quatro ➳ The blame

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Acordei um tanto mal discosta e cheia de dores de cabeça. Levanto-me devegar e caminho até ao corredor. Observo uma pequena multidão eufórica de enfermeiras e médicos à frente do quarto 129. Pergunto-me o que se passará naquele quarto, outra vez. Ando calmamente até lá. Nos primeiros minutos só conseguia ver cabeças, mas depois abriu um pequeno espaço, o suficiente para eu conseguir ver.

A rapariga do outro dia estava deitada na cama.


Estava mais palida do que o habitual.


As pessoas da frente moveram-se mais um bocado, dando me uma visão perfeira do que tinha acontecido naquela sala. A rapariga estava imóvel. Os olhos estavam agora sem cor nem brilho a olhar para o vazio. Os lábios estavam secos e brancos. A bata de hospital estava ensanguentada, tal como a cama. O seu peito já não movia e tinha uma certo objecto, que ainda não consegui identificar, espetado na zona do coração. Estavam dois médicos a desigar as máquinas ligadas.


"Menina Sherwood?" alguém me chama. Não quero que ela fale comigo, ou alguma coisa do género, por isso continuo fixa na rapariga pálida. Uma enfermeira, com uns 23, 24 anos, atravessa-se no meu caminho. "A enfermeira May pediu-me que cuidasse de si enquanto ela tem outras coisas para fazer." ela informa-me.


"Vamos, venha sentar-se na sua cadeira perferida." ela pede enquanto agarra no meu braço. Desprendo-me da sua mão. Assim que me sento ela senta-se na cadeira ao lado.  "Sabe que estamos em Nova York, certo?" ela pergunta. Limito-me a continuar a olhar para as minhas mãos, pousadas nas minhas pernas.


"Estamos quase no natal. O que significa que vamos decorar isto, e a enfermeira May disse-me o quanto gosta de ver o edifício decorado." é verdade eu gosto de ver isto decorado. Não é por ser mais bonito ou por ter muito vermelho. É simplesmente porque gosto das decorações. São relusentes e coloridas. E atraem a minha atenção. Também gosto do natal porque as enfermeiras costumam acender a lareira e eu adoro olhar para o fogo. As cores são lindas. "Bem, eu agora vou deixá-la sozinha." ela levanta-se e vai-se embora.


Assim que me encosto à cadeira começo a ouvir uma voz familiar. Brownie. Levanto-me e ando até à porta que separa o corredor do sala de convívio. Ele anda de um lado para o outro e pergunta pela pequena Nancy, irmã dele. A enfermeira May abraça-o, olha-o nos olhos e abre a porta, devagar. Brownie põe a mão à frente da boca e lágrimas começam a escorrer pela sua cara. Ele entra no quarto 129. Agora que estão os dois dentro do quarto vou avançar até lá. A minha curiosidade começa a aumentar quando me começo a aproximar mais do quarto de Nancy.


Sorrateiramente, espreitei para dentro do quarto. A pequena rapariga tinha uma caneta espetada no coração. Entrei no quarto, mesmo com a enfermeira May a chamar por mim e a dizer para eu sar dali. Fui até à rapariga e toquei na caneta. Era a caneta que eu lhe tinha dado. Olhei-a nos olhos, agora mortos e sem cor. Ouvia-se um choro incontrolável vindo de Brownie e chuva a bater contra as janelas. Virei-me para eles. A enfermeira May olhava para mim boqueaberta. Andei lentamente até Brownie, sempre sem o olhar e abracei-o. Senti que ele precisava.


"Ela morreu" ele disse entre os seus soluços incontroláveis.


"Fui eu que lhe dei a caneta." sussurrei para mim própria e senti as lágrimas jorrarem sobre as minhas bochechas. Encarei os olhos magoados e brilhantes de Brownie e corri dali para fora.


Corri até ao meu quarto. Abri a janela e saltei para o chão de terra. Lama, agora, com a chuva. As vozes começam a desprezar-me por ter matado a pobre rapariga. Já tendo eu sido uma rapariga assim. Há imensas vozes que dizem coisas distintas. Deixo-me cair, ficando sentada de uma forma estranha na lama. Palavras ecoam na minha mente. Palavras que não fazem sentido. E frases. Há frases que também não fazem sentido. Mas ecoam cada vez mais alto. E mais rapidamente. Começo a suplicar que parem. Entretanto o choro também começa. Grito cada vez mais alto. A minha visão começa a ficar turva. As minhas mãos alcançam a relva e a lama. Começo a arrancar a relva e a escavar a lama, como se estivesse em busca de alguma coisa, como se eu estivesse a esconder-me das vozes. Uma voz ri, com um riso assustador e alto, o que me faz gritar mais alto ainda.


Levanto-me e olho na direção da janela, onde duas sombras olha para mim. Perco o equilibrio e caio na lama.


Olho para cima.

Sangue começa a cair dos céus.

Quando volto a olhar para o chão estou num quarto, onde há uma cama. De debaixo da cama sai uma caneta com uma ponta ensanguentada e um bocado de coração. Deixando um rasto de sangue, a caneta vem ter comigo. Depois em cima da cama está a Nancy a olhar para mim. As mãos dela vêm até mim. Agarram na minha cara e arranham-na. Afasto-me dela mas ela vem até mim outra vez. Desta vez ela pega na caneta e espeta-a no meu pescoço. "Deixa-me salvar-te por favor." Ela repetia o mesmo vezes sem conta. 


Um flash de medo percorreu o meu corpo. Gritei o mais alto que pude e fechei os olhos. O meu choro nervoso percorreu o espaço vazio, e vozes começaram a soar à minha volta. Abri os olhos e vi muita gente demasiado perto de mim. Afastaram-se em silêncio por momentos e eu tirei o soro ligado ao meu braço e levantei-me. Senti alguém agarrar-me pelo braço. "Menina Sherwood. Onde vai?" May perguntou lentamente. A voz dela soou sobre o meu choro agora silencioso.


Soltei-me do seu toque e passei o braço pelos olhos tentando limpar as lágrimas. Senti o meu lábio tremer e o choro compulsivo voltou. Saí da divisão e corri até à porta do quarto 129. Abri a porta e entrei no quarto. Brownie estava sentado na cadeira junto à cama agora vazia, a chorar silenciosamente. 

Ele calou-se durante algum tempo e por momentos pensei que talvez ele fosse quebrar e chorar outra vez. "Eu sinto-me tão mal Violet. Ela era do pouco que me restava, não sei o que fazer." Ele diz com a voz a falhar diversas vezes. Acho que foi nesse momento que me apercebi, e embateu contra mim como um comboio.


Eu causara-lhe isto.


Eu sou a razão do sofrimento de alguém.

Olhei para Brownie e em segundos os meus olhos banharam-se em lágrimas. Ele conteu-se para jorrar as úlltimas gotas de água restantes mas conseguiu não o fazer. Abracei-o e ele apertou-me com força. Quebrou-se e finalmente chorou comigo.


"Eu não te culpo Violet. Tu só a querias ajudar. Eu sei o quanto ela queria deixar este mundo." ele diz na mais pura e sincera das formas.


silence ➳ fictional storyOnde histórias criam vida. Descubra agora