CAPÍTULO 09

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        Osmar chegou ao escritório da empresa nervoso. Refugiou-se em sua sala, sentou-se diante da mesa e manuseio a correspondência que chegará durante os dias em que estivera ausente.
        Nenhuma notícia importante. O que ele temia não tinha se concretizado. Talvez seus adversários tivessem se dado por satisfeito com o que fizeram e dali para frente não o incomodasse mais.
        Apesar do golpe sofrido, ele podia dar-se por feliz com o resultado alcançado. Pagará uma quantia favorável. Podia tocar a vida para frente, sem que ninguém desconfiasse.
        Seu pai estava adoentado, deprimido, não se interessava mais em controlar a empresa. Ele poderia fazer tudo o que sempre sonharam. Quando entrasse mais dinheiro, ele poderia pagar o que devia e assim, limpar o caminho para continuar seus negócios. Quando vendesse aquela mercadoria estaria rico. Muito rico.
        Não haveria limites para ele. Em pouco tempo triplicata o capital. Com a mãe morta, o pai ausente, e um irmão que não tinha tino  comercial nem se interessava pelos negócios da família, ele teria o controle de tudo. Se Vitório o incomodasse, o internaria em uma casa de saúde de onde não o deixaria mais sair.
        Ele não notou que alguns vultos escuros o abraçaram, dizendo-lhe:
        - Você merece! É o mais inteligente, o mais lúcido o único que sabe mandar.
        - Família só serve para atrapalhar. Você não precisa dela...
        Embora Osmar não ouvisse as palavras, pensava:
        "Não preciso de ninguém. Vou ser muito rico e então terei o mundo a meus pés. Quero ver se Aurélia continuará indiferente depois que eu me tornar rico e poderoso! É ela quem virá arrastar-se a meus pés, implorar pelo meu amor".
        Nessa divagação, Osmar a imaginava em seus braços, louca de amor, desejando seus beijos, submetendo-se à sua vontade. A esse pensamento sorria enlevado. Para obter isso, faria qualquer coisa. Tiraria do seu caminho qualquer um que dificultadas seus planos.
        Ele era vencedor. Nenhuma mulher poderia rejeitá-lo como Aurélia fizera. Há dois anos, quando ele se declarara e a pedira em casamento, ela rira da sua emoção, tripudiar sobre os seus sentimentos.
        Rejeitado e vingativo, ele jurara conquista-la de qualquer forma. Era questão de honra. Essa mulher tão requentada, admirada em sociedade, ainda se atiraria em seus braços.
        Desde essa época, planejara que primeiro passo seria conseguir o que pretendia. Ele não queria esperar. Tinha pressa,  muita pressa. Então, resolveu entrar na marginalidade. Depois de pesquisar, decidiu entrar no comércio de drogas.
        Às escondidas, relacionou-se com viciados, fingindo-se ser um deles e conheceu alguns traficantes. Procurou os maiores. Assim que se sentiu bem informado, começou a desviar dinheiro da empresa para negociar drogas.
        Foi devagar. Fazia pequenos negócios. O pai era muito ativo, assinava os cheques, participava de tudo e ele não tinha como fazer o que planejara rapidamente.
        Mas com o tempo, tendo conseguido aumentar os negócios da empresa de maneira regular, captou a confiança de Alberto, que dividia com ele tarefas mais importantes.
        Osmar sempre fora o filho preferido dele, que sonhara deixar  a empresa para os dois filhos. Vitório não se interessava e, além disso, por ser hipersensível, acreditava que o filho fosse doente. O interesse do pai pelo trabalho irritava Osmar, desejoso de levar os planos adiante.
       Cada vez que ele via Aurélia assediada por outros homens, alguns dos quais mais importantes financeiramente do que ele sofria crise de ciúmes. Como não podia manifestar o que sentia, recolhia-se em casa e repassava seus planos como forma de enfrentar sua raiva.
        Aurélia, linda, indiferente ao assédio masculino, moça culta e rica, só pensava em divertir-se, aproveitar sua mocidade. Não desejava amarrar-se em um casamento que tiraria sua liberdade. O casamento dos pais e a convivência com a vida formal, ausente de amor que eles levavam e que ela odiava, fizeram-me fugir desse tipo de compromisso.
        Gostava de ir às praias, cantar, dançar, freqüentar festas e lugares da moda, viajar. Filha única de pais condescendentes fazia sempre o que queria, sem se preocupar com nada que não fosse seu prazer de viver.
        Mesmo assim, pela sua beleza, sua alegria e espontaneidade, eram amadas por todos e sempre bem recebida onde aparecia; sua reputação era muito boa.
        Osmar sonhava em tê-la só para si. Em ser exclusivo na vida dela. Era possessivo e não se confirmava com a vida que ela levava. Imaginava que quando se casasse , (ele não divida a que conseguiria isso) ela teria de fazer tudo como ele queria.
        O telefone tocou e ele atendeu:
        - É você? Por que está ligando para cá? Eu lhe disse para nunca fazer isso.
        - É que precisamos conversar. Surgiu um problema.
        - Eu lhe pago para evitar problemas. Aqui não quero tratar do assunto.
        - Tenho urgência em conversar com você.
        - Está bem. Hoje mesmo vou ter com você.
        - O quanto antes. Estarei esperando.
        - Não ligue mais para cá.
        Osmar desligou o telefone irritado. Um problema agora seria perigoso.
        Alguém bateu e ele lembrou-se de que não havia destravado a porta. Foi abrir.
        - O senhor desculpe, mas está aqui o Dr. Nunes para tratar do assunto do Anselmo.
        Era uma causa trabalhista e Nunes era advogado da empresa.
        - Eu tenho um compromisso importante e preciso sair.
        - O Dr. Nunes disse que tem urgência. A audiência é amanhã e o risco de a empresa perder é grande.
        - Ele pode entrar, mas que seja breve.
        O advogado entrou e embora Osmar desejasse sair logo, o caso era complicado e ele precisou ficar mais tempo do que pretendia. Só conseguiu deixar a empresa uma hora e meia mais tarde. Apanhou o carro, deixando-o no posto para lavagem. Disse ao atendente:
        - Capriche. Tenho um compromisso, volto daqui à uma hora.
        - Sim senhor.
        Osmar parou um táxi, deu o endereço e foi rumo ao subúrbio. Quando o carro parou diante da casa modesta, ele desceu dizendo:
       - Pode esperar. Não vou demorar.
        Osmar deu três batidas, a porta abriu e ele entrou. Um rapaz moreno, franzino, cabelos revoltosos, gestos nervoso disse logo:
       - Puxa como você demorou!
        - Não estou a sua disposição, sou um homem ocupado. O que é tão urgente que me fez largar tudo e correr até aqui? Sabe que não gosto que nos vejam juntos.
        - Hoje era dia de visitas e eu fui até o sanatório. Mas os médicos me chamaram e disseram que ela não pode mais ficar lá. Está dando muito trabalho e eles querem que ela vá para outro lugar.
        - Isso e um absurdo. Eles que coloquem uma camisa de força.
        - É melhor ir falar com o Dr. Ernesto. Eles se negam a fazer isso. Estou precisando de dinheiro. O que você deu acabou o Jair está reclamando.
        Osmar pegou a carteira e deu algumas notas dizendo:
         - Agora só tenho isso. Amanhã mesmo deposito mais naquela conta.
        - Está bem.
        Osmar saiu, entrou no táxi, foi pegar o carro no posto de gasolina e voltou para a empresa.
        Assim que chegou, ligou para o pai. Precisava saber como estava à investigação sobre o crime. Dinda atendeu:
        - Quero falar com papai.
        - É melhor ligar mais tarde. Ele está conversando com o advogado e não pode ser interrompido.
        - Advogado? Para que? Nós já temos um.
        Vitório apanhou o telefone:
        - Sou eu, Osmar. Papai está ocupado.
        - Que história é essa de advogado? Nós já temos um.
        - Ele é o investigador que contratei para descobrir onde mamãe esta.
        - Você continua com essa maluquice? Mande-o embora. Não há nada para investigar. Quero falar com papai agora mesmo.
        - O assunto é importante e não vou interromper. Papai  não está bem de saúde e não vou deixar que você perturbe ainda mais a cabeça dele. Se quiser falar com ele ligue daqui à uma hora.
        Vitório desligou o telefone e Osmar ficou com raiva. Ele precisava ter controle de tudo e não podia permitir que Vitório continuasse investigando.
        Respirou fundo e procurou controlar a irritação. Precisava de serenidade para decidir os próximos passos.
        A secretária entrou e entregou-lhe alguns recados anotados durante sua ausência. Ele passou os olhos rapidamente e deteve-se em um que dizia: "Aniversário de casamento do coronel Vilela às vinte horas".
        - Preciso me preparar. Não posso perder essa festa. Aurélia com certeza estará lá.  
        Chamou a secretária e indagou se o presente do casal Vilela havia sido enviado. Havia escolhido uma dúzia de rosas em um lindo arranjo e colocara dentro uma caixa de veludo com uma jóia para a esposa do coronel.
        Sabia que agradando a esposa, teria atenções do coronel. Ele não escondia a paixão que sentia por ela. Recebera a informação de que tudo fora feito conforme pedira. Osmar tratou de fazer o que era urgente e depois foi para casa. Queria descansar e preparar-se com esmero para ir à festa.
        Faltavam alguns minutos para as vinte e um horas quando Osmar parou o carro diante dos portões da casa do coronel Vilela e, entrou na alameda principal que conduzia à entrada da casa.
        Assim que parou diante da porta aberta que dava para o saguão, um rapaz elegante, vestindo terno preto, abriu a porta do carro dizendo:
        - Boa noite, doutor. Pode entrar, eu cuido do carro.
        - Obrigado.
        Osmar entrou no saguão finamente mobiliado; havia flores e podia se ouvir música que vinha do salão de festas.
        O coronel Vilela e Ester, sua esposa, estavam no saguão e apressaram-se a dar-lhe as boas-vindas. Ele era alto; forte; moreno; olhos, cabelos e bigodes castanhos; aparentava cinqüenta anos e vestia-se com sua farda de gala. No peito algumas medalhas. Ela era alta, magra, elegante e loura, demostrava uma postura altiva dentro de um vestido azul-noite. Portava algumas jóias de brilhantes que ressaltavam mais a beleza do seu vestido.
        Osmar cumprimentou, desejando felicidades pelos vinte e cinco anos de casamento. Trocaram algumas palavras rápidas, pois vários convidados estavam chegando e desejavam cumprimentar o casal.
        Osmar entrou no salão olhando em volta e sorriu satisfeito. Estava diante da melhor sociedade do Rio de Janeiro. Alguns políticos, mas Aurélia não estava. Ele sabia que ela costumava chegar sempre depois das onze, quando a festa estava no auge da animação. Osmar cumprimentou alguns casais amigos e depois se deter ao lado de Mércia, a filha mais velha do casal Vilela:
        - Você está linda como sempre. Fico-lhe muito bem esse vestido cor de prata.
        - Obrigada. Você sabe se Vitório virá?
        Ela sabia que os dois irmãos não saíam juntos.
        - Não. Ele viajou com papai.
        Mércia ficou silenciosa por alguns segundos. Havia lido os jornais, mais por delicadeza evitou comentar o assunto.
        - Eu não esperava que você viesse... Isto é... Eu pensei que você estivesse fora do Rio.
        Osmar assumiu um olhar triste. Baixou a cabeça e respondeu:
        - Eu vim porque não poderia deixar de cumprimentar seus pais neste dia tão importante para eles, e também para tentar esfriar um pouco a cabeça e sair da angústia que tem me consumindo. De nada adiantaria eu ficar em casa sofrendo, sem poder fazer nada para solucionar o problema.
        - O momento não é próprio e não quero ser indelicada, mas tanto eu como minha família, sentimos muito o que lhes aconteceu. Eu li que a polícia não tem certeza da identidade da mulher que foi morta.
        - De fato, esse é um problema difícil e a causa da nossa angústia. Mas mudemos de assunto, não quero entristecê-la em uma noite que deve ser de alegria e prazer.
        Alguns não disfarçavam a curiosidade, olhando-o de forma diferente.
        Se não fosse pela vontade de ver Aurélia e a esperança de que o notasse um pouco mais, ele não teria ido.
        Pensando melhor, decidiu adotar o ar de vítima, fingindo estar abalado com os acontecimentos. Em vez de fingir que nada acontecera, o melhor seria falar no assunto, mas de forma que as pessoas sofressem com sua desgraça e o vissem como um filho vivendo a perda não apenas da sua mãe, mas também da honra.
        Os artigos dos jornais exibindo os corpos mortos, meio desnudos sobre a cama, não deixavam dúvida quanto ao relacionamento dos dois. Osmar era inteligente o bastante para entender que ele nada valeria negar o fato. Mas se ele assumisse o choque, a dor terrível daquele acontecimento, iria se tornar uma vítima, as pessoas iriam aconchegá-lo, tentando minimizar seu sofrimento.
        Tendo decidido isso, Osmar adotou um ar melancólico, isolou-se e percebeu que alguns que antes o olhavam com curiosidade, passaram por ele, dando-lhe palmadinhas nas costas, sem dizer nada, mas querendo demonstrar que entendiam sua dor e estavam solidários.
        Osmar observava a tudo, rindo por dentro, pensando em como as pessoas se iludem facilmente.
        Aurélia chegou dentro de um vestido cor de mel. Seus olhos verdes contrastavam com o dourado de seus cabelos e combinavam com o colar e os brincos de esmeraldas que ela usava com distinção.
        Ela entrou no salão ignorando o burburinho que se fez com sua chegada. Olhando em volta, dirigiu-se a Mércia e abraçou-a com carinho:
        - Você está linda.
        - Não tanto como você.
        As duas se conheceram na infância. Suas famílias se visitavam e desde aqueles tempos elas tornaram-se amigas.
        Osmar aproximou-se, olhando Aurélia com admiração.
        - Como vai Aurélia? - indagou ele, com voz triste.
        - Bem. Não pensei vê-lo aqui esta noite.
        Osmar suspirou triste e respondeu:
        - Há momentos na vida em que é preciso superar a dor e reagir.
        Aurélia não se comoveu com o tom dele:
        - Quando a pessoa não está bem, é melhor ficar em casa para não incomodar a alegria dos outros.
        - Pois eu vim buscar um pouco mais da sua alegria para tentar sobreviver.
        - Não conte comigo para isso. Eu me sinto muito alegre nesta noite e não divido esse estado com ninguém. Com licença, vou cumprimentar alguns amigos.
        Ela afastou-se e Osmar mordeu os lábios com raiva. Era intolerável a maneira como Aurélia o tratava. Mércia tentou suavizar:
        - Aurélia gosta de brincar. Não leve a sério o que ela disse. Eu estou muito contente por você ter vindo.
        - Obrigado pelo carinho.
        - Estes dias tenho pensado muito em Vitório. Quisera poder fazer alguma coisa para consolá-lo.
        - Ele faz muito drama e sofre mais por esse motivo.
        - O aconteceu não foi um drama para você?
        Osmar retornou o ar triste que esquecera por alguns instantes:
        - Foi um drama para toda nossa família. Mas enquanto eu reajo, tento disfarçar a dor que estou sentindo, ele exagera porque foi sempre muito mimado.
        - Cada um tem uma forma de encarar os fatos.
        Algumas pessoas chegaram para cumprimentar Mércia e Osmar afastou-se. Sua atenção estava sobre Aurélia. Quem era aquele desconhecido com o qual ela conversava animadamente? Um rapaz alto, louro, corpo atlético, elegantemente vestido, cujos olhos azuis a olhavam com admiração? Ele precisava descobrir. Aurélia não costumava dar tanta atenção a um rapaz.
        Pouco depois, antes que ele pudesse satisfazer sua curiosidade, viu o casal dançando, um olhando nos olhos do outro, e a custa controlou o ciúme. Teve vontade de ir lá e arrancar Aurélia dos braços dele.
        Aproximou-se da dona da casa, dizendo:
        - Parabéns pela linda festa!
        -Obrigada. Sinto muito ao que aconteceu com sua família. Fico-lhe muito grata por ter vindo nos cumprimentar, apesar dos momentos difíceis que estão passando.
        Osmar baixou o olhar, fingindo tristeza.
        - Eu não poderia deixar de vir cumprimentá-los em nome de nossa família. Meu pai e meu irmão estão em São Paulo esperando a solução do caso. Depois, aqui todos são nossos amigos e eu me sinto mais aconchegado junto a vocês. Só não conheço aquele rapaz que está dançando com Aurélia.
        Ela olhou o casal dançando e respondeu:
        - Aquele é o doutor Augusto Mendonça, médico. O pai dele é muito amigo de meu marido.
        - Eu nunca o tinha visto.
        - Nem poderia. Ele morava nos Estados Unidos até a semana passada. Voltou ao Brasil para dedicar-se a pesquisas científicas patrocinadas por uma universidade americana.
        - Nota-se que é um moço fino e bem-nascido.
        - De fato. Além de lindo ele é tudo isso e muito mais.
        Osmar tentou ocultar a raiva, baixando os olhos. A partir daquele momento, ele não teve mais paz.
        O casal continuava dançando e conversando. Aurélia parecia estar muito bem ao lado dele, tratava-o muito diferente do que costumava tratar seus admiradores. Quando mais Osmar os via juntos, mais pensava que precisava ultimar seus projetos para que não viessem a fracassar.
        No dia seguinte tomaria novas providências a fim de conseguir o que desejava. Não seria por causa de um intruso que ele iria perder Aurélia. Seria muito bom que esse doutorzinho não se metesse no seu caminho, porque ele estava disposto a afastar todos os obstáculos.

  

    

       

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