Capítulo V - Rosas espinhosas

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Na manhã seguinte, Victoria foi surpreendida por sua própria vivacidade, sentia suas bochechas estarem mais rubras e sua alma pulava em êxtase, talvez fosse apenas o resultado de uma noite de sono proveitosa. Ainda não estava feliz com a mudança e a estadia naquela casa sombria e tenebrosa, os papéis de parede que envolviam as paredes eram encardidos pela névoa que se espremia pelas brechas da janela para infiltrarem o quarto. Teve a ideia de voltar até a saída daquela fábrica, apenas para rever aquelas pessoas que não deveriam nem ao menos lembrar de sua existência, ah, mal sabiam de sua relevância na pobre mente de Victoria Jane Abbot.
  Apesar da felicidade repentina e espontânea, já se aborrecia por logo no desjejum matutino ouvir o nome "George" sair dos lábios do seu pai como se fosse doce, e não suportava aquelas menções.

— Oh papai, temo em lhe dizer que Mr. George Deighton pessoalmente não me agrada nem um pouco, ele me parece estranho, suas falas são sem vida e não tem senso de humor. — Falou durante um momento em que seu pai estava em casa durante a manhã, onde ela tricotava o xale e ele folheava algum livro sobre filosofia ou teologia que achara nos entulhos da casa.

— Mas me agrada! — O velho disse e riu logo após falar — Porém, sua mãe é um pé no saco! Me parecia extremamente elegante de primeira vista porém é esnobe e sem educação alguma! Não gostei do modo que Mrs. Deighton lhe abordou sobre casamento, oras, quem aquela velha dama pensa que representa em sua vida? Deveria rever suas maneiras. — Mantinha os olhos por trás das finas lentes fixados no livro que lia.

  Mais uma vez aquela atividade causou desgaste em Victoria, que logo se dirigiu até seu quarto para escrever a carta que tanto falava com destino de sua tia Coldwell. A leve pena se situou em suas mãos e com sua letra rebuscada começou a colocar a tinta sob o papel.

  "Cara titia,
     Os dias estão sendo escuros e   nebulosos desde que chegamos até Manchester City, literalmente, os nevoeiros são tão persistentes em te fazer se acostumar com suas presenças que você acaba se entregando. Nada aqui me agrada. Sinto falta de meus amigos em Londres, e também sinto sua falta titia, espero que venha nos visitar com meu tio e as crianças para tirar a melancolia que nos cerca. Papai tem perdido sua aparência apática e tomado sorrisos mais vívidos ao longo do tempo, o que me agrada, porém, tenho perdido muito de sua presença pois agora trabalha em um escritório na fábrica.
                                 Com amor, Victoria.

P.S: Estou tricotando um belo xale para a senhora! Espero que sirva de motivação para sua vinda"

  Por algum motivo, ao terminar de escrever aquilo, seus olhos foram aguados por lágrimas, que fez questão de secar no mesmo instante, estava tão deprimida por estar alí, rogava para que Deus a tirasse daquele sofrimento, mas aquelas circunstâncias haviam tirado até mesmo seu pai dela! O que mais faria?
  Nas semanas anteriores ao menos se ocupou na busca de Susan, a criada que estava auxiliando Fizzy, porém, naquele momento, não tinha nada para cobrir seus pensamentos além de preocupações que ao seu ver eram inúteis, todavia, o que mais faria?
  Por diversos dias seguidos, sua mente foi ocupada pela lembrança dos trabalhadores, mas não tinha ainda coragem de ir até lá. Até que uma tarde onde foi comprar frutas, passou pela mesma fábrica que passou no outro dia, e por coincidência, no mesmo horário. Viu uma cena semelhante a da outra tarde, os jovens brincando com as bolas de neves e as mães e os pais com seus filhos pequenos pois não tinham com ou onde deixá-los. O cheiro forte de fuligem e a neve do chão sendo manchada pelas pegadas sujas dos operários. Aquela visão era triste, entretanto, chama atenção de Victoria. E foi quando viu novamente, o operário que a ajudou, e percebeu que ele também havia a visto. Estava sozinho novamente, deduziu que não tinha familiares que trabalhassem na mesma fábrica que ele, ou familiares no geral. Parecia não estar tão feliz quanto da outra vez, muito menos tão disposto quanto. Os lábios secos de Victoria estavam colados mas ansiava em ter a oportunidade de falar com ele ou com algum outro alí, mas seria totalmente inconveniente.  Não precisou de muitos esforços, pois enquanto olhava para o chão onde havia deixado uma moeda cair, mãos calejadas entregaram a moeda em suas mãos, com um sorriso desconfiado, e um odor amargo de cigarro.

Victoria | Completo Onde histórias criam vida. Descubra agora