Cinco

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Descer para o refeitório não foi uma boa ideia. Suspiro e tomo um gole de suco, resistindo à vontade de olhar ao redor. Fiz questão de esperar até o horário em que a maior parte da tripulação já comeu e foi trabalhar, e mesmo assim isso aqui está insuportável. E a mesma coisa de quando Dsara me colocou para fora da ponte de comando: todos que estão aqui estão tomando cuidado para não olhar na nossa direção e o clima aqui está pesado de uma forma que nunca vi antes. Não tem nem as conversas de sempre. Só estou ouvindo o barulho de talheres, e até isso consegue soar tenso de alguma forma.

— Eu só queria saber o que está acontecendo — resgmungo baixinho.

Sara resmunga alguma coisa de volta, tão baixo que não consigo entender. Se bem que às vezes ela nem falou nada, especificamente, só está concordando mesmo, porque ainda está de cabeça baixa e concentrada no seu sanduíche.

Respiro fundo e faço a mesma coisa. Quase me arrependo de ter descido. Quase. Mas nós duas já passamos um ciclo inteiro na nossa cabine, andando de um lado para o outro e tentando entender o que aconteceu. Sara me contou que também reparou que chegou uma mensagem para a engenharia logo antes de mandarem ela sair de lá. Não tem como isso ser coincidência, e duvido muito que não tenha nada a ver com as tais simulações. Talvez até tenham alguma ligação com o propulsor novo, mas nesse ponto admito que estou começando a forçar a barra. A questão é que passamos um dia inteiro a base dos biscoitos que fizemos enquanto a cozinha estava vazia e estamos com fome. Ia ser bom pelo menos conseguir comer sem essa atmosfera pesada.

— Quero um revezamento para buscar comida — falo.

Sara levanta a cabeça e assente antes de dar mais uma mordida no seu sanduíche.

Olho para o meu prato. Sério, já estou tão irritada que mal consigo comer, e estava morrendo de fome quando desci. Pelo menos até entendermos o que está acontecendo ou darmos o fora daqui - o que é uma possibilidade agora - é melhor fazermos estoque de comida e continuarmos no quarto. Menos estresse. Menos vontade de voar no pescoço de Drek. Quer dizer, acho que isso não.

Ontem, depois de mais dois pulsos de aceleração, Sara decidiu conferir até onde aquilo tudo ia. Eu até tinha pensado em fazer isso antes, mas não sei mexer no sistema tão bem quanto ela. E o que Sara descobriu só confirmava o que eu já estava imaginando: estamos só com as permissões de acesso básicas, as mesmas de quando viemos para cá pela primeira vez. Só podemos entrar nas áreas públicas da nave e até mesmo as cozinhas estão bloqueadas. Como se fôssemos pessoas de fora, desconhecidas. E isso foi uma coisa que me pegou de surpresa, de certa forma, mesmo que já tivesse pensado nisso. Não queria acreditar que Drek ia ir até o fim, mas as permissões eram uma prova que não eu não tinha como ignorar.

E tudo isso, mais o fato de que Drek está ignorando completamente as ordens que recebeu da força-tarefa, só me fazem pensar se é mesmo uma boa ideia ficar aqui. Se nós somos descartáveis assim - porque é essa a minha impressão - vale mais procurarmos algum lugar onde valha a pena ficarmos. Talvez a nave-base da força-tarefa, aquela monstruosidade com a tripulação mais misturada que eu já vi e com uma capitã daquela espécie que normalmente chamam de amazonas. Seria interessante ver o que eu conseguiria aprender lá, de qualquer forma. Não vou ficar em uma nave pirata - porque se Drek está ignorando seu contrato, é isso que voltou a ser.

Empurro meu prato meio cheio para a frente e olho ao redor. Nahm e Zima desviam o olhar na mesma hora.

Já deu. Definitivamente, já deu.

— Vou ver o que tem que dá para a gente levar — falo, me levantando.

Sara assente, sem levantar a cabeça. Dou a volta na mesa e vou na direção da bancada comprida que fica no meio do refeitório, com bandejas enormes espalhados em cima dela. Dependendo do horário, da ocasião, ou do quanto alguém está disposto a pagar, podemos pedir o que quisermos na cozinha, mas é bem raro alguém fazer isso. Ao invés disso, temos um buffet que funciona durante o dia todo, para atender todos os turnos de trabalho na nave. E eu já sei muito bem que a única coisa que sempre tem nele e que eu posso levar para comer mais tarde são as batatas-fritas vermelhas. Que seja. Encho um prato e vou para a saída do refeitório, olhando fixamente para a frente. Não quero ver mais ninguém virando a cara.

Drekkor (Filhos do Acordo 6) - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora