Quatro

599 79 2
                                    

Ajudar a fazer inventário. Argh. Não que eu tenha algum problema com o trabalho em si. O problema é o que isso quer dizer: vai para onde você não vai correr o risco de ficar sabendo de nada, porque não podemos confiar em você. Depois desse tempo trabalhando com eles, de todas as missões, de ter sido a pessoa que ficou responsável por ajudar Carol quando ela estava aqui... Depois de estar me sentindo em casa e pensar que Drek confiava em mim, da mesma forma que eu confiava nele. Aí me vem essa. Ah, não.

Me levanto da cama e começo a andar de um lado para o outro dentro da minha cabine. Ter vindo direto para cá não vai fazer diferença nenhuma, na prática, mas pelo menos eu posso dizer que não abaixei a cabeça. Tudo bem que não teria dado certo se eu tivesse ido ajudar na enfermaria, de qualquer forma. Eu provavelmente já teria descontado a raiva em alguém que não tem nada a ver com isso. Conheço essa tripulação. Eles não fariam uma coisa dessas. Ou melhor, se fizessem, fariam de cabeça erguida, não desviando o olhar como quando Dsara me colocou para fora da ponte de comando.

Olho para a cama de cima da beliche. Aliás, onde é que Sara está? Porque sem me colocaram para fora da ponte, devem ter colocado ela para fora da engenharia também. Se tem outra parte da nave onde é certeza que vão comentar sobre alguma coisa importante, é a engenharia. Então ela não pode ficar lá.

A menos que o problema seja comigo, especificamente, e não por eu ser humana. Nesse caso não teriam motivos para expulsar Sara de lá. E se for isso eu não faço mais a menor ideia do que está acontecendo. Tenho quase certeza de que tem algo a ver com aquela mensagem que chegou logo antes de eu falar com Rhi. Mesmo que tenha sido tudo muito rápido, acho meio impossível uma coisa não estar ligada a outra. Não é normal chegar uma mensagem que não passe pelo terminal secundário de comunicação. E também não é nada normal me colocarem para fora assim.

Passo as mãos no rosto, ainda andando de um lado para o outro. Não é justo. Depois desse tempo todo, ser cortada desse jeito... E o pior nem é não poder saber das coisas. É eles esfregarem na minha cara que não confiam em mim. Que Drek não confia em mim. Isso não devia importar... Ah, foda-se. Eu estou trabalhando com eles há dois anos. É claro que importa. Mesmo se fosse qualquer outra pessoa que não Drek, importaria.

As luzes azuis brilham no teto. Ótimo. Só faltava isso. Alarme de aceleração. Me sento na cama e me seguro, contando mentalmente. Assim que chego a dez, sinto o solavanco da nave acelerando de forma brusca. Nessas horas eu não quero nem saber se o tal propulsor novo chega a uma velocidade três vezes maior que o normal, porque isso me faz sentir pena de todos os personagens de livros de ficção científica que eu li. Não é um caso de acelerar, sentir o solavanco e então se acostumar com a nova velocidade: aquela força continua me puxando de uma forma que não dá para ignorar, até que para junto com o alarme. Sempre assim. É por isso que costumam usar os propulsores novos quando a maioria do pessoal está dormindo e não vai notar.

A porta se abre de uma vez e Sara entra. Levanto as sobrancelhas. Então o problema não era comigo. Não sei se isso é bom ou ruim.

— Vão acelerar de novo — ela avisa assim que começo a me levantar.

Me sento de novo e ela se deixa cair de costas na minha cama. Um instante depois, as luzes azuis brilham.

— Te expulsaram da engenharia? — Pergunto.

— "Expulsaram" é delicado demais — Sara resmunga.

Travo os dentes quando sinto o solavanco da aceleração de novo.

— Pelo menos Dsara não ameaçou te tirar à força de lá.

Ela se senta de uma vez e olha para mim.

— Dsara ameaçou te tirar à força da ponte?

Assinto.

— Merda. Pensei que fosse só comigo... — ela fala e cai para trás na cama quando a nave volta para a velocidade normal.

Drekkor (Filhos do Acordo 6) - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora