Estava quente. E seguro. O medo, por fim, começava a se dissipar.
Ao entrar em casa depois de um longo período fora, a primeira coisa a se fazer, em um imóvel moderno, seria ligar o scanner de limpeza para remover o pó da superfície do chão e dos móveis, e foi exatamente o que ele fez. Talvez fosse o cheiro de pó que estivesse bloqueando suas sensações de nostalgia, ou, no fim das contas, não conseguia mais ver este lugar como um lar. Não importava agora, nem faria diferença depois, pois iria vendê-lo.
Felizmente o scanner funcionava quase de forma instantânea. Levou o tempo exato de juntar as malas no canto do quarto e, quando se jogou no colchão nu da cama, o pó ali desaparecera, apesar de o cheiro de desuso persistir. Talvez comprasse um aromatizador de ambiente; ajudaria na venda.
Preferia doar o imóvel a Maurício, afinal sentia que nunca poderia pagar a dívida entre eles. Nunca alguém fez tanto por ele quanto o amigo. Todavia, como Maurício recusou a gentileza alegando que Low deveria fazer um melhor uso do dinheiro, agora ele teria o trabalho de encontrar uma imobiliária.
E sempre planejando em como poderia tirar vantagem desse tempo "perdido", Low gastaria alguns dias verificando as condições da casa, despistando, assim, qualquer um que pudesse estar seguindo seus passos. Não que acreditasse que alguém estaria seguindo-o, entretanto seria prudente não ir direto da mansão de Crow para a chácara de Maurício, onde Elliot estava.
Os pensamentos o levaram para o mais reconfortante de todos no momento: finalmente saíra da mansão. Não havia ninguém andando pela casa, sem contar sua própria sombra, e isso era tão aconchegante que poderia estar sonhando. Contudo seu vínculo com a realidade foi comprovado ao ouvir o toque perturbador do celular, também jogado na cama como ele — era uma pena o aparelho não ter sofrido nenhuma avaria que afetasse seu funcionamento quando Low o derrubou de propósito.
O nome na tela informava que era Crow ligando — o que foi suficiente para acabar com qualquer alegria momentânea que sentia. A chance de ser uma ligação importante era extremamente baixa. Low sabia onde Elliot estava e, se houvesse algo errado, seria Maurício ligando e não Crow. Então, sem ser movido pela necessidade de atender, desligou o aparelho e o largou na cama, virando-se para o outro lado e dormindo quase de imediato.
No dia seguinte, Low retirou somente algumas mudas de roupas das malas. Se antes estivera ansioso para voltar, agora percebia o quão errado estava em achar que ainda se sentiria bem naquele lugar. Todos os cômodos eram compostos por paredes cercando um vazio que, outrora lhe trazia paz, agora inquietava sua mente. Não passaria outra noite naquela casa.
Foi até a imobiliária, ainda de manhã, para colocar o imóvel à venda e depois se registrou em um hotel para passar os próximos três dias. Tecnicamente não havia mais nada a fazer nessa cidade, no entanto, por alguma razão, não conseguiu trabalhar em seu projeto no quarto do hotel. Por alguma estranha razão, encontrava-se incapaz de se concentrar. Tinha uma vontade de sair e ir a um lugar diferente, uma vontade que cutucava seus pensamentos de forma perturbadora. Depois de duas horas de frustração, ele desistiu do projeto — por hora.
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Lua vermelha
Science FictionLiderada pelo biólogo Elias Crow, uma equipe de cientistas trabalha em uma pesquisa singular: a domesticação de harmínions, uma raça tão inteligente quanto os seres humanos, porém incompreendida e tratada como animais selvagens. Elliot, a única coba...