Capítulo 1

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Diego

Nestes 27 anos, a única coisa que perdi foi a chance de deixar o meu pai se explicar. Eles se separaram após o episódio e, infelizmente, hoje faz cinco anos do seu falecimento. Talvez esta angústia esteja relacionada ao remorso, pois ele tentou muito se aproximar, porém eu não permiti.

Respirei fundo com as lembranças no momento que parei meu carro em frente à universidade onde minha prima Tainá cursava Biologia.

— Pelo suspiro devo concluir que a saudade bateu — comentou ela humorada.

Concordei de cabeça e desviei os olhos, encarando-a.

Ela era tão bonita! Admirava pacas a forma dela se vestir. O macacão preto e justo revelava ainda mais a sua silhueta de modelo, seus cabelos curtos e repicados, tingidos de um loiro platinado, a deixavam ainda mais sofisticada. Além de que ela tinha uma linda voz, faria sucesso com a sua excelente extensão vocal. Mas, infelizmente, seu talento a levou para a área de Ciências. Fazer o quê?

— Quem não sente saudade da época da faculdade? — perguntei respirando e balançando a cabeça passa dissipar o passado da minha mente.

Boa época aquela. O fato de estudar música e ter uma pequena banda, que formei com alguns amigos, atraía garotas de montão. Era uma farra generalizada que deixou saudades, embora, na minha profissão e mesmo hoje nos bastidores, fosse ainda rotineira.

Ela caiu na gargalhada duvidando.

Enquanto analisava o campus, que ocupava um quarteirão de um bairro supervalorizado de São Paulo: um edifício fenomenal, uma torre imponente com janelas e portas espelhadas azuis. Vivia uma espécie de nostalgia olhando aqueles jovens entrando e saindo a todo instante pelo portão, meu cérebro fazia uma espécie de retrospectiva trazendo as boas recordações do meu tempo de faculdade. E Tainá sorria, me olhando, enquanto tirava o cinto de segurança.

— Com a vida glamorosa e ocupada que você vive, acho improvável que se lembre.

Acenei de cabeça pensando um pouco na minha vida.

— Tempo para mim é raridade — admiti —, mas, quando consigo um resquício dele, as engrenagens do meu cérebro fazem um tour de volta no tempo.

Mais uma vez sacudi a cabeça com a imagem do meu pai ferido e nu caído no jardim querendo se achegar. Ficou como uma cicatriz evidente.

Ela apertou os olhos em advertência.

— Deixa eu já avisar que não aceito "resquícios do tempo". Quero que meu baile de formatura seja inesquecível.

— Sim, senhora! — Rindo, eu inclinei beijando sua face macia, porém mesmo assim ela não se deu por satisfeita. Seu rosto contraído, descrente, me fez rir ainda mais. — Vai ser o melhor de todos os tempos — afirmei olhando em seus olhos vacilando querendo sorrir.

— Só se você estiver presente, já furou tanto comigo que temo que o faça mais uma vez. E outra: já avisei minha professora de Biologia que você vai fazer par com ela. Faço questão que vocês dois sejam os meus padrinhos na formatura.

— Vou fazer o possível! — brinquei, embora estivesse mesmo preocupado.

— Seu bobo! — Ela bateu no meu ombro rindo. — Eu mato você se faltar.

— É claro que não vou faltar, Tainá. — Inclinei e beijei sua face novamente. — Agora desça logo que tenho mil coisas para fazer e ficar livre para o grande baile de amanhã à noite.

DEVORADOR DE CORAÇÕES - PARTE 1 DEGUSTAÇÃO.Onde histórias criam vida. Descubra agora