Capítulo Nove: Gustavo

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Eu ainda não estava acreditando que eu havia levado o bolo. Era simplesmente incompreensível. O cara me chamara pra sair e depois sumira do mapa. Bom, eu sabia que havia uma chance de ter acontecido alguma coisa, eu sabia que ele era médico, poderia ter tido uma emergência, ou ele simplesmente tivera decidido que não queria ir me encontrar. Talvez era apenas uma 'brincadeira' de muito mal gosto. Muitas eram as possibilidades.

Então porque eu fiquei duas horas e meia o esperando? Eu também não soube responder. E por que eu estava arrasado? Também não sabia responder. Mas quando eu percebi que ele não iria mesmo, levantei, paguei a conta, e fui embora.

Claro que não fui embora pra minha casa, parei no primeiro bar que encontrei. Pedi logo uma dose de tequila. Pra que começar com coisas fracas? Eu não iria trabalhar, não teria nada a perder...

Foram vários shots muitas lágrimas e muita falação. Fiquei aqueles bêbados chatos que enchem o saco de todo mundo ao redor com a mesma história, uma e outra vez, pelo menos uma coisa era novidade. Eu estava falando abertamente que havia levado o 'bolo' de um homem, e não estava dando a mínima para o que os que me ouviam estavam pensando. Um moça que estava lá, talvez na mesma situação que eu, me escutava e me dizia sem parar:

"Hey te entendo, não liga não, lindo do jeito que você é quem saiu perdendo foi ele. Quisera eu ter um homem como você a minha disposição." O comentário dela talvez fosse para me ajudar, mas não, eu só sabia choramingar e lamentar...

Então meu celular começou a tocar. Era minha mãe. Caramba, eu havia me esquecido que minha mãe ia me ver. Eu atendi, disse a ela que estava em um bar, e mandei a minha localização por mensagem e esperei até que ela apareceu.

"Meu filho, o que foi que aconteceu com você? Desde que horas está bebendo?" Eu devia estar podre. Com o olho murcho, e agora estava choramingando.

"Xiu, me leva embora. Meu carro está ali." Movimentei a mão segurando um copo com 'água' dentro e sem querer derrubei um pouquinho na camiseta dela. "Em casa a gente conversa."

Minha mãe pagou minha conta, mas não sem eu pedir uma garrafa inteira de tequila antes, e nos levou para minha casa.

Eu abri a porta sem muita dificuldade, mas cambaleando vez ou outra, estava mesmo muito bêbado.

Entrei, tomei banho, e a última coisa que me lembro foi de me deitar em minha cama, apenas de samba canção e do olhar triste da minha mãe.

Não sei quanto tempo dormi.

Meus olhos se abrem e imediatamente sua imagem inunda minha mente, tão vivida quanto a olho nu. Aquele belo rosto, emoldurado com uma densa barba e seus olhos verdes penetrantes que tanto mistério carrega.

"Como pode alguém afetar uma pessoa desse jeito?" Em minha mente grito essa pergunta, mas na realidade apenas encaro o teto e sinto uma lágrima robusta se formar. Não quero chorar pela milionésima vez, mas não consigo.

Lembrei de como o conheci.

Agora era o fim.

A vida real me toca. As lembranças de toda emoção vivida nos últimos dias nem eram tão fortes assim para que eu continuasse chorando.

Levanto da cama. Sinto o cheiro de café, e então me recordo de que não estou sozinho. Minha mãe está ali comigo, e provavelmente vai querer conversar. Procurei pelo meu celular e vejo que ele está sem bateria. O conecto no carregar e sigo ao banheiro.

Minha mãe ouve minha movimentação e grita desde a cozinha.

"Bom dia, dorminhoco. Já é quatro da manhã. Estamos no domingo. Tudo bem com você?"

Nossa, meu sábado havia passado e eu nem percebi. Sinto muito por minha mãe. Certeza que ela estava acordada a essa hora de tanta preocupação.

Não demoro no banheiro e vou até ela, sinto meu corpo reclamar, resquícios da bebedeira.

"Oi mãe, estou bem. Me desculpe por ontem. Não era para a senhora ter me visto naquele estado." Eu não consigo encarar ela.

Sabia como sempre fora, me serve uma xícara de café e segura meu rosto com delicadeza em seguida, antes de falar:

"Eu sei que sente muito, mas precisamos conversar."

"Sim. Precisamos." Eu finalmente a encaro. É chegada à hora da verdade. "Sente-se mãe, por favor." Sinto minha mão suando. Eu vou mesmo contar a minha mãe que sou gay. Que me decepcionei tantas vezes comigo mesmo que não me surpreendera o fato de levar um bolo, e que provavelmente o médico que sempre me atendia no hospital quando chegava no fundo do poço tenha mesmo razão, eu provavelmente devo sofrer com alcoolismo.

"Desde quando você bebe desse jeito?"

Ela é bem direta. Eu havia me esquecido disso. Não sabia responder ela. Eu não sabia realmente quanto tempo fazia que eu bebia daquele jeito, mais um sinal que havia se tornado um problema em minha vida.

"Se não sabe me responder isso é porque faz tempo demais."

Ela tem razão.

"Eu sei, mãe. Me desculpe."

Ela me olha de uma forma severa, mas sem perder o amor. Eu sinto tanta vergonha que gostaria que ela não estivesse ali. Meu rosto está vermelho, posso senti-lo queimando.

"Pare de me pedir desculpas... Precisamos fazer alguma coisa a respeito, e não vou aceitar não como resposta."

O que ela estava querendo dizer com isso?

"Como assim, precisamos fazer algo?"

"Gustavo, você deve estar doente. Alcoolismo é uma doença. Não vou deixar isso continuar. Vamos procurar ajuda. Vamos procurar um tratamento, santo Deus."

Tá, agora ela estava muito séria. Como eu iria dizer a ela que sou gay? Que agora eu me aceito como sou, e que provavelmente esse pequeno problema com a bebida pode desaparecer... Mas a quem eu estou querendo enganar? A primeira 'decepção' e onde vou parar? Em um bar... 

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