Vida ou Morte

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Bom, minha vida não tem nada de tão diferente da vida de todas as jovens normais, exceto pelo fato de que eu sou apaixonada pela morte, eu sei que parece clichê mas não é nada romântico como a maioria dos livros prega, é difícil se amar alguém que você não pode ter. Eu consigo vê-la raras vezes quando estou sob efeito de remédios para dormir, ou quando eu exagero um pouquinho no álcool ou quando eu misturo os dois. A minha vida é uma sequencia de pequenos suicídios sempre na esperança de poder vê-lo mais uma vez. São raras as vezes que consigo vê-lo enquanto durmo, as vezes eu consigo sentir a proximidade dele mas não o posso ver, as vezes quando morre alguém próximo, não sei como funciona essas coisas. Eu nunca acreditei em ceifadores, na minha concepção as pessoas simplesmente morriam e acabou, acho que isso se dava pelo fato de eu ver gente morta todo dia, várias vezes ao dia inclusive. Eu era residente do necrotério de ThroneHill e como era uma cidade relativamente grande ocorriam várias mortes.

Estava quase no feriado de ação de graças e eu estava voltando para casa, para visitar meus pais depois de quase um ano sem vê-los. Por algum motivo desconhecido estava nevando e eu dirigia de carro sozinha, eu sabia dos perigos da neve mas não hesitei em ir, eu queria realmente ver minha família, faltava pouco para eu terminar a faculdade, pouco mais de um ano, e eu acho que essa era a ultima vez que eu os veria antes da minha formatura.

Eu seguia pela Rota 361, não estava em alta velocidade e ouvia música, eu sempre fui apaixonada por música e não conseguia ouvir em volume baixo, mas dentro da cidade eu não podia ouvir tão alto então apenas aproveitei. A rota 361 é bem sinuosa e conhecida por ter curvas muito fechadas e isso, especialmente no inverno, era uma coisa muito perigosa.

Faltava cerca de 4km para chegar a minha próxima parada que era Riverdale, eu sempre parava em uma lanchonete 24h para comer um hambúrguer, tanto que acabei fazendo amizade como dono, Pop, ele era sempre muito gentil comigo e praticamente me obrigava a levar uma porção de batata extra, acelerei um pouco o carro para chegar mais rápido mas começou uma tempestade de neve e eu não podia parar o carro porque a rodovia não tinha acostamento então segui mesmo tendo só uns 40% de visão da estrada, por algum motivo eu não vi a curva e bati em cheio na proteção lateral, que não foi o suficiente para conter o carro que capotou na rodovia, eu senti o carro capotar umas 3 vezes antes de perder a consciência, acordei deitada na neve com um rapaz estendendo a mão pra mim e dizendo para eu o acompanhar, eu não sentia nenhuma dor no corpo então creio que o cinto tinha me salvado.

— Oi – ele disse e eu pensei em primeiro perguntar quem ele era, mas eu achei que seria muita indelicadeza de minha parte então apenas respondi.

— Oi

— Você está bem?

— Creio que sim – disse conferindo se tinha algum machucado

— Tá tudo bem, você não está ferida.

— Não? Mas meu carro capotou, como estamos aqui?

— Bom, eu te trouxe aqui para descansar um pouco.

Eu fiquei meio em dúvida, quem era ele? Mas curiosamente eu me sentia confortável ali

  —  Você é da faculdade? eu sinto que te conheço de algum lugar

—  Não, eu estava apenas passando por aqui e vi seu carro e decidi ajudar

Por algum motivo aquela frase mexeu comigo, eu senti alguma coisa no meu estômago, foi até engraçado, eu não acreditava em paixão a primeira vista nem nada mas alguma coisa nele me chamou atenção e não era a sua aparência, era a aura de mistério que emanava dele, alguma coisa ali queria que eu perguntasse mais sobre ele mas eu não queria invadir o espaço dele.

—  Ei, você tem um telefone para me emprestar? Eu queria avisar os meus pais

—  Eu não tenho telefone, mas sei quem pode te ajudar

* Visão de Kieran *

Ela era, sem dúvidas, a pessoa que eu menos quis ceifar, ela parecia ter tanta vida pela frente, meu trabalho as vezes é uma droga, eu já faço isso há mais de mil anos, as vezes cansa, eu sou sempre sinônimo de desgraça, no começo eu tinha um certo prazer em fazer isso mas depois? Depois eu simplesmente percebi que ninguém nunca me queria por perto, nem mesmo as outras entidades e minha vida foi sempre longa e solitária, eu pedi a Deusa Tríplice e ao Deus Cornurus permissão para, pelo menos, conversar com eles antes de entrega-los ao barqueiro e eu conversava com eles durante o caminho, ouvi várias histórias mas as vezes era ainda pior conversar com eles nesse caminho.

—  Você pode me acompanhar pela floresta? - Eu disse 

— Ah, mas eu preciso voltar pra casa, minha família está me esperando pro jantar de ação de graças. - Ela disse e eu suspirei, não dificulta meu trabalho moça.

* Visão de Kiana *

Eu percebi que a expressão dele se fechou, parecia de tristeza e isso me fez convida-lo para estar conosco.

— Ei, você tá sozinho aqui? Pode vir jantar conosco, se quiser...

— Eu não posso, tenho outro compromisso – ele disse se levantando

— Espera – eu disse segurando o braço dele – Quem é você?

E o rosto dele mudou e surgiu um capuz preto em sua cabeça, vi uma certa tristeza em seu olhar enquanto ele pensava no que responder

— Eu sou o Ceifador, vocês me chamam de Morte.

E eu acordei deitada na neve, um bombeiro tentava me acordar, minha cabeça latejava e eu não via mais aquele que estava conversando comigo a poucos minutos

— Moça? – disse o bombeiro, eu tentei encara-lo mas minha visão estava muito turva e eu não enxergava muito, tentei dizer alguma coisa mas minha boca não se mexia, eu não tinha forças

E de repente tudo ficou preto, eu desmaiei. Imersa em meus pensamentos eu só pensava nele, "Eu sou a morte" que espécie de enigma era esse?

O beijo da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora