Capítulo 7

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Ter acesso à informação sempre foi indispensável para a melhor tomada de decisão. Se durante as marchas, os batedores são responsáveis por informar sobre os movimentos e números dos inimigos, além de fazer o reconhecimento prévios dos terrenos para se decidir os locais de acampamento e confronto, para conhecer os planos, seja de aliados ou inimigos, em tempos de paz ou guerra, os espiões eram os atores principais.

Arquidamo possuía uma série de informantes espalhados por todo mundo conhecido. Alguns camponeses, outros soldados; homens discretos, prostitutas ou dos mais ricos de suas regiões. Não importava, todos estavam dispostos a observar e relatar por um pouco de dracmas, entretanto, alguns faziam dessa atividade um verdadeiro ofício, tornando-se mestres em se infiltrarem em qualquer ambiente, conversar com as pessoas certas e obter o máximo de informação relevante e confiável para seu patrocinador, sobretudo, sem serem descobertos, e era por esses que o rei mais dispunha recursos.

A ameaça do leste, por hora, estava neutralizada, mas o que incomodava Arquidamo nos últimos anos era a insistência de Pleistoânax na conquista de Atenas.

Em Esparta, todos eram iguais. Apesar dos reis terem direitos aos melhores butins ao final de guerras, estavam sob as mesmas leis que os demais cidadãos: manter-se hábil para as batalhas, ser bravo em combate, assegurar que suas fazendas fossem produtivas, casar-se e gerar filhos saudáveis. Para as mulheres não era muito diferente. Embora não possuíssem direitos políticos formais, esperava-se que elas falassem com coragem ao serem questionadas e suas opiniões sempre eram ouvidas. Também eram as únicas na Grécia com diretos de gerirem suas próprias propriedades. Com intenção e afastar dos esparciatas a avareza e acúmulo de riqueza, não havia cunhagem de moeda em Esparta, ainda assim, isso não parecida impedir os desejos mais gananciosos de Pleistoânax, que assim como o pai, Pausânias, nunca se mostrava satisfeito.

Arquidamo conheceu muito bem Pausânias, que após a vitoriosa batalha de Plateias, foi acusado de conspirar com Xerxes para que este pudesse se tonar senhor de toda a Hélade, tendo Pausânias como regente. Foi descoberto e acusado de traição. Fugiu e acabou morto por inanição dentro de uma ala do templo de Atena, em Esparta, onde se refugiou em vão. Pleistoânax poderia não ser tolo o suficiente para conspirar com os persas, mas Arquidamo não duvidava que ele carregava o mesmo espírito déspota do pai, e por isso, sempre o manteve sob vigilância.

* * * *

Recém-chegado à cidade, Otacílio se dirigia ao encontro que marcara com o rei. Estava em Delos fazendo reconhecimento das forças atenienses na região quando recebeu outra missão de Arquidamo e agora iria relatar o que havia descoberto.

Vestindo sempre um manto e um capuz quando estava em Esparta, Otacílio era um homem magro, alto e cabelos negros como piche. Corvo era como o chamavam, pois muitos achavam que podia transmutar para a ave, possibilitando viajar entre regiões com agilidade e sem ser notado. Uma condição particular quase custou sua vida assim que nasceu: o olho direito era da cor dos cabelos, mas o esquerdo, além da falta de sobrancelha, era azul como as praias do Egeu. Seria jogado do Taigeto se sua mãe não tivesse convencido os sacerdotes que a sobrancelha iria crescer como a outra e os olhos iriam se igualar em cor. Nenhuma das coisas aconteceu, mas graças ao amor da mãe, venceu seu primeiro teste de sobrevivência. Cresceu ouvindo zombarias de seus pares esparciatas, mas mesmo com sua aparência peculiar, desenvolveu as habilidades necessárias para se infiltrar em diferentes ambientes. Se sentia satisfeito por conhecer os mais diversos lugares, pessoas e costumes. Já havia sido comerciante em Corinto, marinheiro sob as bandeiras de Atenas, emissário em Ecbátana, viajante em Cartago e muitos outros disfarces ao longo dos anos à serviço de Arquidamo. Como líder dos espiões do rei, tinha uma rede de colaboradores que faziam com que as informações chegassem em segurança ao destino.

Não foi incomodado pelos dois soldados que faziam a segurança na entrada da mansão de Arquidamo. Empurrou a grande porta de duas folhas e teve acesso ao pátio principal da casa. Já era dia e a parte descoberta do pátio permitia que a luz solar aquecesse as plantas que ornamentavam o local. Hilotas já andavam de um lado para outro, mas nenhum se incomodou com a presença do espião.

Sem ter que pensar, como se suas pernas já soubessem o caminho sozinhas, virou à direita e depois à esquerda em um corredor decorado com bustos de heróis, deuses e reis da casa Euripôntida e que levava ao interior da residência. Normalmente a reunião com o rei seria no salão principal, que ficava no térreo bem de frente ao pátio, mas ele sabia das condições debilitadas de Arquidamo, então precisou seguir aos seus aposentos. O corredor continuava para dar acesso aos outros cômodos, mas Otacílio virou mais uma vez à esquerda subindo pelas escadas até uma varanda aberta de onde podia se ver a estátua de Héracles em uma praça não longe dali. Continuou à direita, passando sob um pergolado tomado por uma grande videira, chegou à porta do quarto de Arquidamo. Duas sentinelas guardavam a entrada. Esperou que sua presença fosse anunciada ao rei por uma delas e ao receber a autorização, entrou.

− Meu rei? – A voz rouca saiu como um trovão. Otacílio viu um Arquidamo prostrado com os olhos fechados em sua cama.

− Otacílio – o rei abriu os olhos e ordenou com um gesto que o hilota os deixassem só. – Pegue um pouco de água para mim.

O espião encheu o copo com água que estava sobre uma mesa logo em frente a cama do rei. Entregou a Arquidamo e o ajudou a se apoiar na cabeceira da cama. O rei tomou um pouco antes de recomeçar:

− Qual foi a última vez que nos vimos? – O rei fez uma pausa para tomar um pouco mais de água enquanto Otacílio permanecia de pé e em silêncio. – Acho que cavalgamos juntos.

− Não estávamos com algumas meretrizes em Tebas? – A intimidade entre os dois permitia esse tipo de brincadeira de Otacílio. De fato, eles não se encontravam muito pessoalmente, e nem era necessário que o fizessem.

− Não! Isso foi em Lato – o rei tentou dar um leve sorriso antes de acabar de beber a água do copo e o entregar para Otacílio, que ficou feliz por perceber que o amigo ainda cultivava um pouco de humor. – Temo que isso não possa ser repetido, se é que algum dia aconteceu.

− Logo estará de pé outra vez, meu rei. Sua lança e seus homens o aguardam ansiosos.

O rei apenas assentiu com a cabeça enquanto suspirava. Sua voz saía fraca quase que com uma confissão de que aquilo que Otacílio previa não iria acontecer.

− Conte-me sobre Pleistoânax.

− Bem... se encontrou recentemente com representantes dos potideus e um membro da corte coríntia. Eles ainda estão magoados com Atenas e viram em Potidéia uma oportunidade de vingança. Pleistoânax os garantiu apoio de Esparta e do Peloponeso contra os atenienses.

− Ele espera que eu morra rápido e imagina que possa manipular Ágis. – O rei se esforçava para falar.

− Sim. Para Pleistoânax, sua morte é questão de tempo, e mesmo que não possa manipular Ágis, ele sabe que o filho não goza do mesmo prestígio do pai, então, vai usar a seu favor.

− Falarei com Ágis.

− É importante, mas o que Pleistoânax ainda não sabe é que os potideus não querem um conflito com os atenienses, tão pouco com os macedônios, pois, se não se unirem à causa de Perdicas, temem que virem alvo dele. Estão em um impasse, e por isso uma delegação também foi enviada a Atenas, e Péricles deve recebê-los em breve.

− Precisamos enviar uma mensagem aos atenienses então.

− Já esperava por isso, meu rei, tenho tudo preparado para partir imediatamente. Que mensagem devo levar à Péricles?

− Não, preciso de você em Esparta. Receberá minhas palavras ainda hoje e então envie um dos seus melhores homens. Ele precisa ser rápido.

− Claro, meu rei. Farei como deseja.

− Agora vá, preciso descansar um pouco.

− Meu senhor – Otacílio cumprimentou o rei com uma reverência e o deixou sozinho.

Arquidamo sabia que mais uma ação militar de Atenas contra Corinto acarretaria na quebra de paz entre eles, mas tinha uma leve esperança de resolver tudo diplomaticamente. O rei temia que uma guerra enfraquecesse os povos gregos e havia muitos inimigos pelo mundo esperando por esse momento. Se houvesse qualquer coisa que pudesse fazer para evitar o conflito, mesmo que nos seus últimos momentos de vida, ele o faria. 

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