Per Aspera Ad Inferi

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  Unholy
Is the lust in your eyes
"Blasphemous"
Would not suffice  

-Per Aspera Ad Inferi, Ghost

"Já está tarde." Disse a avó do outro lado da mesa retangular de madeira clara. "Termine sua janta para ir dormir." 

"Eu não quero!" Protesta a pequena Viviana, desacelerando o garfo que recentemente aprendera a manejar, entendendo que se comesse lentamente, poderia ficar mais tempo acordada. "Bibi quer ver a Juliana." Aponta seus pequenos dedos para a boneca Barbie que colocara sentada ao lado de seu prato quando se apresentou para a janta.

A boneca Bibi apenas a olhava, com um sorriso branco e fixo. Tinha olhos pintados de azuis e cabelos loiros platinados, e apesar de ser o absoluto oposto dos olhos e cabelos castanhos da pequena Viviana, era uma das poucas companheiras que lhe restavam naquele enorme rancho onde vivia com sua avó, avô e irmã.

Irmã essa que Viviana protestava querer ver.

"Vivi..." A avó alcança a pequena mãozinha do outro lado da mesa e com pesar nos olhos, aconselha. "É melhor deixar sua irmã descansar."

"Você diz isso todas as noites, vovó." A voz da menina soa firme demais para alguém tão jovem. "A Bibi falou para você inventar outra desculpa."

Dona Jacinta não sabe mais o que dizer, nem quanto a deixar Viviana ver a irmã mais velha, nem quanto aos comentários abusados que sua netinha diziam vir da boneca de plástico. Entendia que a garotinha de sete anos estava angústiada e por isso a má criação dava as caras ás vezes. 

De fato, todas as noites Dona Jacinta precisava arranjar uma desculpa nova para colocar a pequena garota na cama, fazê-la de alguma forma desistir de ver ou de dormir com sua irmã mais velha como costumava fazer antes da mesma adoecer severamente.

Desde quando Juliana caiu doente, a velha senhora imaginara que descanso e distância poderiam ser, não uma cura mas algum alívio. Algo que pudesse arrastar o tempo, lerdar o que Jacinta pressentia que estava para acontecer.

"Digo uma coisa nova todas a noites pois a senhorita teima todas as noites." A voz acalentadora da avó tenta argumentar com a pequena menina que parara de comer a janta de carne e batata assada de vez. "Acredite, não quero te manter longe de sua irmã, Vivi. Apenas... quero proteger vocês duas."

Do quê exatamente a velha senhora não ousava falar a respeito. Provavelmente porque ela mesma não sabia o que dizer, ou como decorrer de um assunto tão delicado do qual sabia tão pouco. Apenas dava respostas vagas porquê ela mesma tinha respostas vagas para si, desde sua própria infância.

Uma doença

Era isso que médicos, curandeiros, líderes de diferentes religiões, e até mesmo conhecidos charlatões sempre diziam a sua família quando eram procurados afim de encontrar motivos do que parecia perseguir os Amadeus por gerações. Assistira outras mulheres de sua família terem sua beleza, juventude e vida evanecerem sem nenhuma explicação. E agora aparentemente, era a vez de sua neta, Juliana. 

A luta que não se venceria havia começado pela vida da jovem de apenas dezoito anos.

Não há cura. E sinceramente, Jacinta tampouco acreditava que existia alguma doença mesmo, apesar de mentir a todos que conhecia que era por isso que sua jovem neta caíra enferma de repente há duas semanas e não parecia se recuperar, apenas piorar a cada dia.

Como explicar a queda repentina de uma jovem saudável e feliz? 

Na pequena vila interiorana de Barrinha Bambu na qual seu rancho de médio porte residia, alguns habitantes juravam entre si em sórdidas fofocas a respeito da família estranha e que era tão distante de todos os outros moradores, todo o tipo de teorias maldosas e sem fundamento que eram espalhadas, jogadas as massas como milho aos pombos. E estes bicavam pois não tinham mais nada para fazer de suas vidas insossas. 

HARESIS DEAOnde histórias criam vida. Descubra agora