Capítulo Um - Parte 3

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Tomo mais um gole de cerveja e encaro a tela do celular. Oito aplicativos baixados. O wi-fi do bar já foi mais rápido que isso, mas continua sendo melhor que a internet no meu apartamento. E eu precisava beber.

Olho para a garrafa na mesa como se ela pudesse me dar uma resposta. Sempre achei patético quando as pessoas começavam a beber para esquecer algum problema. E, morando dois andares acima de um bar, já cansei de ver gente fazendo isso. Mas hoje eu consigo entender exatamente por que fazem isso. É mais fácil. Não. Não é bem isso. Mas é algo, uma decisão consciente sobre o que fazer no meio de uma situação que não consigo controlar. E, mesmo que eu não diga que isso é algo bom, é a única coisa que tenho agora.

Queria que fosse fácil ignorar o que aconteceu mais cedo. Só enfiar tudo em um canto da minha mente e não pensar mais no assunto. Mas não consigo. Continuo vendo o rosto da Domina marcado pelas linhas escuras, a expressão de Augusto quando me soltou... E é tanta coisa na minha cabeça, que não sei mais o que é pior. As lembranças, aquela sensação de estar vendo tudo o que perdi quando fui banida, pesar pela Domina ou a sensação de traição...

Traição. Eu nunca me deixei pensar nisso, mas depois de ver Augusto... Não foi difícil para ele mandar alguém atrás de mim quando precisou, não é? Sem se importar com o que isso ia significar para mim, se seria um problema, porque é isso que os draconem fazem. Se você não é um deles, só tem valor como uma ferramenta. Qualquer ilusão que eu tinha sobre isso desapareceu quando minha mãe adoeceu e ninguém estava lá para me ajudar.

Viro o resto da cerveja no meu copo e levanto a garrafa, olhando para o balcão. Rô, a dona do bar, revira os olhos e pega outra garrafa. Normalmente eu iria buscar a cerveja, mas estou sozinha aqui e não quero correr o risco de perder minha mesa. Não estou com saco para ficar sentada no balcão e ainda tem bastante gente na porta do bar, bebendo em pé e conversando.

- Dia complicado? - Rô pergunta.

Dou de ombros e viro o resto de cerveja no copo, antes de enchê-lo de novo.

- Algo assim.

Ela só balança a cabeça antes de voltar para o balcão. Ela já deve estar mais que acostumada a ver esse tipo de cena, mas é a primeira vez em quatro anos que eu faço isso. Sempre estou no bar, mas normalmente combinei de encontrar com alguém ou acho algum conhecido aqui para ficar conversando. Nunca estou sozinha e nem bebendo assim. Hoje... Foda-se.

Raivenera foi meu lar. Cresci dentro das muralhas do castelo, com as outras crianças das famílias mais importantes dos draconem. Conheci Augusto quando eu tinha sete anos e ele nove. Maira e eu estávamos brincando e ele fugindo de um dos instrutores. Nós lhe mostramos um dos nossos esconderijos, sem nem saber quem ele era. Depois disso, nos tornamos o trio pesadelo do castelo. Fugindo de professores, achando esconderijos para escapar das aulas, nos enfiando em passagens e lugares pouco usados do castelo, praticando magias que não deveríamos saber...

Até que um belo dia ele desapareceu. Eu devia ter uns quatorze anos na época - sei que foi antes dos meus quinze anos, porque me lembro de falar para minha mãe que fazia questão de não mandar um convite para ele, na época da cerimônia que fazem para todas as garotas draconem. Minha mãe tentou me explicar, dizendo que ele precisava começar a ser treinado como o herdeiro de Raivenera e não podia mais gastar tempo com nossas brincadeiras. O que fazia sentido, mas... Por anos, ele foi um dos meus amigos mais próximos. Nenhum tipo de explicação serviria para justificar ele ter desaparecido sem falar nada. E Maira concordava comigo.

Quando minha mãe adoeceu, depois que percebemos que aquilo não era uma doença normal, eu pedi ajuda para todo mundo que consegui pensar. Usei todos os favores que deviam para minha família, todos os contatos que minha mãe tinha, todos os meus - que não eram muitos. Maira, que seria meu melhor contato, estava estudando em outra cidade. Depois dela, só me restava uma opção, então pedi uma audiência com Augusto. Ele com certeza se lembrava de mim e iria ajudar.

Marcas do Destino (Draconem 1) - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora