Dois

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Atenção, tripulação. Simulação em quinze minutos. Todos a seus postos.

Olho para cima, escutando a voz de Rhi repetindo o aviso no sistema de comunicação da nave. Mais uma simulação. Passamos alguns dias sem elas, enquanto estávamos com Carol e os dois drillianos a bordo, mas elas já voltaram com força total. E eu queria muito saber o que estão fazendo nessas simulações, porque nunca me contam nada ou me deixam participar. Não importa que eu já esteja aqui há mais de dois anos, que tenha começado a treinar como piloto e faça parte das equipes de incursão: nem eu nem Sara temos permissão para saber o que são essas simulações.

E isso quer dizer que vamos ter mais algumas horas com a nave praticamente só para nós, porque vão colocar ela para fora da área de engenharia.

Viro no primeiro corredor à esquerda, indo para o elevador. Estava indo para a ponte de comando, porque em dez minutos começa o meu turno cuidando da comunicação, mas se vão fazer uma simulação não vou nem perder meu tempo. Melhor subir para o refeitório e aproveitar o tempo para comer em paz e sem nem um pingo de pressa. Com sorte, a cozinha vai estar vazia e eu posso fazer algumas experiências culinárias. Se alguém da tripulação estiver por lá, não vão me deixar nem sonhar em fazer isso.

Eu ainda acho que foi por causa dessas simulações que Drek me escolheu para ajudar Carol, quando ela embarcou. Estávamos tendo quase uma simulação por dia na época e na maioria das vezes elas caíam no meu horário de trabalho. Ao menos isso eu sei que foi coincidência, porque cansei de ouvir Rhi e Zima reclamando de como estavam tendo que trabalhar turnos duplos enquanto eu ficava à toa.

Saio do elevador e viro no corredor que leva para o refeitório. Pelo visto eu não fui a única que decidiu vir comer.

— Sara! — Chamo.

Ela se vira e para, um pouco mais à frente no corredor.

— Você sabia que estão fazendo uma festa para comemorar a aprovação das alterações? — Ela pergunta.

Balanço a cabeça. Não ouvi ninguém falar nada sobre isso.

— Aparentemente estão, no complexo Dyraiv em Nehyna — Sara continua assim que a alcanço, voltando a andar na direção do refeitório.

O que, na verdade, não é nenhuma surpresa. Pelo pouco que conheço de Gabi e das outras terráqueas que formam a parte mais "central" da força-tarefa, elas não perderiam a chance de fazer uma festa.

— Podiam pelo menos ter convidado a gente — falo. — Aposto que providenciaram coisas da Terra.

Isso é uma coisa que não nego que sinto falta. Às vezes eu só queria um copo de café quentinho, mas os aliens não têm café. E a versão deles de cafeína é ruim demais.

— Por isso que perguntei. Marina mandou mensagem perguntando porque não fomos. Pelo que entendi, não chamaram nós duas especificamente porque já tinham falado com Drek.

Paro e olho para Sara. Preciso de alguns segundos para localizar quem é Marina: outra das mulheres que estavam presas conosco e que ficou no Acordo, mas ela está trabalhando na nave que funciona como base móvel da força-tarefa. Ou seja, ela fica sabendo de praticamente tudo o que é decidido para a força-tarefa muito antes de nós. Se ela disse que falaram com Drek... Talvez ele tenha preferido não comentar nada porque estamos longe de Nehyna e não chegaríamos a tempo da festa, de qualquer forma, mas...

Já fazem dois dias desde aquela reunião. Se falaram com Drek logo depois, quando ainda estávamos sobrevoando o espaçoporto do Conselho, seria tempo mais que suficiente para chegarmos lá. Na verdade, daria tempo de dar umas voltinhas primeiro, especialmente agora que estão testando um propulsor novo que gera quase o triplo de velocidade.

— E Drek nem ninguém comentou nada — falo.

Sara assente e volta a andar. Suspiro e faço a mesma coisa. Isso está começando a ficar estranho. Nós podemos não ser parte do escalão mais alto da tripulação, mas Drek nunca escondeu as coisas de nós antes - porque não tem como pensar nisso de outra forma. Ele poderia ter comentado sobre o assunto, pelo menos, mas não falou nada. Não é como se eu só o visse raramente. Meu turno na ponte de comando quase sempre bate com o turno dele.

Entramos no corredor do refeitório bem em tempo de ver Drek saindo de lá. Certo. Respiro fundo e olho de relance para Sara antes de correr na direção dele.

— Drek!

Ele para e olha para trás. De novo, aquele olhar, como se estivesse conferindo se estou bem antes de relaxar. Às vezes eu realmente não entendo ele. Às vezes? Mentira. Nunca.

E talvez eu devesse criar um pingo de vergonha na cara e tentar manter alguma distância entre nós, também, especialmente se agora Drek está escondendo coisas de nós. Mesmo que ele seja meu ímã desde o começo e que eu não consiga parar de imaginar por que ele me olha desse jeito, talvez isso fosse melhor.

Bom, vergonha na cara nunca foi meu forte, mesmo.

— Você ficou sabendo da tal festa? — Pergunto.

Drek solta o ar de uma vez e ri em voz baixa.

— Devia ter imaginado que iam comentar com vocês. Estava planejando ir para lá, mas tivemos notícias de Nassi.

Levanto as sobrancelhas. Quando saímos de Nassi - o maior dos mercados do submundo e um lugar que normalmente Drek evitava - tudo estava uma zona. O plano maluco de Carol tinha terminado em uma luta aberta que se espalhou por todo o mercado quando as pessoas envolvidas no comércio de seres sencientes perceberam que tinham roubado informações deles. E, no meio disso tudo, Pryinala, que até então era conhecida mais ou menos como a rainha do comércio de informações, entrou no meio da luta e assumiu o controle de Nassi. Ou melhor, deixou claro que tinha forças para dar um jeito em todo mundo que não se aliasse a ela. Eu jurava que ela ia precisar de mais um bom tempo para conseguir colocar as coisas sob controle de verdade.

Drek assente e olha para trás. Sara já está nos alcançando.

— Sabia que isso ia chamar sua atenção — ele continua. — Nem tudo está organizado, lá, mas Pryinala conseguiu localizar todas as pessoas que estavam à venda. Gabi já foi avisada disso também. Dei prioridade para buscar os que estão lá, ao invés de ir para a festa.

E é por isso que eu gosto de Drek. Sabia que ele ia ter um bom motivo para não ter falado nada com a gente.

— Prioridades — Sara fala.

— Exatamente.

— E do jeito que Gabi é... — começo.

Drek sorri.

— Vamos ter outra festa logo depois que voltarmos de Nassi, com todas as pessoas. E aí vocês podem aproveitar.

Atenção, tripulação. Simulação em cinco minutos. Todos a seus postos.

— Já estamos indo para Nassi — Drek conta, olhando para o alto quando o aviso se repete. — A simulação provavelmente vai terminar depois do fim do seu turno, Talita, então aproveite para descansar. Você vai ser a responsável por coordenar a retirada de pessoal. Confira as informações que eles nos passaram, depois.

O que quer dizer que a simulação vai durar pelo menos cinco horas, já caindo no que chamam de de turno de sono da nave, quando a maioria da tripulação está dormindo. E quando eu acordasse e voltasse para a ponte, já teria que começar a organizar o que faria.

— Obrigada.

Drek assente, me olhando daquele jeito estranho de novo antes de se afastar depressa.

— Ah, esses olhares... — Sara comenta.

— É ele me encarando — respondo.

— Como se você não encarasse de volta.

Me viro para ela e paro. Certo. Eu estava encarando Drek enquanto ele se afastava. Sara ri e entra na refeitório, balançando a cabeça. Ainda olho para trás em tempo de ver Drek virar em um dos corredores mais para a frente. Problemas. Eu devia mesmo criar vergonha na cara, porque ficar encarando ele assim não vai levar a lugar nenhum.

— Ei, Talita, a cozinha está vazia! — Sara grita.

Entro no refeitório quase correndo e vou direto para a porta nos fundos do salão cheio de mesas. Hora de nos divertirmos, então.

Drekkor (Filhos do Acordo 6) - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora