32. Azul cinzento

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No começo, apenas um. Depois, a divisão. No fim, a alteração. E uma cor se tornou outra.

Tudo espalhado, sujo e confuso; eram as palavras que descreviam o estado daquela salinha e da mente de Elliot. Não devia ter acordado. Não devia ter acordado naquele lugar. Não deviam ter feito isso com ele. Eles não sabiam de nada. Não sabiam de nada!

— Eu não devia tá aqui... — A voz dolorida de Elliot foi sufocada pelo choro silencioso.

Se ainda houvesse alguém naquela salinha que pudesse enxergar, veria o harmínion parado no corredor, olhando dentro da sala e arranhando o próprio braço — um ato de desespero, autoflagelação ou descrença na realidade.

— Vocês não podem mexer... — soluçou, as pupilas vermelhas recusando-se a desviar do chão da sala — ...com o que não sabem.

Apertou com força o braço arranhado e prendeu os soluços ao ranger os dentes. Afastou-se até sentir a parede do corredor em suas costas. Já tinha passado por essa sensação abrasadora e atordoante. Estava perdido outra vez. Muitos pensamentos o rodeavam; muito mais do que ele lembrava possuir. Parecia que vivera duas vidas distintas.

— Que eu faço agora? — perguntou a quem não podia respondê-lo.

O cheiro chamou sua atenção. Passou os olhos sobre o próprio corpo e notou a umidade ao ver as manchas escuras que o cobriam. Era sangue... de novo. As pupilas ficaram finas como agulhas. Ele cobriu a boca e trancou o nariz, soltando o braço. Precisava sair de lá.

Caminhou na velocidade que a tontura permitiu, os pezinhos descalços deixando pegadas vermelhas e desalinhadas pelo corredor.

Mori custava a acreditar que estava em um carro a caminho do laboratório de um cientista com o objetivo de resgatar um harmínion

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Mori custava a acreditar que estava em um carro a caminho do laboratório de um cientista com o objetivo de resgatar um harmínion. Ah! Do outro lado do veículo havia uma pessoa que se dizia ser uma cópia e, além de ter roubado a identidade do original, envenenara a mente dela com dilemas. Uma situação bem diferente do que a Mori de antes — filha perfeita e exemplo da sociedade — estava acostumada. E por mais assustador e indecente que parecesse, estava gostando daquilo! Talvez "gostar" fosse uma escolha exagerada de verbo. Ela queria... não... ansiava pela resolução. Adrenalina era uma iguaria que a Mori do passado provava em colheres de chá e apenas uma vez ao ano — normalmente no período de provas escolares —, nunca imaginando que poderia desfrutar do sabor. Era tão estranho se recusar a retomar o caminho da normalidade, que chegou a questionar se ela mesma também não era uma cópia da Mori original.

Apesar desses sentimentos contraditórios e instigantes, não estava saltitando de felicidade. Dentro da aventura — ao menos para ela era uma aventura — existiam seus próprios conflitos. O joguinho mental de Low aturdia seu espírito. A maioria dos meus órgãos internos não é originalmente minha; sem dúvida era verdade porque se encaixava com o fato de que Low foi uma cobaia de um experimento sobre órgãos. A frase parecia exagerada, entretanto a jovem não pôde desviar do pensamento que questionava quantas operações foram realizadas até chegar àquele intento. Sentiu calafrios. Operações eram muito... invasivas e primitivas, existindo, nos dias atuais, somente em histórias sobre a antiguidade ou — ela ouviu falar — em ações beneficentes de ajuda aos uncodeds. Realizar esse tipo de procedimento era uma barbárie. Nem Elliot foi submetido a isso.

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