Capítulo XVI - Cenários

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  Três batidas em sua porta. Três batidas ligeiras e brutas, mas que sempre seriam dadas por mãos delicadas e guardadas por uma luva. Há muito tempo não ouvia aquelas batidas, e não esperava ouvi-las novamente após o miserável último encontro que tivera com a dama que trazia consigo o mesmo anúncio característico por todas as vezes que vinha. As três batidas contínuas perseveravam a tamborilar a madeira de sua porta mesmo que cada vez mais desencorajadas.
  Olhava fixamente para aquela carta que teve o envelope brutalmente rasgado por mãos ansiosas e que fora lida pela primeira vez com um sorriso que portava nada além de esperança. Esperança ao ler a palavra sua seguida do nome da menina que agora, com o coração calejado ainda batia naquela porta. Enterrou o rosto naquele papel, e fechou os olhos. Quando o leu pela primeira vez, abruptamente correu em sua mente a vontade súbita de ter o magro corpo da moça em seus braços, morria ansiando pela saudade, apesar de ser já um homem formado, não poderia evitar desejos tolos e indecentes de atingirem sua mente. Agora a moça que já quisera ter em seus braços, mais do que qualquer coisa naquele mundo, clamava por isso e enfrentava um leve frio apenas para realizar o seu desejo, mas ele ainda permanecia imóvel, encarando letras que já havia decorado. Qual era o seu problema? Já evitava Victoria por semanas que se seguiram desde que viu em seus olhos nenhum resquício de esperança, Jenny disse que havia feito o certo, mas, por que ainda confiava nas palavras traiçoeiras de Jenny? Hunt Pigeon ainda desejava abraçar aquele corpo magro pois morria ansiando pela saudade, apesar de ter perdido por volta de toda sua vivacidade e motivação, e toda sua esperança, pois após receber aquela carta e ser movido para um emprego mais humanizado, achou que a saudade se tornou frustração, estava dependente de Victoria Jane Abbot, nunca fora realmente intenso, sempre teve coisas mais importantes em sua vida além de paixões fervorosas, jamais tivera tempo para aprender a administrar as maquinarias de seu próprio coração, era muito bruto para tocar em uma flor, e por uma mulher agora trabalhava com milhares delas todos os dias sem ver problema algum. Como qualquer dependente, Hunt Pigeon transformou sua dependência em frustração, por um momento, colocou a culpa na pobre dama sobre todos os problemas de sua vida, apenas para esquecê-la pois aquele mês que passou fora se estendia e aparentava que jamais iria terminar. Sabia que ela não deveria se entregar para ele daquela maneira, e que aquilo não era certo, e tinha a plena consciência que não era sua culpa de todos os seus problemas, tinha sabedoria que era indefesa em relação a tudo aquilo, mas quando finalmente a viu em sua frente, a confusão de todos os seus pensamentos queimaram em sua mente, e estava constrangido e arrependido demais para dar algum álibi para Ms. Abbot, era covarde demais para tal. Agora em constrangimento, limpou os olhos que ameaçavam chorar, e ouviu cessarem as batidas que antes insistiam naquela estaca de carvalho que ousava chamar de porta. Tomou a coragem de um trabalhador para abri-la, jamais imaginou que o arrependimento doía tanto quanto a luta de um operário. Homens podiam ter seu coração partido, mesmo que fosse em amizade, amigos poderiam também quebrar seu coração.
   Victoria não havia ido muito longe, mas ia embora com a cabeça erguida, e se destacava em meio aquele bairro pois era a única que teria dinheiro o suficiente para comprar tantos adornos para um bonnet. A conhecia tão pouco, tão pouco que nunca imaginou que reagiria de maneira tão corajosa para um ato tão covarde de um homem pobre, e ele acreditava que fosse tanto em libras quanto em seu coração. Algumas flores brotavam em resposta a primavera, e o pouco de neve que cobria o chão respondia aos comandos das luzes do sol que se tornavam mais ofensivas e enchiam aquela cidade de poças de água em consequência da neve que derretia, e logo vinha chuva. E sentia que ela viria logo.

— Victoria! Entre! A chuva se aproxima! — Colocou as mãos entre a boca com o fim de emitir um som mais alto, e a menina virou a cabeça para trás. Retornando apressadamente pela estreita calçada acimentada que seguia até o fim da rua. Ainda não dissera nenhuma palavra, mas tinha medo de falar algo, pois da última vez não falara nada e foi surpreendida por uma versão grossa de Hunt Pigeon, que deveras a assustou.

Victoria | Completo Onde histórias criam vida. Descubra agora