A Torre - Parte 6: I'm with you

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6– I'm with you

Após chorar suas mágoas para seus amigos na classe dos solteiros e divorciados, Cristine se viu recebendo um carinho que não havia recebido antes. Infelizmente a velha sensação de estar dando trabalho para os outros a impedia de desfrutar a mão do próximo. Sentia-se culpada, como se não merecesse aquilo. Sentia que as pessoas estavam fazendo por obrigação.

Foram tantas visitas, que Leonardo já estava cansado de receber pessoas em sua casa. Primeiro foi Carla e sua família. Eram imigrantes da Angola, que com muita ajuda conseguiram se estabelecer e conseguir ensino para todos (menos para a própria Carla). Kizua, o marido da mesma, estudava teologia e suas três filhas estudavam no ensino fundamental.

Enquanto que ele se vestia com roupa social, ela usava um vestido colorido e turbante, assim como as filhas. Gostavam de contrastar as cores da sociedade latina-americana com as de sua descendência africana nativa.

– Cristine, minha querida – disse Carla, com todo o apreço do mundo. – Quando fiquei sabendo que estava triste, decidi que viria correndo aqui.

Ela dizia tudo de forma certa, sem gírias. Seu português, assim como o de Noah, era permeado por um sotaque diferente que deixava a pronúncia até que charmosa. O que surpreendeu Leonardo foi o quanto eles exalavam um mau cheiro. Sua mãe havia explicado que eles não tinham costume de tomar banho sempre, pois desde jovens, na Angola, a água é um luxo.

Enquanto que Leo passava horas no banho, fazendo sabe-se lá o quê, eles nem sequer tinham o costume, devido à uma cultura de escassez de recursos.

– Isso me fez refletir – ele pensou. – Sobre muitas coisas que me foram ensinadas desde pequeno, mesmo que indiretamente.

Como o fato de que ao tempo que você gasta litros de água enquanto perde tempo se masturbando, pessoas nem mesmo têm esse poder de se banhar com frequência?

– Não! – respondeu rapidamente, negando. – Quer dizer, mais ou menos. É que... minha família sempre teve uma espécie de cultura elitista. Menosprezavam e riam dos mais pobres e marginalizados, como a família de uma tia minha. E o pior: são veladamente racistas. Eu cheguei a sentir repulsa ao vê-los entrar em minha casa, mas aí pensei: que merda é essa? Eu tenho direito de me sentir superior a alguém por classe social ou etnia?

É um ótimo questionamento. Eu nunca me liguei nessas coisas, afinal, cuido dos aspectos mais profundos da humanidade. E vocês são todos humanos. Brancos, negros, índios, asiáticos... são todos humanos e têm os mesmos comportamentos durante o processo de morte. A essência é a mesma. A casa que muda.

Leo se emocionou ao abraçar Carla.

– E ela... essa família... foram os primeiros a nos visitar quando souberam do estado da minha mãe. Claro, além dos vizinhos, que são os mais próximos. Ela ainda trouxe um pão e um bolo. Receita angolana, eu acho. Eles, que tinham tão pouco, dar algo para nós. Sei lá, isso me deu uma sensação estranha.

Quebra de expectativa?

– Não sei. Acho que de prática. A ideia de que eles são inferiores por serem imigrantes ou de outra "raça" é totalmente teórica, porque quando colocada na prática, se torna burra, sem sentido. O marido dela fez a oração mais sincera que eu já tinha ouvido. Eles têm uma fé que eu nunca vi sequer antes num brasileiro daqui. E, bem, eu já tinha blasfemado diversas vezes durante esse momento de frustração. Eles haviam passado por coisa pior em sua terra natal e nem devem ter se dado o direito de praguejar contra Deus.

A fé em si traz muitos benefícios psicológicos. A verdadeira fé, digo. Não aquilo que alguns religiosos fingem ter quando se jogam no chão da igreja e acreditam receber uma revelação divina. Não. A fé que falo é a paz de espírito de que tudo vai dar certo, e se não der, não importa, eu amo o que me for concedido. Sem cobranças. Sem ganância. É o amor fati. Amor ao destino.

Minha Amiga MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora