Body And Blood

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"This grave hill stinks of death
A reek from the ground
Catches whiff of the hound
A dead ones breath"

- Body And Blood, Ghost  

"Você me enche de orgulho, menina!" Horácio seca o suor que lhe cai da testa debaixo do sol forte. Arava a terra manualmente para plantar quando sua filha chegou da escola, contando sobre suas boas notas e desempenho. Ele se sentia orgulhoso como nunca toda vez que ouvia sobre o sucesso acadêmico dela.

"Você precisa de ajuda, pai?" Lucia pergunta, ainda segurando seus livros.

"Não, fia." Horácio gostava de ser ajudado pela filha, adorava sua companhia pois todas as vezes que trabalhavam juntos nos pequenos canteiros do rancho, ela lhe contava o que aprendia na escola, especialmente sobre acontecimentos históricos. Contava com vivacidade sobre figuras marcantes que mudaram o rumo da humanidade, e Horácio admirava o que ouvia. Ela adorava repassar sua matéria escolar com ele, e ele adorava aprender com ela, já que nunca tivera a oportunidade de frequentar uma escola, e era considerado pelas estatisticas governamentais um analfabeto, apesar de saber tanto ou mais sobre honra, trabalho duro e honestidade do que aqueles que o colocam entre aqueles números. "Vai lá com a sua mãe e conta pra ela como você tá indo bem na escola!" Mesmo gostando da companhia da menina, preferia que ela se dedicasse mais aos livros e menos ao trabalho pesado do Rancho.

"E como é que ela tá hoje, pai?" Lucia pergunta antes de deixar o pai continuar trabalhando, mudando de tom.

Entendendo de quem exatamente se tratava, o velho homem apenas dá de ombros, deixando o intenso sol lhe cegar por um minuto. "Tá daquele jeito, né fia?"

Os dois assentem em silêncio, consentindo anestesiados com a tristeza que era ter uma parente no estado em que estava, agonizando a poucos metros de distância deles. Isabela Amadeus, sobrinha de sua esposa Jacinta, se encontrava no rancho adoecendo mais e mais a cada dia. Lucia cuidava da filha de sua irmã assim como cuidou dela antes desta perecer aos quarenta e poucos anos.

Horácio nunca entendeu ao que se dava tudo isso, tanta morte num só lugar. Apenas sabia que a família de Jacinta sempre foi estranha, e que a própria lhe disse para se afastar quando os dois começaram a namorar ainda jovens. Ela o evitou a todo custo, mas a paixão acabou por envolvê-los de tal forma que viver um sem o outro já não era mais possível.

"Mas sem filhos! Não importa o que aconteça, não podemos ter filhos, Horácio. Só podemos ficar juntos se for assim, entendeu?" Ele não entendeu na época mas respeitou e aceitou de qualquer jeito, Jacinta era o mundo, o sol e a lua para ele.

E sem filhos ficaram até os vinte e cinco anos de Jacinta.

A surpresa foi recebida com extrema alegria por Horácio e leve amargura por Jacinta. Por nunca terem oficializado sua união em papél, os oficiais da cidade interiorana de Barrinha Bambú decidiram que a menina levaria o sobrenome da mãe. Jacinta aceitara, mas com o nome escolhido pelo pai: Lucia. O mesmo nome da Santa Lucia de Fatima, que sempre fora a santa padroeira da mãe de Horácio.

A vida foi continuando como sempre faz, em seus vendavais de tempos e peripécias do destino. A garota era a alegria daquele pedaço de terra isolado do mundo e não haveria tristeza que pudesse cruzar os cercados de madeira do Rancho Amadeus.

Até que a irmã mais velha de Lúcia lhe pagou uma visita. Horácio jamais se esqueceu do que vira naquele dia, uma mulher outrora extremamente cheia de vida, virara matéria grotesca, torpemente aldegaça. Veio até a irmã mais nova Jacinta com a filha mais velha em braços, já que seu marido a expulsara de casa alegando que a mesma tinha demônios em si.

HARESIS DEAOnde histórias criam vida. Descubra agora