Capítulo 2

49 17 23
                                    


Por mais rígidos que fossem os homens gregos, os laços familiares falavam mais alto. Principalmente quando se tratava de pai e filho.

Alessandro estava do lado de fora da casa, não falava com ninguém, mas correspondia quando era cumprimentado. Esperava pelos últimos suspiros do pai. Tânatos, o deus da morte, logo viria buscá-lo. O velho, usando a força que ainda lhe restava, manda chamá-lo.

− Senhor, seu pai deseja vê-lo. − Disse um hilota que trabalhava para sua família.

Alessandro caminhou até o quarto onde o pai descansava. No caminho pela grande casa encontrou com vários homens que haviam lutado ao lado de seu pai, um homem muito influente entre os periecos e detentor de muitas posses. Dríades, o melhor amigo e conselheiro de Dédalo estava em frente à porta do quarto como uma sentinela.

− Será necessária muita força meu rapaz. Sua mãe e o restante da vila irão precisar. – Disse calmamente Dríades com a mão direita apoiada no ombro esquerdo de Alessandro.

Alessandro somente assentiu, sabia que quando Dríades falava que a vila iria precisar dele, estava se referindo a as diferenças com Esparta. Seu pai, Dédalo, empenhara esforços durante anos, seja em conflitos armados, seja na política, contra as crescentes taxas de impostos cobrados pelos espartanos. Essa luta logo seria dele e Dríades não queria que ele se esquecesse.

Quando entrou no quarto, fechando a porta e deixando amigos e familiares para trás, teve a sensação de que não via seu pai há muitos anos, apesar de que na manhã daquele mesmo dia já o tinha feito. Ele parecia mais acabado do que nunca.

− Pai, o senhor... − Alessandro foi interrompido pelo levantar sutil de dedos de seu pai. Ele se aproximou e sentou na cama ao lado do moribundo pai.

Dédalo olhava para o filho tentando reunir forças para dizer algo. Talvez algumas palavras de afeto. Palavras estas que por anos faltaram na relação entre pai e filho.

Com olhar fixo, como se estivesse diante do general que lhe passava as ordens antes da batalha, Alessandro observava o pai. Foi assim que ele aprendeu a ouvir os ensinamentos de Dédalo desde criança e não seria diferente agora.

Um silêncio sepulcral havia tomado conta do ambiente. O mesmo silêncio que logo tomaria conta de Dédalo.

Da mesma forma que Dédalo não sabia, ou não tivesse forças para dizer, Alessandro estava na mesma situação. Ele e seu pai não tinham um diálogo muito desenvolvido, e àquela hora não parecia ser o momento certo para começarem. Talvez ambos estivessem querendo pedir perdão um ao outro, mas não sabiam exatamente o porquê de terem se distanciado ao longo dos anos. Pareciam mais como comandante e comandado do que pai e filho.

Certa vez, quando estavam almoçando, ocorreu um fato que ajudou para que o relacionamento de pai e filho diminuísse.

* * * *

Enquanto comiam, Dédalo falava com a esposa sobre coisas do trabalho. Dizia que iria vender uma parte da produção de azeitonas.

− Vou vender três partes das azeitonas nos próximos dias. Consegui bons preços com os comerciantes de Corinto, que deve passar aqui nos próximos dias. O que restar será suficiente para nós – ele fez uma pausa para beber um pouco de vinho antes de concluir. − Deméter foi generosa este ano, temos que fazer um festival para agradecê-la.

Alessandro escutava atentamente ao pai. Queria dizer que achava melhor não vender tanto. Eles podiam ficar com uma quantidade maior para fabricação de azeite, mas sabia que não podia falar enquanto comia, ainda mais para discordar do pai. Algumas coisas eram como em Esparta, e essa definitivamente era uma. Porém, as palavras costumam não respeitar tradições e saltaram de sua boca:

− Meu pai, talvez não devesse vender tantas azeitonas. Venda somente uma parte desta vez. O restante use para fabricar azeite. Assim, conseguirá melhores preços e o lucro será maior.

No mesmo instante que havia terminado de falar, percebeu que tinha de aprender a controlar seus instintos. Olhou para seu pai que o encarava estático. A mãe tentou fingir que tudo estava bem. Alessandro então continuou a comer, mas já sentia seu coração acelerar os batimentos. Tinha dito tudo de uma só vez, mas era melhor que tivesse engolido as palavras com o almoço.

Dédalo olhou para a esposa, que nada disse, antes de se levantar.

Alessandro continuava a comer, mas sabia que isso logo seria diferente. Com os olhos no prato, tentava acompanhar a movimentação do pai.

Dédalo andou lentamente em direção a Alessandro. Olhava para ele com um misto de raiva e surpresa do que havia acabado de ouvir. Ser questionado daquela maneira durante a refeição não era algo aceitável e o filho sabia disso. Algo teria que ser feito para que se recordasse do seu lugar na família. Parou bem atrás de Alessandro, que olhando para frente deu um breve suspiro.

Dédalo pegou firme na cabeça do filho e a socou três vezes contra a mesa. O sangue logo jorrou do nariz do jovem. Dédalo voltou, sentou-se novamente e continuou sua refeição.

Alessandro olhou para mãe, que retribuía com um olhar de piedade, mas não disse nada, nem poderia dizer. Dédalo logo voltou a falar com a esposa e o almoço, para ele, seguiu normal.

O sangue ainda escorreu por algum tempo antes de cessar. Alessandro permaneceu imóvel durante todo o tempo que seu pai ainda estava à mesa. Não se limpou, não falou, apenas permanecia ali, em corpo, mas o espírito tentava fugir para os confins do mundo, e a partir daquele dia, pai e filho não seriam como antes. Amavam-se sim, mas cada um à sua maneira.

* * * *

Eles sabiam que somente eles eram culpados por se afastarem por tanto tempo, mas isso não importava mais, a escuridão tomara conta do velho.

Dédalo a princípio sentiu uma leve agonia pela falta de ar. Depois relaxou. A escuridão da morte tomara conta dele. Espírito e carne já não faziam parte do mesmo corpo.

Alessandro percebeu que seu pai já não mais estava entre os vivos, apesar dos olhos ainda abertos. Passou a mão sobre eles e saiu.

Dríades ainda estava em frente à porta quando viu Alessandro abrindo a porta e deixando o quanto do pai. Esperava que ele dissesse algo, mas Alessandro apenas fez um sinal negativo com a cabeça. Ele entendeu e inclinou sua cabeça em respeito. O gesto foi acompanhado por todos que estavam próximos.

Descendo as escadas que davam acesso ao andar dos quartos, Alessandro foi ao encontro da mãe que estava com alguns familiares na sala do primeiro andar da casa. Ao encontra-la, não hesitou em dizer as palavras que foram recebidas como lâminas afiadas em seu peito:

− Pode preparar o ritual. O pai se foi.

Enquanto sua mãe era consolada por outras mulheres, Alessandro foi em direção à saída da casa. Sentia uma dor que nunca havia sentido antes, muito mais forte das que sentia quando apanhava nos treinamentos de batalha. Aquela não era uma dor do corpo, e sim da alma, e essa não lhe fora ensinado a suportar. Por um momento se viu confuso. Mil coisas passavam em sua cabeça ao mesmo tempo quando Selene, jovem a qual amava Alessandro, o abraçou. Estavam juntos há algum tempo, mas ainda não haviam se casado.

Aquele abraço o trouxe de volta. Menor que ele, ela o olhava com os olhos voltados para cima.

− Meu pai morreu − disse para Selene.

Ela assentiu e o abraçou mais forte.

Alessandro apoiou o queixo sobre a cabeça de Selene e observou as oliveiras não muito longe de onde estavam. Assim como as árvores balançavam seus galhos conforme a direção dos ventos, ele percebeu que teria que se adaptar rapidamente à nova realidade para não quebrar.    

PeloponesoOnde histórias criam vida. Descubra agora