O Cavalo - Parte 4: Passionfruit

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4 – Passionfruit

No segundo mês de estadia na casa da avó, o calor infernal se tornou um frio antártico. Uma frente fria nunca antes vista se apoderou do Rio de Janeiro meses antes do inverno, que seria em junho. Ou seria em julho? Ah, sei lá.

– Foi do nada. Uma chuva, um ventinho que dá uns calafrios... aí veio o inverno que o Ned Stark tanto previa.

Eu já ceifei pessoas nos polos extremos do planeta e você vem me falar que isso é frio? É fichinha perto do gelo da morte.

– Você deveria saber que o corpo humano se adapta às temperaturas as quais é exposto, aí se vem uma um pouco menor ou maior, nós sofremos.

Principalmente vocês cariocas. Dezenove graus são frios para você? Experimente MENOS dezenove.

– Depois fala que não fica tirando o mérito do meu sofrimento. Nesse tempo se eu levar uma brisa fria no pescoço, já começo a espirrar. ATCHIM! Pelo amor de deus... não aguento isso. O nariz escorre, a vontade de não sair de casa bate mais forte que o teu amor.

A Morte se deitou com ele na cama fofa, ele coberto por uns três cobertores enquanto assistia a algum vídeo no YouTube.

– Você tá fria.

Antes sofria, hoje sou fria.

– Sério, tá incomodando.

Para de ser fresco.

A avó de Leonardo chegou, toda encapotada com suéter, calça e chinelo com meia.

– Vai no colégio hoje, filho?

– Vou não, vó. Tá chovendo muito e eu tô meio mal.

– Tá bem, fica em casa. Arruma a cama e vai lanchar.

Leo permaneceu na cama por algum tempo. Não fez nada de muito importante naquele dia, nem mesmo saiu, porque a chuva estava caindo de forma absurda do lado de fora. A ouvia cair com força no telhado, no chão, como um chiado de TV antiga. Também não podia ir na casa da tia, nem de Philip, nem de ninguém. Estava preso ali com sua avó e os shows da fé.

– Era comum eu acordar e meu pai não estar em casa. Às vezes ele ia trabalhar e nem voltava, dormia fora... não que ele estar presente mudasse algo. Quando ele estava em casa só ficava assistindo jogo. Ele nunca foi de me dar lá muita atenção. Não que eu me importe.

No fundo você se importa, sim. Um pouco, quem sabe? Pode ser que realmente você não ligue, que não o veja como pai-pai, mas pai-provedor. Alguns homens da geração passada acreditam piamente que só dando dinheiro estão sendo pais. Ledo engano.

– Eu sempre tive um relacionamento melhor com meus tios que com ele. Perdi as contas de quantas vezes fui de penetra em passeios com eles e meus primos, sempre me sentindo o invasor. Seja com os tios paternos, seja com a família do Philip, eu sempre era o primo órfão. O primo pobre, o primo bonzinho, o primo feio.

Ah, você não é órfão, rsrs.

– Engraçada. A situação é séria, tá? Eu não fico remoendo tanto esses traumas do passado, pelo menos não que nem a Chris. Se é que se encaixam em "traumas". Sempre que ela tem uma chance ela reclama da época que minha mãe não comprava nem um biscoito pra ela. Aí minha mãe rebate dizendo que não tinha muito dinheiro, que meu pai era pão-duro... e isso se repete em todas as reuniões de família.

Minha Amiga MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora