprensa é livre.
        Osmar não se confirmava:
        - É uma vergonha, pai. Como vamos enfrentar nossos amigos e clientes? Tenho vontade de não voltar mais para casa.
        - Mamãe é inocente, tenho certeza - disse Vitório.
        - Vou ficar aqui, investigar esses fatos e descobrir a verdade. Não posso permitir que o nome de mamãe seja jogado na lama.
        Osmar olhou para o irmão com desprezo:
        - Eles foram encontrados juntos na cama. Não dá para duvidar. Nunca imaginei que mamãe fosse tão leviana.
        Não fale assim, meu filho. Essa história está mal contada. Vitório está certo. Com o tempo, a polícia vai descobrir o assassino e inocentar Teresa.
        - Eu estou indignado. Gostaria que o chão me engolisse. Vou precisar de muita coragem para voltar ao Rio. Vou pensar em um jeito de vencer essa desgraça.
        Alfredo olhou para Osmar angustiado. Apesar de confiar em Teresa, havia momentos em que ele também fraquejava e suspeitava de que ela de fato tivera um amante.
        Alfredo passou a mão nos cabelos como que querendo espantar os mais pensamentos, respirou fundo em busca de força para continuar e disse:
        - É melhor vocês irem para a delegacia.
        - Quanto antes eu me livrar dessa formalidade, melhor - considerou Osmar.
        Eles chegaram na delegacia meia hora antes da hora combinada, tiveram de esperar que Monteiro voltasse do almoço.
        - Eu quero ver o corpo da mamãe.
        - Pois eu prefiro não ver. Para quê? Ela já morreu mesmo - disse Osmar.
        - Eu preciso ver - pediu Vitório a um policial que estava ao lado deles.
        - Só o delegado pode autorizar - respondeu ele.
        Pouco depois, Monteiro chegou, eles se apresentaram e depois de cumprimentá-los o delegado tornou:
        - Aguardem um momento. Já vou chamá-los.
        Eles sentaram-se novamente um tanto impacientes. Dez minutos depois, um policial pediu a Osmar que entrasse na sala.
        Vitório insistia, queria pedir ao delegado para ver o corpo da mãe, ao que o policial respondeu:
        - O Dr. Monteiro pediu para entrar um de cada vez. Espere um pouco mais.
        Monteiro pediu que Osmar se sentasse, esperou que ele confirmasse os dados pessoais e depois começou a interrogá-lo:
        - O senhor sabia que sua mãe estava em São Paulo?
        - Não. Ela saiu de casa dizendo que iria para a Europa com uma amiga. Pensei que ela estivesse lá.
        - Você conhecia Elvira?
        - Quem é essa mulher?
        - Amiga de Teresa em cuja companhia ela saiu de casa para essa viagem.
        - Nunca ouvi falar dela.
        - Sua mãe costumava ter amigas sem que a família soubesse?
        - Até então eu acreditava que não. Mas não conheço essa Elvira.
        - Sua mãe foi encontrada morta, ao lado de um homem, ambos na cama, em trajes menores. Foram mortos a golpes de faca.
        Osmar remexeu-se na cadeira e parecia  controlado. O delegado sentiu que seria difícil extrair alguma coisa dele e tentou provocá-lo, falando com certa malícia.
        Mas ele não se alterou.
        - O senhor parece estar falando de outra pessoa. Minha mãe nunca faria uma coisa dessas.
        - Que outra explicação teria para esses fatos?
        Osmar respondeu:
        - Não sei.
        Monteiro olhou fixamente nos olhos dele querendo penetrar-lhe os pensamentos. Mas Osmar não parecia tenso, o que era inesperado. Afinal, sua mãe fora brutalmente assassinada e estava sendo considerada adúltera.
        - O que pensa que pode ter acontecido? Suspeita de alguém? Algum antigo empregado ou conhecido da família?
        - Minha mãe sempre foi uma mulher disciplinada. Costumava selecionar muito bem suas amizades. Esse acontecimento nos surpreendeu muito.
        Ela saiu para umas férias na Europa, estava um pouco cansada, só isso. Ainda estou tentando aceitar o que nos disseram. Não tenho nenhuma opinião sobre o fato. Aliás, eu vim esperando que o senhor me dissesse alguma coisa que pudesse nos dar pelo menos uma pista sobre o crime. Esse é um assunto que compete a polícia resolver.
        - Por enquanto não temos nenhuma pista. Estamos colhendo informações, buscando os motivos do crime e os possíveis suspeitos. O senhor não respondeu ao que lhe perguntei. Não suspeita de alguém, algum empregado que foi despedido ou algum parente insatisfeito?
        - Não. Sempre fomos educados e tivemos bom relacionamento com as pessoas que trabalham ou trabalharam conosco. Temos poucos parentes, que residem longe e com os quais apenas mantemos relações ocasionais.
       Monteiro suspirou. Seria inútil continuar o interrogatório com ele.
        Osmar tornou:
        - Eu já lhe disse tudo o que sabia. Se o senhor já terminou preciso ir embora. Pretendo voltar a minha cidade o quanto antes. Não posso ficar tanto tempo fora da empresa.
        - Não vai assistir ao enterro de sua mãe?
        - Claro que vou. Assim que o corpo for liberado, papai o levará para o Rio de Janeiro ela será enterrada no túmulo da família. Ele vai ficar aqui para tomar as providências necessárias.
        - Eu ainda posso precisar do senhor. Novos fatos poderão ocorrer.
        - Nesse caso, virei novamente.
        - Como era o relacionamento de seus pais?
        Pela primeira vez Osmar demonstrou alguma contrariedade. Aquele delegado estava sendo impertinente. Procurou controlar-se:
        - O que isso tem a ver com o crime?
        - Pode ter muito. E então?
        - Eles tinham um bom relacionamento. Meu pai sempre foi um marido atencioso e presente.
        - Eles nunca discutiam?
        - Não. Eles conversavam. Sempre foram educados e discretos.
        - Não se esqueça de que sua mãe estava em trajes menores ao lado de um homem mais novo do que seu pai. Ele pode ter descoberto tudo e praticado o crime.
        Osmar levantou-se indignado:
        - Apesar de tudo, meu pai não acredita que mamãe tenha sido amante daquele homem. Ela sempre foi uma mulher honesta. O senhor não pode falar assim dela.
        - Sente-se Sr. Osmar. Não conheci sua mãe nem sua família para poder acreditar no que está dizendo. O que tenho de verdade são os fatos e estes falam por si.
        Osmar estava pálido, esforçava-se para controlar a raiva. O delegado sentia que estava conseguindo chegar onde queria. Continuou:
        - Até prova em contrário,  Teresa era amante daquele homem e qualquer um de sua família está sob suspeita.
        - Isso é um absurdo. Meu pai nunca faria isso.
        - Um marido traído tem motivo suficiente para perder a cabeça. Um filho moralista ou querendo evitar que o pai descubra também pode cometer um crime.
        - O senhor está supondo errado. Quando aconteceu o crime estavámos longe daqui. Minha mãe era uma mulher rica, gostava de jóias. Pode ter sido um assalto.
        - Não creio. Segundo os peritos eles foram surpreendidos na cama pelo assassino ou os assassinos e mortos ali mesmo.
        - Pode ter sido mais de um?
        - Não estou certo. Mas é provável. Tudo deve ter acontecido muito rápido. Naturalmente, eles não esperavam ser surpreendidos.
        Aquilo tudo parecia um pesadelo e Osmar não via a hora de sair dali, respirar um ar mais leve. O delegado continuou:
        - Por enquanto estou satisfeito. Depois de reconhecer o corpo pode ir. Se eu precisar, o intimarei novamente.
        Osmar levantou-se e saiu. Na ante-sala viu o irmão, olhos vermelhos, rosto pálido. Aproximou-se dele:
        - Veja lá o que vai dizer ao delegado. Quando menos falar melhor.
        Vitório não teve tempo de responder. Um policial aproximou-se e disse:
        - Pode vir comigo.
        Vitório acompanhou o policial. Em seguida, Osmar foi abordado por outro que o acompanhou até o necrotério, que ficava próximo a delegacia e onde estava o corpo. Uma vez lá, disse logo:
        - É minha mãe.
        Estava com pressa de sair daquele lugar horrível. Mas foi forçado a olhar o rosto da mulher e dizer que a conhecia.
        O policial o dispensou depois de anotar o que ele dissera e Osmar voltou ao hotel.
        Vitório entrou na sala do delegado ansioso:
        - Doutor, antes de qualquer coisa eu quero ver o corpo de minha mãe!
        - Sente-se rapaz. Antes, vamos conversar um pouco. Você está nervoso. Quer um copo de água?
        - Obrigado, não é preciso. Não me conformo com a morte de minha mãe. Dói saber que alguém a matou de um modo tão cruel.
        Vitório a custo tentava reter as lágrimas.
        - Compreendo. Você sentiu muito a morte dela.
        - Mamãe era tudo para mim. Custo a crer que ela esteja morta. Por esse motivo, preciso ver o corpo. Meu pai pode ter se confundido... Ser alguém muito parecida.
        - Infelizmente, o corpo é dela. Não há engano.
        - Nesse caso eu quero olhar para ter certeza.
        - Quando sair daqui poderá vê-lo. Antes, quero que me responda algumas perguntas.
        Depois de pedir que ele desse seus dados completos ao escrevente, o delegado continuou:
        - Como era o relacionamento de sua mãe em casa?
        - Ela era uma dona de casa perfeita. Com ela tudo andava sempre bem.
        - Tinha um bom relacionamento com seu pai?
        - Mamãe sempre foi muito discreta. Não gostava de falar de seus  sentimentos íntimos. Com papai era atenciosa, cortês, assim como com meu irmão. Apenas comigo ela se permitia demonstrar seu afeto.
        - Por que ela fazia essa diferença?
        - Sempre tivemos muita afinidade. Eu também sempre ligado a ela. Como sou muito sensível e tenho a saúde mais delicada, talvez, por esse motivo, ela tenha se aproximado mais de mim.
        Monteiro olhou fixamente nos olhos de Vitório como a querer penetrar em seus mais íntimos pensamentos. Suspeitava que talvez ele soubesse mais sobre Teresa do que os outros.
        - E com seu pai, como é o seu relacionamento?
        - Apenas educado. Nunca tivemos nenhum afinidade. Sempre fui muito sensível e ele não aceita isso. Diz sempre que um homem deve ser forte. Culpava mamãe por eu ser tão emotivo, ela, porém, entendia-me. Percebia meus sentimentos e procurava apoiar-me.
        - Ele achava que você era mimado?
        - Talvez. Mas isso não é verdade. Sempre que eu cometia um erro, ela não deixava passar. Conversava comigo, chamando-me à responsabilidade.
        - Seu pai relacionava-se bem com Osmar?
        - Muito. Ele sempre foi o preferido. Os dois saíam juntos, conversavam muito e Osmar fazia-lhe todas as vontades. Tanto que até hoje trabalham juntos.
        - Seu irmão parece que é muito controlado. Apesar do que aconteceu, mostrou-se calmo.
        - Ele não se emociona com facilidade. Não sei como pode controlar-se tanto.
        - Seu pai também é assim?
        - Ele teve uma educação muito rígida. Minha avó o criou sem agrados e foi muito exigente em matéria de comportamento. Ele considera as emoções como fraqueza e empenha-se em dominá-las. Não quer parecer um fraco. Por esse motivo irrita-se tanto quando expresso minhas emoções.
        - Seu pai disse que nos últimos tempos sua mãe estava com depressão. Foi por essa razão que ela decidiu viajar para a Europa com uma amiga?
        - Eu implorei a ela que desistisse dessa viagem...
        - Não. Eu sentia que ela precisava de outras coisas.
        - Que coisas?
        Ele notou que tinha falado demais e tentou dissimular;
        - Um lugar calmo, no campo talvez, onde pudesse retomar a simplicidade e serenar a alma...
        - Teria sido esse o motivo de ela haver preferido São Paulo a ir para a Itália, conforme havia combinado?
        - Não sei o que teria feito mudar de idéia. Quando lhe pedi que não fizesse essa viagem ela disse que não podia de forma alguma deixar de ir.
        - O que você temia?
        - Eu estava com um triste pressentimento. De vez em quando eu tenho isso e quase sempre o que eu temo acontece. Eu sentia uma angústia muito grande quando pensava que ela faria essa viagem, mas  como não posso dizer por quê.
        - Esse seu pressentimento, infelizmente, realizou-se.
        - Ela viajou em companhia de Elvira, uma amiga dos tempos de faculdade. Você a conhece?
        - Não. Ela nunca foi a nossa casa.
        - Não achou estranho sua mãe de repente, aparecer com uma amiga e irem viajar juntas para Europa?
        - Eu estava muito angustiado e achei essa viagem precipitada e estranha.
        - Por que precipitada?
        - Porque ela só me falou nela dois dias antes de ir. Não era esse seu costume. Quando viajávamos, ela costumava programar com antecedência, checar todos os detalhes, principalmente quando era para sair do país.
        - Dessa vez então foi diferente?
        - Foi e isso só aumentou meu receio de que iria acontecer alguma coisa ruim.
        - Você suspeita de alguém que possa ter cometido o crime? Um empregado despedido, alguém insatisfeito, alguma pessoa que tenha se desentendido com ela?
        Vitório pensou um pouco, depois respondeu:
        - Não. Mamãe sempre tratou bem nossos empregados, as pessoas em geral. Nunca soube de alguém que nos odiasse a ponto de cometer esse crime.
        - Por hoje chega. Estamos procurando pistas e por mais insignificante que possa lhe parecer algum acontecimento, é melhor nos contar. Pode ser o fio da meada para descobrimos tudo.
        - Não me lembro de nada.
        - Se você se lembrar de alguma coisa, pode nos ligar a qualquer hora.
        O delegado chamou um policial e pediu que encaminhasse Vitório até o necrotério onde estava o corpo.
        Depois, o delegado foi se encontrar com o legista para conhecer mais detalhes sobre a autópsia dos corpos.
        Vitório estava trêmulo quando entrou no necrotério. Indiferente ao que se passava com ele, o policial levou-o até onde o corpo estava, abriu a gaveta e Vitório olhou para o rosto da mulher que estava lá. Depois, sua voz saiu com dificuldade, mas ele quase gritou:
        - Eu estava enganado! Não disse? Essa não é minha mãe!
        O policial olhou-o atônito, perdeu o ar de indiferença que mantinha e retrucou:
        - Vamos ver o nome: está escrito aqui, no cartão da gaveta: Teresa Borges de Azevedo.
        - Você está enganado. Essa não é minha mãe!
     
        
    
   

Onde está Teresa?Onde histórias criam vida. Descubra agora