"As vezes eu penso o que teria acontecido de minha vida, se meu anjo não tivesse caído do céu".
Horas se passaram desde todo o ocorrido. Uri pode sentir mãos o puxando e o colocando em algo duro, depois o movimento. Alguém nitidamente estava ao seu lado, em uma situação não muito melhor que a dele, mas suas forças não permitiam mais que isso: sentir.
Houve uma batida, e seus sentidos foram longe, para uma lembrança, a que houve no dia que acabaram cruzando o caminho de Dorion, mas nela milagrosamente o temível Dark não aparecia quando ele dava o colar a Clara, e nada do que veio depois aconteceu.
Houve uma parada abrupta, e o sonho de Uri se desfez. Agora, uma voz invadiu seus ouvidos, mas soava tão distante que pensou que fosse delírio.
— Melhor eu não estar errado, Jeremias, como você faz falta nessas horas.
Seus sentidos voltaram ao escuro, e a imagem de seus pais preencheu novamente o escuro.
Os poderosos Storms encaravam o filho do outro lado da imensa mesa da filial dos perfumes em Anjo.
Sua mãe, com imensos cachos escuros, feitos provavelmente pelo cabeleireiro que levava de cima a baixo, estava com uma das mãos repousada sobre o ombro do marido. Ela vestia um de seus vestidos chiques, na tonalidade preta, com um pequeno cinto de cor vinho. Ela tentava sorrir, mas, de alguma forma, ele sabia que era só mais uma fachada.
Seu pai, como sempre, portava-se junto de seu terno impecável, com a rotina de uma cara séria; suas mãos estavam cruzadas sobre a mesa, acima de qualquer papel que, um dia, nunca teria a menor importância para o menino.
Uri pigarreou baixinho ao perceber que seus pais estavam meio sem jeito de começar a falar, o que serviu de deixa para o início da conversa.
— Bom filho, como você bem sabe, sua escola de bruxaria terminou.
— Sim, pai — ele respondeu, de cabeça baixa, no mais profundo de suas entranhas, temia que aquilo terminasse em mais uma discussão deplorável, o que acontecia sempre.
— E que também não leva muito jeito para isso, assim como eu e sua mãe.
— Sim, pai, eu sei — ele falou descrente, o que fez o pai respirar fundo antes de continuar.
— Pois bem, isso não te torna inferior a qualquer outro Storm de nossa família. Gostaria que soubesse disso — ele olhou para o pai com pouco mais de vontade após ouvir aquilo.
— Mas você também está em um momento da vida em que precisa de um destino — disse sua mãe, após perceber que o poderoso senhor James estava sem jeito para continuar — e que você precisará trabalhar para ser alguém na vida.
– Sim, mãe.
— E por isso que estamos te propondo agora — retomou James — que assuma esta filial em Anjo — Uri arregalou os olhos, a quanto tempo sonhava com aquilo, seus pais lhe confiando algo, mais do que um tutor ranzinza e impaciente para lhe ensinar magia.
— Claro que será somente um período de teste, para você pegar o jeito de assumir os negócios da nossa família — sua mulher apertou de leve o braço de James, como se dissesse para ele parar por aí.
Mas já era tarde demais; a luz que surgia no jovem Uri desapareceu com a leve brisa que a trouxe, o que o levou a negar o pedido antes mesmo de refletir mais profundamente.
— Então, filho, o que me diz? — perguntou James Storm, após algum tempo de silêncio do rapaz.
— Lamento, pai. Já decidi estudar para ser tutor em Domini — falou ele de modo atrapalhado e rápido. Não, ele não tinha pensado nisso mais cedo; foi uma ideia que ocorreu na última hora, e já estava disposto a seguir, custe o que custar, só para não ver o pai dando palpites na sua vida, como ele tinha certeza que faria se dissesse sim. E se, eventualmente cometer um erro sem querer?
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🖤 Joia Negra 🖤
FantasyPor anos Dorion Dark foi temido, senhor da guerra que durou dois séculos, e com ele o caos reinava solto. Mas no momento, sua fama passou a ser história de terror para criancinhas. Uri não acredita que ele existiu, embora sempre tenha estado lá, com...
