— Eu só queria saber como você consegue destruir as mesas com tanta frequência — comento.
Lena grunhe alguma coisa e eu seguro uma risada. Ela está sentada no chão, encostada na parede ao lado da porta e tomando o segundo copo de café. Não que esteja tão cedo assim, e nem estou de consciência pesada por ter acordado ela. Pagamento pelas vezes em que eu fui acordada.
Normalmente acordo tarde, porque demoro a conseguir dormir. Mas essa noite foi pior: eu estava acordando quase que de hora em hora. No fim das contas, perdi a paciência e vim para a casa de Lena assim que deu oito horas da manhã. A mãe dela ainda estava aqui quando cheguei e chamou Lena sem pensar duas vezes, já que ela costuma acordar com o dia nascendo. Não é minha culpa que justamente essa noite Lena tenha ido dormir tarde.
— Espero que a noitada tenha sido boa, sabe...
Lena me mostra o dedo do meio antes de tomar mais um gole de café. Nem tento segurar minha risada. Ah, a doce vingança.
— Aliás, o que você arrumou para fazer em plena quarta-feira? Ou melhor, quem...
— Isso é vingança, é?
Sorrio e me viro de volta para as peças de madeira que estou juntando. Na época em que comecei ir para o bar sempre, porque precisava sair de casa às vezes e ver outras pessoas, Lena passou um bom tempo pegando no meu pé. De acordo com ela, eu estava indo sempre para lá porque estava interessada em alguém – Rô é casada e não gosta de mulheres, então não podia ser ela, mas que se eu contasse em quem eu estava de olho Lena podia ver se conhecia e me apresentar. Como se eu fosse estar pensando em qualquer coisa desse tipo...
Então sim, é vingança.
— Eu reparei que um dos grupos que normalmente fica patrulhando a região está sempre aqui perto da oficina, sabe — continuo.
Não os guardas dos draconem, mas as pessoas que moram na área e que montaram uma força de segurança independente. Na maior parte das vezes, eles acabam funcionando mais para avisar que os guardas estão se aproximando e ajudar as pessoas a esconder qualquer coisa que não possa ser encontrada. Ou, no caso de Lena, desviar a atenção dos guardas para longe do apartamento dela.
Até vir para os bairros altos, eu nunca percebi o tanto que os draconem controlam tudo na vida dos civis. Quando eu estava na cidade central, ouvindo o que contavam, fazia sentido. Era preciso ter um controle de tráfego, era preciso controlar quem podia ou não estar nas ruas depois de certo horário, era preciso controlar o comércio de qualquer coisa que pudesse ser usada como arma – mesmo que fossem martelos ou facas de cozinha. Com todas as gangues dos bairros altos, era óbvio que isso era necessário, uma forma de manter um mínimo de ordem.
Tudo mentira. Não que isso realmente tenha me surpreendido. Não precisei de uma semana aqui para entender que tudo o que os draconem fazem se resume a controle. Manter a população sob controle. Manter a população indefesa. Manter a ordem de sempre – o status e conforto que eles têm.
As gangues que eles tanto falam a respeito nos bairros central são justamente a resposta a esse controle. Pessoas se juntando para tentar respirar e tentar se proteger, porque os guardas dos draconem não costumam esperar para entender o que está acontecendo. Se eles têm uma suspeita que seja, já era.
E é normal sempre ter algum grupo perto da oficina, então Lena não tem motivo para estar demorando a responder. Olho para trás. Ela está tomando o café com uma concentração fingida que é uma resposta.
— Mas gente...
E pensar que eu só estava zoando...
Confiro se as peças de madeira não vão se soltar antes de me virar para ela.
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Marcas do Destino (Draconem 1) - Degustação
Fantasy-= Primeira versão, não revisada. A versão final tem umas tantas alterações. =- JÁ NA AMAZON: https://www.amazon.com.br/dp/B07QPCJSW9/ O mundo de Ana desabou quando sua mãe morreu de uma doença misteriosa e ela, por muito pouco, escapou de uma sente...