Capítulo 3

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Na manhã do mesmo dia, Pleistoânax já havia ido falar com Arquidamo II, e agora se dirigia a passos largos para um encontro com Estenelaídas. Duas das pessoas mais importantes de Esparta. O primeiro era um rei respeitado tanto por seu povo como por toda Grécia e além; o segundo era membro dos éforos, grupo formado por cinco pessoas eleitas anualmente e que realmente detinham o poder na sociedade espartana.

Diferentemente de outras cidades, os reis não representavam o poder absoluto em Esparta. Remontando uma tradição de séculos, todo outono, durante uma lua cheia, os cidadãos espartanos com mais de trinta anos se reuniam e elegiam seus éforos. Não havia possibilidade de reeleição, mas durante o mandato os eleitos tinham deveres financeiros, executivos, judiciários e legislativos. Também não precisavam se ajoelhar perante os reis, servindo como fiscais destes, podendo indiciá-los se achassem que havia motivos para tal.

À medida que o dia ficava mais claro, as ruas de Esparta eram tomadas por vidas. Localizada no sudoeste do Peloponeso, a cidade cresceu às margens do rio Eurotas, a principal fonte de água doce da região. Protegida a oeste pelo monte Taigeto, a leste pelo Párnon e por altas montanhas ao norte, optou em investir na conquista de seus vizinhos enquanto que as demais polis gregas fundavam colônias.

As pessoas que cruzavam pelo caminho de Pleistoânax curvavam-se em respeito antes de cumprimentá-lo. Ele gostava disso. Parou diante da Tumba de Leônidas. O local guardava os ossos do Leão de Esparta, como ficou conhecido o rei, recuperados quatro anos após a derrota em Termópilas. Todos os dias, centenas de pessoas visitam o local para oferecer suas homenagens e Pleistoânax imaginava como seria a sua tumba após conquistar Atenas. Com um sorriso no rosto, foi em direção à casa de Estenelaídas que ficava próximo dali.

O éforo já esperava pelo rei. Mantinham certo contato nos últimos meses, mais por insistência de Pleistoânax que por alguma amizade, mas ele não podia ignorá-lo. Dava algumas ordens aos seus hilotas quando viu o rei entrar em sua casa.

− Sua casa parece mais bela a cada dia, Estenelaídas – disse o rei indo ao encontro do éforo.

− Só os reis merecem palácios, meu senhor? – Respondeu com sorriso jocoso.

− Creio que não – os dois já estavam frente a frente. – Tique o favorece, meu amigo.

− Favorece a toda Esparta, meu rei. – Respondeu apontando com a mão o caminho que deveriam seguir até os jardins da casa.

Estenelaídas era um sujeito alto, esguio e de ombros largos. Vinha de uma família de longa tradição militar. Seu avô paterno teve o orgulho de ser um dos trezentos que acompanharam Leônidas nas Termópilas e o pai de sua mãe estava com Cleômenes I durante o massacre aos argivos durante a batalha de Sepeia. Ele mantinha uma extensa lista de antepassados onde era possível ler até os nomes dos parentes que acompanharam Menelau em Troia, mas sua linhagem parecia estar com os dias de lutas no fim. Prestes a completar cinquenta anos, Estenelaídas nunca havia se casado. Quando criança entrou em combate com uma criança hilota, que arrancou parte do seu nariz com uma mordida. Ele a matou por isso, mas as lembranças daquele dia deveriam ter que carregar para sempre. Por muito tempo, todas as vezes que chovia precisava ouvir as pessoas em zombaria dizendo que ele poderia se afogar. E assim cresceu acreditando que aquelas marcas afastavam as mulheres. Seja como for, por ter passado dos trinta e cinco anos e não ter se casado, tinha que pagar impostos extras a cidade. Coisas de Esparta.

− Diga-me, Pleistoânax: − disse Estenelaídas sentando-se em um banco debaixo de uma figueira e convidando Pleistoânax a fazer o mesmo. – Esteve com Arquidamo? Quais as novas me traz?

− Sim. Estive com ele ainda hoje antes de vir te encontrar.

− E?

− Não disse nenhuma novidade. Para ser sincero, acredito que não dirá mais nada depois do nosso encontro.

− Você não... − Estenelaídas arregalou os olhos.

− Claro que não. Por quem me tomas?

− Pelos deuses, Pleistoânax – disse aliviado.

− Eu jamais mataria um rei de Esparta, mas pude perceber que Arquidamo não está gozando do melhor da sua forma. Não pudemos ter uma longa discussão, ele começou a se sentir mal e precisou ir para se quarto. Tossia muito.

− Entendi. O que pretendo então?

− Que convença os outros éforos, Estenelaídas. Eles irão te ouvir, Atenas já quebrou o acordo se envolvendo em Córcira e Corinto já pede nossa ajuda.

− Nenhum deles vai contra a decisão de Arquidamo e você sabe disso.

− Arquidamo já pode estar morto – interrompeu o rei.

− Mesmo que esteja morto. – Advertiu Estenelaídas com tom de voz um pouco mais alta antes de retornar ao normal. – Mesmo que esteja! O incidente em Córcira já foi superado.

− Eu estarei rindo de todos vocês quando Péricles marchar sobre Esparta – visionou o rei inclinando-se para frente e apoiando os cotovelos nos joelhos.

− Bom, espera-se que todos os espartanos estejam mortos quando isso acontecer, inclusive os reis. – Respondeu o éforo colocando sua mão esquerda no ombro direito do rei, que o olha de baixo para cima. – A não ser que algo novo aconteça, Esparta não vai declarar guerra Atenas, meu amigo.

Pleistoânax assentiu com a cabeça e com um sorriso no rosto se levantou.

− Algo novo acontece todos os dias.

Estenelaídas conhecia Pleistoânax muito bem para saber que ele não ficaria satisfeito até ter o que queria e aquele sorriso em seu rosto é praticamente uma confissão de que já tinha um novo plano em mente.

− Obrigado por me receber, não vou tomar mais seu tempo.

− Meu rei!

Os dois se cumprimentaram. Estenelaídas observou Pleistoânax se dirigindo à saída de sua casa quando o rei se virou em sua direção:

− Algo novo você diz?

Estenelaídas assentiu. Um leve calafrio percorreu seu corpo.

Pleistoânax retribuiu com um grande sorriso antes de se virar outra vez. Algo novo disse para si mesmo esfregando as mãos ao deixar a casa do éforo.

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