v. tell me your dreams

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George permaneceu no quarto pelo resto do dia. Ele se perguntou diversas vezes se Harry não voltaria para que pudessem cochilar um pouco juntos.

Quando decidiu sair de lá, o encontrou encolhido como uma bola no sofá, uma expressão triste em seu rosto adormecido e lágrimas secas em suas bochechas. Ele tomou banho, se vestiu, recolheu as roupas penduradas no banheiro, trocou os lençóis da cama e ajeitou a pequena bagunça do quarto e voltou para a sala.

Ele sorriu para a imagem do esposo, que continuava  a ressonar baixo. Calmo e já sem o mesmo pensamento raivoso pessoa de horas atrás, se curvou e pegou-o em seus braços, pronto para levá-lo para a cama. Harry teve a sensação de estar caindo de um lugar muito alto e, agitado, tentou se situar.

Ao perceber a situação, arregalou os olhos, tentando se esquivar da pessoa que o abusou, pronto para resistir qualquer investida. George, ao contrário do que esperava, alargou mais seu sorriso, o aconchegando mais perto e deixando um beijinho demorado em sua bochecha.

Harry não soube como reagir.

Tentou ir para o chão, sem êxito, impedido pelas mãos fortes do homem que continuava a sorrir de uma forma esquisita.

— Se passaram tantos anos e você continua a ficar envergonhado depois que eu te fodo — sussurrou rente à orelha de Harry, que se arrepiou, com receio.

Ele queria gritar o que estava preso em sua garganta, conversar com George sobre as coisas que vinham acontecendo no casamento e que o incomodavam. Gostaria dessa liberdade. A voz em sua cabeça o fez desistir, gritando que a culpa era sua. Essa voz era frequentemente nutrida pelas palavras duras do próprio George. Tais palavras diziam o quão era era desinteressante, inútil, fraco, sensível, idiota, estranho e lerdo.

O homem mais velho o colocou suavemente na cama. Harry remoeu tanto o que estava em sua mente que sequer percebeu a pequena trajetória até  o quarto. Para sua felicidade, ele avisou que estava saindo e que não demoraria. Harry não costumava questionar suas saídas, uma vez que prezava pelo espaço dentro da relação.

Assim que George deixou o apartamento, Harry se arrastou de volta para o sofá. Aquela cama o trazia repulsa, ele passou maus bocados ali.

Seus sentimentos e pensamentos não conseguiam se alinhar. Quando fechava os olhos, inconscientemente buscando a calmaria, tudo voltava como um devastador tsunami: os toques grosseiros, as palavras chulas, o ato forçado.

Harry sabia a gravidade de um estupro. Ele estudava as estatísticas, lia muito sobre, além de ver frequentemente casos nos noticiários. Ele organizou palestras acerca do tema na escola que leciona e ajudou instituições que lidavam com os mais diversos casos. Agora, poucas horas depois de ter sido violentado pela pessoa que jurou amar eternamente, se vendo ali sozinho e perdido em sua própria mente, parecia que tudo esvaiu pelo ralo.

Não sabia o que fazer, como reagir, que decisão tomar, com quem conversar. Era como um assunto de que nunca tivera conhecimento, algo novo. E isso não era bom.

Encontrou seu celular jogado no meio das almofadas do sofá no exato momento em que ele indicava o recebimento uma chamada. "Mamãe" era o que estava escrito. Mesmo tentado a atender, contar sobre sua vida, ouvir sobre a vida de sua pessoa favorita no mundo e, quem sabe, marcar um encontro para recuperar o tempo perdido, não o fez. Deslizou para baixo e recusou ligação.

Era complicado.

George voltou não muito tempo depois. Ele pendurou um papel na geladeira, abriu as embalagens que trouxe, separando algumas coisas e encheu um copo com água, levando-os para Harry.

Em sua mão esquerda, ele equilibrava duas caixinhas de isopor, e na direita, o copo d'água. Harry pegou e tomou um pequeno gole, parando quando George fez um sinal. Em cima da última caixa, estava uma cápsula vermelha, o primeiro anticoagulante do tratamento.

aneurysm • lwt+hesOnde histórias criam vida. Descubra agora