Letra C (parte 2)

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Shawn estava me esperando na saída, como sempre. Isso não era novidade, o que me surpreendeu foi ver Tiana ao seu lado no corredor. Ela estava falando com ele e rindo como se fosse uma pessoa normal.

Ela estava de costas para mim, e simultaneamente quando eu comecei a me aproximar, ela se afastou, acenou para ele e saiu. Cinco segundos mais tarde eu estava na frente de Shawn, com o semblante confuso pelo que havia acabado de presenciar.

― Ela veio xingar você pelo quê dessa vez? ― questionei sem entender. Ele riu alto, negando.

― Por nada. Veio perguntar se eu tenho o primeiro livro de Desventuras em série. ― respondeu parecendo tão surpreso quanto eu.

Meu espanto foi nítido.

― E ela disse que vai enfiar o livro na sua garganta? ― tentei mais uma vez. Shawn negou entre uma risada, saindo do corredor ao meu lado.

― Essa parte eu não perguntei... Mas ela estava sorrindo, acho que não seria tão psicopata assim. ― disse em tom de deboche, me fazendo rir mais durante o percurso até seu carro.

Naquele dia eu entraria mais cedo no serviço devido a um pedido do senhor Morris. Como eu havia tido folga por uma semana e ainda recebido por isso, não tive forma alguma de dizer não a ele.

Eu almocei sozinha o restante do Canelloni da noite passada, me arrumei com o uniforme, e segui com meus patins até a lanchonete.

Eu não estava realmente adiantada, mas quando cheguei ainda não havia nenhum cliente. Aproveitei para limpar o balcão, as mesas, repor o estoque de casquinhas para os sorvetes, e por último jogar fora a papelada amassada que Shawn sempre deixava espalhada pelo caixa.

Enchi uma bolsa com o papel e coloquei a cabeça na janela que dava para a cozinha, apertando os olhos ao ver Sean e Shawn conversando tranquilamente, como se não estivessem em horário de serviço.

― Até a Fleuriah é menos porca que vocês. ― alfinetei impaciente, dando as costas e deixando na lixeira toda a sujeira que Shawn depois colocaria lá fora. Eu nem mesmo esperei para ver a resposta que os dois arranjariam, pois logo ouvi o barulho da porta principal sendo aberta.

Enquanto ajeitava os guardanapos nos rolinhos, eu reparei quando uma pessoa quase idêntica a alguém que eu conhecia entrou no local, deu uma olhada e se sentou em uma das mesas.

Eu sabia que era extremamente feio encarar os clientes, mas o problema era que ele parecia uma miragem. Eu não via Cameron há mais de anos, e diferente da época em que era gordinho e sardento, ele havia se transformado em um cara alto e forte. Mas ele ainda tinha o mesmo sorriso de quando o conheci, nove anos antes.

Cameron havia mudado de estado ainda novo, e desde então suas visitas na cidade foram desaparecendo até se tornarem raridades. Não éramos muito próximos, mas pulávamos corda juntos, pelo menos até ele parar por falta de ar. Eu imaginei que isso me desse brecha para chamar por ele.

No entanto, apesar das semelhanças e diferenças externas, Cameron parecia outra pessoa. Ele não se mostrou alguém receptível as minhas encaradas, e quando eu me aproximei para recolher seu pedido, não tive sequer tempo de lhe dizer oi.

― Quero o número 7. ― disse simples, sem me encarar, voltando a atenção ao celular.

Eu torci o nariz, anotando em meu caderno de coruja o seu Moccha de Caramelo, e lhe dei as costas em seguida.

Dei uma última olhada e ele continuava concentrado no que quer que fosse. A testa franzida, os olhos escuros presos no aparelho, e vez ou outra afastando com os dedos o cabelo não tão grande que caia bem no seu rosto.

Onde as coisas loucas estão (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora