Capítulo 1

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Tochas ainda iluminavam as ruas da cidade quando Pleistoánax, um dos reis da diarquia espartana, entra na grande casa de Arquídamo II, o outro rei.

Pleistoánax só parou quanto fora interrompido por um dos guardas do rei. Ele era um homem vaidoso e ousado. No auge de seus trinta e sete anos, gostava de ostentar sua aparência sempre segura. Filho do general Pausânias, comandante dos gregos na decisiva vitória sobre os persas em Plateias, e sobrinho-neto de Leônidas, ostentava um físico inspirador aos seus soldados. Embora seus cabelos já não fossem mais tão negros, eram cuidadosamente cuidados, nunca ultrapassando a altura dos ombros. Sua barba parecia não crescer nunca, mas o segredo era apenas que a aparava a cada dois dias. Sua voz era calma, mas firme. Trajava-se sempre elegante em qualquer circunstância e sempre se banhava logo após cada treinamento ou batalha, mas nada o caracterizava mais que seu olhar profundo e intimidador. Ele parecia poder ver dentro da alma das pessoas, enquanto planejava cada palavra que deixaria sair por sua boca, e isso irritava muita gente em Esparta e em toda Grécia.

− Senhor, o rei ainda dorme. Ele não o esperava, talvez tenha chegado cedo demais.

− Vá chamá-lo!

− E o que devo dizer a ele, senhor?

O que deve dizer... − Diga que eu o espero. Isto basta.

− Senhor, talvez fosse melhor... − Tentava insistir o soldado.

− Vá! – Interrompeu forme. O guarda assentiu com a cabeça.

Depois ficam se perguntado o motivo de Atenas fazer fortuna. Será que Péricles fica dormindo até o sol queimar sua face? Eu acho que não. Enquanto devaneava, Pleistoánax se aproxima das pinturas no salão principal da casa. Eram cenas de muitas batalhas; batalhas travadas pelos deuses e pelo homem. Em todas as grandes obras gregas havia pinturas como aquelas. O rei já havia decorado cada cena pintada ali, mas não podia esconder que gostava de se ver representado em algumas delas.

Lembro-me deste dia como se tivesse sido ontem, pensou enquanto admirava uma em especial.

− Éramos bons. − Disse calmamente Arquídamo.

Pleistoánax apenas balançou a cabeça positivamente. Parecia estar lá, na batalha.

− Pleistoánax, nem mesmo os deuses acordaram. O que o traz aqui em minha casa tão cedo? − Arquídamo sabia muito bem qual o motivo da visita de Pleistoánax: Atenas. Há muito tempo ele vinha insistindo que Esparta deveria tomar ações contra a capital da Ática. Pleistoánax demostrava um desejo pessoal na queda de Atenas e Arquídamo, além de ter conhecimento disto, não queria tomar nenhuma decisão que colocasse o acordo de paz vigente em risco.

Instantaneamente Pleistoánax estava de volta ao palácio. Arquídamo era bem mais velho que ele. Suas fartas cabeleiras encaracoladas já estavam em um cinza que lembrava a pelagem de filhotes de lobos. Duas mechas desciam propositalmente até a volumosa barba branca e eram presas por pequenas argolas de ouro. Há alguns anos o rei quase ficou sem parte da orelha esquerda devido a um ferimento de combate e não gostava do que o cirurgião havia feito para salvá-la. Embora os constantes treinamentos moldassem os corpos de todos os espartanos, o rei Arquídamo parecia ter sido esculpido em mármore com ombros largos e mãos grandes, mas naquela manhã, Pleistoánax notara que ele parecia especialmente menor, como se sua idade enfim o tivesse alcançado.

− Os deuses dormem por que não têm nada com se preocupar.

Um leve sorriso, como se Arquídamo já esperasse a resposta, surgiu dos lábios do rei.

− Os atenienses interferiram em Córcira. Havia dez trirremes apoiando os corcireus e depois chegaram mais vinte. – Pleistoánax fez uma breve pausa. – Eles participaram do combate, Arquídamo.

− Eu sei o que houve Córcira. Venha, senta-se. Quer comer ou beber algo?

− Não, obrigado!

Arquídamo então fez um sinal para que os guardas saíssem da sala deixando os dois reis sozinhos. Quando os dois já haviam sentado à mesa, ele recomeçou:

− Os atenienses estavam lá. Se seus aliados são atacados e eles percebem que os corcireus podem ser derrotados, me parece natural, Pleistoánax, que eles participem do combate.

− Eles romperam o tratado. O que mais Péricles precisa fazer para você perceber que enquanto dormimos ele expande um império ateniense? – Até esse momento Pleistoánax estava com os cotovelos apoiados sobre a mesa, mãos entrelaçadas próximas ao queixo e olhar fixo em Arquídamo, mas para completar sua fala, apoiou-se despojadamente no encosto da cadeira. – Dizem que até um troféu foi levantado na ilha de Síbota em comemoração à vitória.

Arquídamo deu de ombro. – Pelo que sei os coríntios também ergueram um troféu comemorando a vitória no continente. Será que foi um empate?

Os longos anos entre campos de batalha e política deixaram Arquídamo sempre preparado para enfrentar as diversas situações qualquer que fosse o terreno. Embora Esparta fosse governada por dois reis, Arquídamo é quem detinha maior prestígio na cidade.

− Convoque os éforos – disse Pleistoánax batendo levemente na mesa com o punho cerrado. – Não espere que Atenas comece a aliciar nossos aliados. É isso que Péricles deseja, nos deixar isolados, e você sabe disso.

− E o que sugere que eu diga aos éforos? – O rei sentiu sua voz falhar levemente. – Que coloquemos os homens em marcha só porque Corinto não consegue manter sua colônia – parou para uma pequena tosse. – É isso que quer que eu diga? Não podemos e não vamos começar uma guerra por esse motivo. Que Corinto resolva seus problemas com suas colônias, isso não nos diz respeito.

Pleistoánax não era alguém que se dava por vencido facilmente, e mesmo sabendo que Arquídamo não mudaria de ideia a menos que algo sério entre as cidades gregas acontecesse, não deixaria de provocar seu par:

− Sabe o que eu acho mais estranho? Como um filho da casa Euripôntida pode temer tanto uma guerra? Você envergonha sua família.

− Como ousa? – o rei se levanta abruptamente. – Não confunda minha cordialidade com passividade – as tosses ficaram mais fortes. – Você vem à minha casa, fala esse monte de besteiras e agora quer ofender a mim e aos meus antepassados? – Ele mal podia continuar a falar e teve que se apoiar na cadeira para não ir ao chão.

Pleistoánax observa Arquídamo lutando para recuperar o fôlego. Ele podia se deleitar com aquela cena por horas, mas quis aproveitar o momento de outra maneira: Levantou-se, foi ao encontro do rei e com sua mão no ombro dele disse ao seu ouvido:

− Talvez agora eu entenda o motivo de você evitar uma guerra, já está travando uma que não pode vencer.

Arquídamo tira a mão de Pleistoánax do seu ombro, mas se inclina ainda mais e precisa se apoiar na mesa. Ouvindo as tosses altas do rei, dois hilotas, escravos dos espartanos, aparecem no salão para auxiliá-lo.

− Precisamos levá-lo aos seus aposentos, senhor!

O rei assentiu relutante e com a voz quase incompreensível diz a Pleistoánax:

− Nossa conversa ainda não acabou.

− Espero que não. – Respondeu observando o rei ser amparado pelos escravos até desaparecer pelos corredores.

Ao deixar a casa de Arquídamo, Pleistoánax se sentia como um jovem na noite de núpcias. Algo lhe dizia que aquela teria sido a última vez que veria o rei com um pouco de vida, e isso era bom demais para apenas uma manhã.

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