Tentando fugir da dor, deixou de ser quem era. Aceitou injustiças que jamais teria aceitado. Cometeu erros que nunca teria cometido. Tornou-se artificial, como as luzes de uma cidade à noite, que escondem as estrelas.
Eles nunca encontraram o hospital tão cheio quanto naquele dia. Na sala de espera, três casais de idosos estavam sentados, conversando com a atendente que abandonara sua mesa para se juntar a eles.
— Uma única dose é suficiente — disse ela. — Depois, precisaremos que permaneçam no recinto por algumas horas, apenas por precaução. Poderão ficar aqui ou, se preferirem, temos quartos disponíveis. Se estiverem com fome...
Ela parou de falar por um momento ao avistar Low e Mori adentrando o local. Acenou para eles, exibindo um sorriso que, na percepção de Mori, era propositalmente provocante, e devolveu sua atenção para as outras pessoas.
— Foi com ela que você conseguiu os equipamentos. — Mori deduziu enquanto passavam pelo corredor. — Mas agora terá que aturá-la.
— Não por muito tempo.
A jovem se preparou para atormentá-lo com seu olhar de julgamento — ou pelo menos tentar —, quando percebeu um detalhe que deveria ter reparado antes.
— Você não cobriu o pescoço! — Manteve a voz baixa apesar do tom de urgência.
— Está calor, seria muito suspeito — ele respondeu sem a menor preocupação.
— Será ainda pior se virem o corte!
Low olhou de relance para os lados e, após se certificar de que estavam sozinhos, sorriu com ironia e virou a cabeça para deixar sua nuca visível a Mori.
— Que corte?
— Você cobriu com maquiagem ou algo assim? — Ela perguntou ao constatar que o único sinal do ferimento era uma linha discreta.
— Ou algo assim. — O sorriso dele se apagou.
Ambos pararam diante da porta do quarto de Elias Crow.
— Ele deve estar muito emotivo — disse Low. — Hoje será o último dia em que poderá falar com ele; aproveite.
Abriu a porta e entrou, seguido por uma Mori incrédula.
— Espera! Low! O que você quer dizer...? — A pergunta morreu quando ela avistou Dr. Crow em pé, ao lado da janela, ainda no ato de virar-se para descobrir quem acabara de aparecer.
— Até que enfim chegaram — disse o doutor Crow, vestindo um semblante tranquilo, mesmo que a voz demonstrasse um ligeiro nervosismo. — Fiquei contando as horas o dia inteiro.
Ao ver o doutor ali, ostentando um sorriso frágil enquanto sabia o que estava por vir, Mori sentiu um forte ímpeto de chorar, entretanto segurou as lágrimas temendo piorar a situação.
— Poderia estar fazendo coisas mais produtivas do que contar as horas. — Low se acomodou na poltrona, ciente de que passaria o resto do dia ali.
— Tudo o que eu podia fazer já foi feito. Não me resta mais nada... a não ser esperar — disse o biólogo, conformado. — Quer que eu peça outra cadeira, Mori?
Antes de considerar a opção, o modo automático de Mori de não querer incomodar ninguém se precipitou em se manifestar.
— Não precisa. — Negou movimentando a cabeça também.
— Sente-se aqui, então. — O doutor se curvou para encostar a palma da mão na ponta da cama arrumada e depois retomou sua posição. — Hoje estou inquieto demais para sentar — continuou, olhando através da janela.
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Lua vermelha
Ficção CientíficaLiderada pelo biólogo Elias Crow, uma equipe de cientistas trabalha em uma pesquisa singular: a domesticação de harmínions, uma raça tão inteligente quanto os seres humanos, porém incompreendida e tratada como animais selvagens. Elliot, a única coba...