- Muito obrigada. - Falei ao sair do carro do rapaz. Ao entrar no prédio o senhor da recepção estava tomando café atrás do balcão.
- Bom di... - ele disse ao me ver entrar- Puxa, você está bem? - Assenti
- Sim... eu vou... subir. - Falei e fui para as escadas o mais rápido possível. Minha sorte que, era sábado então não precisaria dar as caras na faculdade ou no trabalho. Não queria que ninguém me visse assim porque 1) Não queria falar sobre isso agora, eu ainda estou em choque e 2) preciso superar isso sozinha, pelo menos por enquanto, e 3) se alguém vier falar comigo, por mais que eu tente eu não vou conseguir fingir que estou bem. Abri a porta de casa, a tranquei e me joguei no sofá. Estava com fome mas bebi uma água pra me distrair. Não iria conseguir comer de um jeito ou de outro. Deitei no sofá e comecei a chorar. A única ali, era eu. A única que podia me ajudar, era eu. A única que estava comigo era eu. Eu sei, tenho Bruna, tenho minha mãe, tenho Sara, tenho Lidy, tenho Hoseok e os meninos, mas a única pessoa que podia realmente me entender, entender a dor que eu sinto e tudo o que vivi era eu. Não adianta a pessoa ter passado pela mesma coisa que eu ou ter a mesma vida que eu, ela nunca vai entender, porque cada um supera isso de uma forma. Continuei chorando, em silêncio, e meu celular começou a tocar. Mamãe. Desliguei e mandei uma mensagem: "Não posso atender agora, estou ocupada." E peguei meus fones indo pro quarto. Sequei algumas lágrimas enquanto pegava meu caderno na minha gaveta e alguns lápis. Me joguei de bruços sobre a cama, coloquei os fones e peguei o caderno, fiquei fazendo quaisquer rabiscos enquanto ouvia música.
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Acordei me sentindo cansada e ainda estava dormindo sobre o caderno. A minha barriga continuava pedindo comida mas a ignorei. Me levantei e tirei o caderno debaixo de mim e o coloquei sobre a estante, e desliguei a música que ainda soava baixinho nos meus ouvidos. Deixei tudo largado e fui pra sala novamente, resolvi ligar a televisão pra me distrair, mesmo que não funcionasse.
- Um corpo de um homem de quarenta e três anos foi encontrado lançado em um terreno baldio. As investigações continuam e a polícia está trabalhando no caso. Conforme as informações, o homem tem uma filha de dezessete anos, e morreu por esfaqueamento. -
- Nós... estamos trabalhando fundo no caso para tentar... investigar, e hm... descobrir quem foi que fez isso. O terreno baldio fica em uma área que... é muito afastada do centro de Seul e pouquíssimo conhecida. Nós já estávamos trabalhando nesse caso... de, de desaparecimento. A menina chamada Anne Kakimori Carvalho, estava dando queixa de desaparecimento há mais de uma semana... nós estávamos investigando mas... recebemos uma ligação, anônima, de um homem que diz ter passado por lá, e avistou o corpo jogado em uma área daquele terreno. Há muito tempo... aquela área pertencia a uma mulher que.... que faleceu há cinquenta e três anos. Ela possuía uma casa, e há alguns quilômetros que foi... encontrado esse corpo. -
- Esse foi o depoimento de Sa Han. Ele é um dos policiais envolvidos e está comandando as investigações. -
- É realmente uma pena. Agora vamos ao... - Desliguei a televisão e comecei a chorar. Quando me dei conta eram seis horas da tarde e não me lembro de ter feito nada mais do que apenas ficar ali chorando. Não sei se cochilei por um tempo, mas me levantei e fui pra cozinha pegar água. Meu celular vibrou e eu o peguei. Mamãe. Desliguei e o pus em cima da mesa. Não me importei em dar nenhuma desculpa, apenas coloquei no silencioso e fui pro quarto. Troquei de roupa. Coloquei uma calça jeans preta, uma blusa cinza com uma rosa vermelha na frente e uma jaqueta preta por cima. Estava um pouco frio em Seul, e meu pai me explicou que é sempre bom usar máscaras quando o tempo está assim porque a maioria das pessoas daqui tem o sistema imunológico muito baixo e podem pegar gripe ou algo assim fácil, e contaminar as outras pessoas. Peguei uma máscara preta e a coloquei. Peguei o chaveiro e saí de casa trancando a porta. O homem da recepção ainda estava ali e ao me ver acenou
- Boa tarde. Esta melhor? - Assenti.
- Pensei que tivesse medo de pessoas com máscara. - ele estava usando uma máscara branca
- É que... na verdade, em tempos assim... -
- É comum usar máscaras. - Sorri
- Isso. E aqueles dias não estava assim então é bem difícil achar pessoas com elas. - Assenti e saí. Não sei pra onde iria, só peguei dinheiro pra chamar um táxi depois. Comecei a andar pelas ruas de Seul. Não estava tão movimentado porque aquela área não era como um "centro". Não tem tantos prédios ou lojas, nem muitas pessoas. É bem difícil de se imaginar um terreno vazio onde o corpo de um homem morto foi encontrado em Seul. Seul tem fama de prédios, de gente famosa, de Paraíso da Coréia. Mas como todos lugares tem lugares feios, Seul também. Continuei andando sem rumo e minha barriga continuava pedindo comida, mas dessa vez ela estava implorando. Vez ou outra sentia pontadas e eu estava cansada, mas continuei andando na calçada. Sem rumo, eu só precisava sair de casa. Chorar na rua, ao menos tomando um vento, me parece uma hipótese melhor. Continuei me arrastando pelas ruas de Seul e os postes já estavam acesos. O movimento aumentava um pouco e haviam mais lojas e mais pessoas. Avistei alguns prédios. Devo estar perto do centro de Seul. O grande calçadão estava ali. Escadas dos quatro cantos, os postes ali no meio e as árvores rosas iluminadas a pouca luz. Me sentei em um dos bancos e o frio aumentava. Pessoas passavam de lá pra cá, com máscaras hospitalares. Peguei meu celular "Quatro chamadas perdidas de Mamãe". Resolvi retornar.
- Alô. -
- Filha, por que não me atendeu antes? Você tá bem? -
- Tô mãe. Só tô meio... gripada. -
- Entendi... e o seu pai? -
- Te ligo depois. Eu preciso falar com você, tá? Mas depois. Por favor. -
- Mas por q... - desliguei e guardei o celular no bolso. Fiquei olhando para os meus pés. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas a dor na minha barriga estava cada vez mais forte e eu cada vez mais fraca. Olhei no relógio e eram quase dez horas. Caramba, o tempo costuma passar rápido em Seul. Andei por aí procurando algum ponto de táxi mas não achei nenhum. Senti alguém segurando meu braço e me virei bruscamente.
- Anne! - era Sara sorrindo com os braços abertos. Dei um sorriso forçado e a Abracei rapidamente - O que está fazendo aqui? Já são quase dez da noite. -
- Vim dar uma passeada pra... conhecer. - Respondi tentando parecer firme e ela sorriu
- É perigoso. Eu sei que, ah, Seul é segura? É, mas também é uma metrópole. Você não pode andar assim, a essa hora. -
- É, eu sei. Tô procurando um ponto de táxi. -
- Ah que isso. Vem comigo que eu te levo pra casa. - Ela sorriu e eu assenti - Você parece pálida. Esta tudo bem? - Ela perguntou enquanto caminhávamos até o carro e eu assenti - Então, qual seu endereço? - Ela perguntou e eu falei. - Não se esquece do nosso role um dia desses. - Ela disse enquanto dirigia e eu Soltei um meio riso
- É... - Ela parou em frente ao prédio rosa claro e acenou. Desci do carro e entrei em casa. Me joguei no sofá e permaneci ali, ignorando a fome e tudo mais.