"As cartas na mesa, eu aposto em mim mesma
A minha garganta é de prata
Me olha no olho, você não me assusta
A roda da sorte me abraça"*
Após muitas noites sem dormir, o projeto que surgiu numa ligação às onze da noite alguns meses antes começava a surgir diante dos olhos. Havia menos de duas horas que eu tinha, enfim, ido repousar no meu justíssimo descanso de meia noite às seis quando Arthur me ligava perguntando se toparíamos ou não aquela loucura maior que nossas pernas. Pausei "Team", que ecoava pela milésima vez pelos quatro cantos do meu cubículo, quando o telefone tocou
_ Seria irônico receber uma ligação dessas se Lorde não tocasse nas minhas caixinhas e na minha playlist todos os dias nesse cubículo - ria
_ Mas, então? Temos que dar a resposta amanhã até as sete! Desculpa te incomodar nesse horário, sei que você saiu da produtora agora a pouco, mas é porque temos pouquíssimas semanas para organizar tudo...
_ Ia querer reclamar muito que você está estragando meus poucos minutos de descanso... mas tá perdoado! Não é todo dia que recebemos uma proposta dessa! Não tô acreditando, Arthur...
_ Cara... Lorde! Quando você atendeu o telefone e eu escutei sua música favorita tocando parecia até combinação! Presságio! - dizia com seu sotaque paulistano que me irritava no princípio
As semanas de caos se seguiram na toada naquela cidade que eu estava aprendendo a conhecer e gostar. Ninguém ainda havia me perdoado pela mudança e eu já planejava enviar cortesias do Festival 2018 como mimo e mecanismo de perdão. Já havia percorrido o MASP sentindo saudade do meu Circuito Liberdade, a Paulista, sentindo saudade das minhas ruas-Estado e os bares da Augusta para me adaptar à ausência da Rua da Bahia. Aquele Parque, porém, eu estreava no olho do furacão. Minha primeira vez no Ibirapuera acontecia nas vésperas do Festival 2018, vendo com os patrocinadores e assessores dos artistas como seriam os camarins, camarotes e stands. Arthur me salvava na geolocalização e eu me questionava como era loucura ter aceitado aquela empreitada sem saber nada sobre o Parque e sem nunca ter pisado ali
_ Arthur, não sei... eu acho que foi loucura demais a gente pegar a organização disso... a equipe de som já está perdendo a paciência comigo pois eles me dizem algo sobre orientação, eu pego os mapas, embolo tudo, não sei onde fica nada... - ríamos no desespero de dois jovens que sentiam o peso da responsabilidade
_ Concentra as informações sobre rotas, localizações, palcos e auditórios em mim... essa logística mais territorial pode ficar comigo e você cuida da parte que você é fera. Fred, olha pra mim! - dizia juntando as pontas dos dedos próximo a barriga pedindo minha atenção - você é muito bom no que faz! Essa cidade tem milhares de escritórios e empresas de produção de eventos e eles confiaram em você. Você não veio pra cá a toa, não construiu tudo isso a toa e não está sendo chamado pra fazer isso aqui por acaso. E eu também não entraria numa furada assim, poxa! - ria
_ Vou me apegar a isso. Só aceitei pela Lorde! Vou me controlar pra não ser tiete e ir mendigar uma foto! - dizia nas sombras das árvores enquanto fitava o obelisco, a ponte e o espelho d'água
_ O conceito que você trouxe de BH sobre eventos de música alternativa, de música indie, de pop esquisito te colocaram aqui e agora. E, de verdade, não parece que trabalhamos juntos só há alguns meses e que pela ponte que a Bia fez a gente se acertou tanto!
_ Bia é muito boa nisso... então agora é nosso nome que está na dianteira. Temos que fazer acontecer!
As coletivas de imprensa na manhã do evento foram meu primeiro teste de elenco. Com todas as bombas prestes a explodir nas mãos, transpareci a calma de um monge. A produção de Lorde havia listado uma série de problemas técnicos que poderiam atrapalhar a acústica e a execução do show, a equipe de uma cantora britânica tinha trago uma série de reclamações e um dos patrocinadores vociferava sobre o tamanho das marcas nos palcos.
