"Será que um dia"

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"A mesa de jantar

O telefone fixo

Tevê e vinho bom

Pro seu dia difícil

No tempo que passou

Criamos tantos vícios

E na fotografia estamos tão bonitos"*

Hesitei e depois de muita insistência Kaká me convenceu a tomar um banho também. Ele ainda não sabia como eu achava invasivo estar numa casa que não fosse a minha e como eu era sistemático, velho, ranzinza e cheio de detalhes quando este era o assunto. Não queria incomodar, não queria dar trabalho e procurava interferir o mínimo possível no habitual do espaço. Além dos pedidos de Kaká, sabia que aquele dia de 40° na sombra tinham me feito suar horrores e estava eminente nossa primeira noite juntos.

Voltei do banho e as luzes já estavam apagadas. Restava apenas a luz do abajur e das delicadas micro lâmpadas que ornavam a beirada do seu painel de fotos, além das luzes do seu globo terrestre e dos mapas desenhados numa das paredes.

Kaká estava deitado na cama, com sua samba canção branca com ícones pequenos amarelos, pernas cruzadas e braços esticados para trás, com as mãos apoiando a cabeça. Ela havia pegado minhas malas no carro e eu vesti minha última peça de roupa. Estava completamente desajeitado e não sabia como deitar naquela cama, como acessar o corpo dele, como existir ali naquele momento. Ele percebia meu desajeito pra aquilo e se levantou, retirando a blusa que eu havia acabado de colocar, para depois retirar com cuidado meu último short limpo. Com todo cuidado fui conduzido como numa valsa até a beirada da cama, com toques firmes e suaves ao mesmo tempo, com beijos intensos e carícias que, aos poucos, iam sendo mútuas e não somente por parte dele.

Quando ritmo acelerou, agi como um carro velho numa estrada deserta. Falhei, pifei e a ansiedade e adrenalina não souberam se comportar em minhas veias. Kaká percebeu que eu havia travado e me convidou pra sentar no tapete confortável entre o armário e a cama. Não conseguia olhar pro rosto dele, úmido de suor. Era frustrante e decepcionante pra mim quebrar o clima daquele momento que se desenhava perfeito. Mais um pra conta da insegurança.

Ele, vendo meu desconforto com o contato visual, apagou as luzes e me fez carinho, me colocou no seu peito e dasatinamos a falar da vida, de nossas famílias, de nossos pais, nossas infâncias, nossos trabalhos de escola, nossas amizades. Kaká contava sobre seu amor por jogar vôlei e eu confessava meus desastres quando se tratava de qualquer atividade física. Falávamos sobre a nossa descoberta na adolescência, primeiro beijo, primeiros romances e, saindo do passado e do presente, fomos mirar o futuro.

_ Tá, agora você decidiu não ir mais pra Europa. Mas e ai? O que será feito agora? Qual rumo você pretende dar pra sua vida? - dizia ele na escuridão do quarto

_ Não quero voltar pra BH. Não está nos meus planos retornar, depois de ter despedido de todo mundo, passado por todo um ritual de afastamento. Não quero voltar depois de uma semana. Eu gosto demais do Rio e gosto mais ainda de você. Vou tentar procurar algo por aqui, tentar entrar na federal, arrumar um emprego. Tenho dinheiro pra sobreviver uns cinco ou seis meses aqui, então nesse tempo vou tentar me ajustar...

_ Sabe que pode contar comigo, né? Sabe que sou sua companhia pro que você precisar. E eu precisava ouvir essa resposta pro que estou planejando pra nós. Acho que vai ser uma fase linda, muito produtiva pra nós dois.

_ Se pudesse ver minha cara de medo agora... - dizia me reposicionando no colo dele

_ Ah, está alinhado ao que você deseja, então não precisa sentir medo. E talvez sentir medo seja bom. Nos deixa atentos pro futuro, pro que está vindo pra gente.

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