"Pelo telefone - Parte 2"

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"Você me ouviu chorar pelo telefone
Sabe que eu não ando bem, vem me visitar
Você me ouvir chamar pelo telefone
Sabe que eu te quero bem, vem me visitar
Quem me conhece um pouco já vê que não estou
Nos meus melhores dias pra falar do amor
Nem mesmo o sol dourado pode me animar"*

O som que embalava minha volta pra Belo Horizonte nos fones de ouvido fazia todo sentido pra minha alma. Mallu me acompanhava com seu dom de ser minha trilha sonora para todos os momentos e aquela canção parecia ser feita exatamente para aquela cena, para aquele contexto que eu atravessava.

O ônibus subia a serra, a caminho da minha cidade natal. As curvas verdes sinuosas estavam tomadas por neblina, dando um arrepio na espinha e um frio na barriga. Depois de uma história tão conturbada, cheia de curvas mais sinuosas que a volta do Rio, aquele frio na barriga era causado por tantas coisas. Fui ao Rio morrendo de medo e voltava ainda mais inseguro, chorando tudo que não havia chorado na vista de Kaká.

Na altura de Juiz de Fora, o ônibus parou na escuridão da estrada. Depois de andar numa velocidade reduzida, notei que o ônibus foi parando aos poucos, até empacar de vez. Aquilo não parecia ser um sinal ou boa coisa.

Os passageiros que dormiam começavam a se movimentar na poltrona para entender o que acontecia. Aos poucos as pessoas levantavam, encaravam umas às outras para captar alguma informação ou sinal. Olhando pela janela, notávamos o motorista e o assistente andando com lanternas na estrada escura, como se procurassem algo na parte dianteira do ônibus.

_ Parece que o ônibus pifou... - dizia um moço de trinta e poucos anos, com blusa e calça preta, e óculos escuro em plena noite

_ Sério? Que droga! - respondia pensando que só poderia ser praga do Kaká

_ Pois é... fui agora lá fora e escutei o motorista falando com o outro cara que estragou uma peça lá... parece que vão ter que esperar alguém trazer uma peça ou um mecânico para resolver... eles têm uma garagem aqui perto... ou então vão trazer outro veículo pra terminar a viagem...


Não havia notado a presença daquele rapaz logo ali na poltrona ao lado até que o vi chegando pelo corredor, após ter ido buscar informações com o motorista lá fora. Entrei no ônibus na Rodoviária Novo Rio sem dar atenção ao me cercava. Apenas caminhei com meus fones, minha mochila nas costas e passagens em mãos, festejando não haver ninguém ao meu lado no ônibus. Poderia dormir sem nenhuma preocupação.

A tragédia parecia escrita por um autor mexicano ou por um clássico grego. Minha cabeça ainda doía, meu estômago roncava de fome, as palavras de Kaká e o barulho das coisas sendo destruídas por ele ainda ecoavam. Eu não havia comido nada antes do evento começar, tomei algumas caipirinhas durante a festa e minha madrugada havia sido tensa o suficiente para me causar azia, uma dor de estômago insuportável e uma ânsia de vômito que não cessava. Aquele fim de madrugada e início de manhã estava frio e, mesmo em pleno verão, havia neblina em algumas partes da estrada, na divisa entre Rio e Minas. Para completar, já fazia mais de uma hora que estávamos parados no meio da estrada, dentro de um ônibus pifado. Ninguém ainda nutria esperanças de seguir viagem naquele mesmo ônibus e o motorista não vinha nos dar uma explicação oficial sobre o que estava acontecendo.

_ Acho que vamos chegar em BH só no final da tarde, viu? Pelas minhas previsões iniciais a gente chegaria até meio-dia... agora já era! - dizia o rapaz todo de preto que ainda forçava uma conversa

_ Pois é - respondia monossilábico no mau humor da manhã, da dor de cabeça e da impaciência por estar no meio da estrada num ônibus estragado

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