Como fugir quando não se sabe que está preso dentro da própria cabeça?
Era um salão magnífico, com detalhes minuciosos esculpidos em cada porta de madeira e cada pilar de mármore. O teto era alto o suficiente para caber uma casa de três andares lá dentro. Nas laterais, as janelas verticais ocupavam do teto até o chão, com figuras em relevo acompanhando toda a extensão, lembrando gotas de chuva escorrendo pelo vidro; a luz solar que entrava por elas manchava de dourado o piso brilhante. Era um local de silêncio, invadido apenas pelos sons de soluços abafados e um volume baixo de conversa; nenhum deles vindo da mulher sentada ao lado de Mori, no banco mais próximo do altar nos fundos do prédio.
De cabeça baixa, a jovem escutou as despedidas de parentes e colegas de Maurício, aqueles dispostos a se postar no altar, atrás de uma bancada, e compartilhar seus pensamentos diante do corpo, que jazia em uma mesa alta com centenas de flores circundando-o.
Durante todo o tempo, Sílvia permaneceu ainda mais imóvel do que Mori. Aparentemente ela não ouvira um discurso sequer, mantendo a vista fixa em um ponto à frente, resoluta em ser uma estátua.
— Não quer dizer alguma coisa... Sílvia? — Mori perguntou com delicadeza, adicionando o nome ao não receber nenhuma indicação de que foi ouvida.
Aquele momento era de despedida. Era o objetivo do funeral. A jovem pensou que, talvez, expressar a dor faria bem à enfermeira.
— Se eu abrir a boca para falar qualquer coisa... — a voz da mulher demonstrava firmeza e ferocidade, entretanto não de forma ameaçadora — ...vou falar muito mais do que deveria.
Não era somente dor; Sílvia estava revoltada. Mori aceitou a resposta. De todas as pessoas presentes ali, as duas eram as únicas que estavam cientes de que a causa da morte era uma mentira; e disfarçar o conhecimento dessa injustiça exigia um grande controle emocional.
Voltando sua atenção para a mesa florida, a jovem observou a serenidade no semblante de Maurício, enquanto suas mãos, que estavam em seu colo, apertavam-se com força.
No fim do funeral, as pessoas se despediram de Sílvia; ninguém questionou o silêncio da mulher.
Mori, sentindo-se desconfortável por invadir esses momentos pessoais, tentou afastar-se apenas para ser puxada de volta por Sílvia, que grudou a mão em seu braço. Em silêncio, ela respeitou o desejo da enfermeira que — seu coração se despedaçou ao pensar na palavra pela primeira vez — agora era viúva.
Após ouvir várias pessoas e segurar-se para não chorar várias vezes, a jovem sentiu outro aperto no braço. Olhou para Sílvia e encontrou pupilas afiadas, que tentavam transmitir uma mensagem secreta. A atenção das duas se voltou ao mesmo tempo para a mulher que se aproximava.
Era mais alta do que Mori e usava um coque não muito apertado, deixando escapar algumas mechas do cabelo castanho claro. O nariz estava vermelho e ela não parava de levar um lenço aos olhos, também vermelhos, determinada a conseguir que seu rosto ficasse seco por alguns minutos.
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Lua vermelha
Ciencia FicciónLiderada pelo biólogo Elias Crow, uma equipe de cientistas trabalha em uma pesquisa singular: a domesticação de harmínions, uma raça tão inteligente quanto os seres humanos, porém incompreendida e tratada como animais selvagens. Elliot, a única coba...