Capítulo 4

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Diferentemente dos esparciatas – filhos de mães e pais nascidos em Esparta –, os periecos podiam se dedicar ao comércio, artesanato e agricultura. Eles tinham origem nos antigos habitantes da Lacônia que acabaram sendo conquistados por Esparta em seu processo de expansão e controle da região. Não eram obrigados a servir ao exército por toda vida, mas combatiam em regimentos destacados quando eram convocados.

Muitos periecos conseguiam acumular grandes quantidades de dinheiro, mesmo sendo obrigados ao pagamento de impostos. Gozavam de certa autonomia o que incluía a administração de suas comunidades, ainda que constantemente vigiados por um magistrado de Esparta, o harmosta. A eles também não eram concedidos direitos políticos e quando um esparciata se sentia ofendido por um perieco por qualquer razão, podia requerer aos éforos a morte de tal. Essas situações não eram raras, mas a absolvição por parte do éforos sim.

Esparta cresceu tendo que lidar com rebeliões de hilotas e periecos. Sempre que algum líder tentava a liberdade sua cabeça acabava decorando uma lança na entrada de sua vila. Era como um aviso macabro anunciando o destino dos que tinham a mesma ideia.

Por maior que fosse o número de homens que os insurgentes podiam reunir, algo era sempre o fator de desequilíbrio: o treinamento militar. Esparta sabia da sua superioridade militar e deixar que seus periecos pudessem se dedicar a outras atividades era uma excelente estratégia. Enquanto pelas vilas o comércio, artesanato e agricultura prosperavam, em Esparta os homens se dedicavam a apenas à guerra.

Dédalo não era tolo, conhecia bem a preparação dos soldados de Esparta, e assim como outros líderes periecos, se movimentava nos bastidores esperando a hora certa de agir, contudo, ele não teria mais nenhuma oportunidade e essa missão ele transmitia ao filho, mesmo sem saber se ele estava pronto.

* * * *

O sol estava no meio do céu e o suor descia pelo pescoço dos presentes. O corpo de Dédalo estava sobre a pira funerária esperando para ser cremado.

Todos os rituais fúnebres já haviam sido feitos. No dia anterior, seu corpo já tinha recebido a visita de parentes e amigos. Na entrada da casa, um grande vaso com água era usado para purificar os que deixavam a residência. Alessandro banhou seu corpo com óleos perfumados e o cobriu com a mortalha. Entre os dentes, a moeda para pagar o Caronte pela travessia do rio Aqueronte em direção ao Hades, já havia sai depositada. Sem o pagamento, o barqueiro não faz o transporte da alma, que não pode entrar no mundo dos mortos e fica condenada a permanecer às margens do Aqueronte, sem paz, por cem anos.

Enquanto as mulheres, somente as mais próximas do defunto, lamentavam e batiam os pés no chão em histeria, os homens ofereciam presentes e estendiam o braço para frente e para o alto em sinal de dor. Todos que entravam no quanto onde o corpo repousava deveriam vestir preto, cinza ou branco.

Naquele dia, antes dos primeiros raios de sol surgirem, o corpo fora transportado para onde a pira havia sido construída. Em torno da estrutura, muitas pessoas dedicavam suas últimas homenagens e orações.

− Está na hora, mãe. – Afirma Alessandro à mãe quando ambos estão em frente a escada que dava acesso ao último andar da pira. Toda de preto, ela vestia uma peplo, túnica presa por duas fíbulas, e um véu sobre sua cabeça. Ele trajava um quíton branco preso por fíbulas douradas.

Ela assentiu entregando ao filho a tocha para que ele pudesse incendiar o corpo do pai.

Lentamente ele subiu pela escada até o corpo de Dédalo que jazia sereno sobre um feixe de lenha seca. Com a mão direita segurava a tocha e com a esquerda sobre o peito do pai, Alessandro fez suas últimas orações. Ao terminar, aproximou as chamas da tocha próximo a madeira onde o corpo do pai estava. Logo o fogo cresceu obrigando-o a descer.

A madeira seca é um excelente combustível e rapidamente o corpo de Dédalo desapareceu nas chamas. O cheiro forte de carne queimada podia ser sentido e os estalos da madeira denunciavam o poder do fogo. A estrutura da pira não demorou a ceder e as pessoas começaram a se dispersar enquanto o corpo de Dédalo ainda ardia.

Alguns dos amigos mais próximos davam suas últimas palavras de conforto para a viúva e seu filho. De pé em frete a fogueira que havia se tornado a pira, Alessandro ficou só. O fogo refletido em seus olhos fez com que seus pensamentos fugissem e ele delirava:

Espero que os deuses nos concedam o presente do reencontro para que eu possa abraçá-lo e beijá-lo mais uma vez. Simples atos de afeto que por muito tempo me recusei a fazê-los. Falarei de nós para meus filhos. Filhos que você não os verá crescer, porém, que saberão quem foi seu avô, e eles falarão de nós para seus filhos. Não direi o quanto rancor que guardamos um do outro por tanto tempo, mas sim, o quanto companheiros fomos, mesmos que não demonstrávamos isso. Espero que encontre a verdadeira paz. A paz que sempre buscou. Quanto a mim, não se preocupe, fui criado e treinado pelo maior homem de todos: o senhor, meu pai.

Quando voltou à realidade, muitas horas haviam se passado. Estava completamente sozinho e a pira fúnebre de seu pai se tornara apenas um monte de cinzas ainda quentes, que ele recolheu em uma urna para que pudesse providenciar a inumação.

Já era noite quando o sepultamento estava concluído e Alessandro partiu para o último dos atos fúnebre do pai: um banquete oferecido por Dríades. Estava cansado, mas sabia que os dias que seguiriam seriam os mais desafiadores do que todos até aquele dia.

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